

Ronald, de 61 anos, é filho da contracultura, da geração paz e amor, mas amadureceu durante o período do milagre econômico da ditadura militar e logo se tornou economista agressivo. Sofreu um revés amoroso que o fez voltar aos velhos tempos. Largou tudo, comprou veleiro, foi para o Caribe e, depois de alguns anos viajando, começou a ter problemas financeiros. Conheceu pessoas e mecanismos para ingressar no tráfico. Entre 1996 1999, tornou-se representante comercial de um grupo ligado ao colombiano Cartel de Cali. Era conhecido como economista, até ser preso e condenado.
“Tentei descrever em detalhes cada momento da transição, pois a trajetória do Ronald é um espelho de nossa época. O trânsito do universo hippie para o yuppie corresponde à passagem do mundo contemplativo da maconha para o mundo da ‘ligação’ da cocaína”, explica Luiz Eduardo Soares.
Ele joga em todas
Professor universitário, antropólogo e escritor, o fluminense Luiz Eduardo Soares foi, entre janeiro e outubro de 2003, secretário nacional de Segurança Pública da primeira administração de Lula. Durante o governo Anthony Garotinho, comandou a Coordenadoria de Segurança, Justiça e Cidadania do Rio de Janeiro. Denunciou a “banda podre” da polícia carioca e acabou sendo demitido – pela TV – pelo então governador. Essa experiência gerou o livro Meu casaco de general (2000), um dos 20 títulos que ele publicou, entre ensaios, ficção e relatos biográficos.Os mais conhecidos são Cabeça de porco, de 2005 (coautoria com MV Bill e Celso Athayde), e Elite da tropa 1 e 2, de 2006 e 2010 (coautoria com André Batista e Rodrigo Pimentel), ligados ao blockbuster de José Padilha. Integrante do grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone na juventude, Luiz Eduardo escreveu o romance Experimento de Avelar (1997) e a peça Confronto em parceria com Domingos Oliveira e Márcia Zanelatto
TUDO OU NADA
De Luiz Eduardo Soares
Nova Fronteira, 352 páginas, R$ 34,90
. O autor e Ronald Soares conversam com o público hoje, às 19h30, no Espaço Multiuso do Sesc Palladium, Avenida Augusto de Lima, 420, 4º andar, Centro. Entrada franca. Informações: (31) 3261-1501..
Três perguntas para...
Luiz Eduardo Soares
Antropólogo e escritor
Violência e criminalidade têm sido bastante abordadas pelo mercado cultural, vide os filmes Cidade de Deus e Tropa de elite, além de minisséries de TV e livros. Porém, o enfoque está em dramas envolvendo a população mais pobre. Em Tudo ou nada, o holofote se vira para a classe média alta. Houve a intenção de mudar o foco?
Na verdade, não houve essa intenção, mas achei bom que tivesse um ângulo quase totalmente original. Meu nome não é Johnny também trata da classe média, mas com história muito diferente. A trajetória do Ronald foi internacional, ele representou o Cartel de Cali e teve uma experiência existencial bem diferente daquela de João Guilherme Estrella. Na realidade brasileira, a desigualdade do acesso à Justiça é grande, os pobres são mais facilmente condenados, há abordagem policial diferente. Então, não estamos acostumados a associar boas condições materiais à criminalidade, pois ela é logo associada à pobreza. Isso acaba se refletindo em todas as áreas, inclusive na produção cultural. Um filme recente, Paraísos artificiais (de Marcos Prado, sobre o universo da raves e das drogas sintéticas), traz abordagem interessante, também da classe média. A área cultural explorar mais esse universo pode se transformar em tendência.
Seu livro anterior, Justiça, ensaio sobre as mazelas do Judiciário, deixa claro que justiça não é vingança. O senhor alerta para a urgência de buscar novas formas de punição para realmente tentar recuperar um condenado. Tudo ou nada dialoga com esse trabalho, mais teórico?
Pensei bastante nisso, mas os livros não foram planejados dessa maneira. É evidente que o espírito é o mesmo, pois afinal eles tratam do universo prisional, da privação de liberdade. Procurei oferecer aos leitores o significado da privação da liberdade. Decomponho o tempo em horas, minutos, segundos, falando da coceira na pele, multiplicação dos insetos, convívio com odores, temperaturas. Tudo parece irrelevante, mas na prisão o tempo é vivido de maneira diferente. Podemos dizer com muita tranquilidade que foram “só” cinco ou seis anos para uma pena, como se fosse uma moeda simples. De fato, quem está vivendo a privação da liberdade tem uma experiência do tempo totalmente distinta.
Pergunta obrigatória: Tudo ou nada vai virar filme?
Conversas sempre há, consultas também, mas nada absolutamente de concreto. A história dá um filme, mas um filme caro. Imagine as locações: selva colombiana, Caribe, Inglaterra, presídios muito diferentes.