

Como toda história fantástica, a vida do mineiro Joaquim Rolla (1899-1972) começa de maneira improvável, tendo em vista os feitos de projeção internacional que lhe deram fama. Desde a adolescência, em São Domingos do Prata, demonstrou claramente tino para acumular dinheiro: enterrou moedas para “encontrá-las” depois; vendeu gasosa de abacaxi aos imigrantes que não toleravam a cachaça. Já tropeiro, descobriu o poder multiplicador da jogatina em rodas de truco e, assim, seu destino foi selado. Está tudo contado por João Perdigão, seu sobrinho-bisneto, e Euler Corradi no recém-lançado livro O rei da roleta.
Joaquim é um dos principais nomes da história do jogo no Brasil. Num lance de cartas (literalmente), tornou-se dono do lendário Cassino da Urca, no Rio de Janeiro, o mais famoso do país e por onde passaram Carmen Miranda, Orson Welles, a alta sociedade, políticos e muito dinheiro. Não bastasse, construiu o Quitandinha (aberto também como cassino, em Petrópolis), o Pavilhão de São Cristóvão (no Rio) e o Edifício JK (em Belo Horizonte), um dos maiores de Minas Gerais. E ainda fez e administrou mais cassinos – – incluindo o da Pampulha –, hotéis e estradas, além de ter fundado um jornal, a Folha da Noite Mineira.
Mais do que recuperar a trajetória de um personagem interessante e parte da memória do entretenimento no país, O rei da roleta também ajuda a compreender melhor o Brasil da primeira metade do século passado. Pelos shows e bancas de aposta das casas de Joaquim passou não apenas “gente famosa”, mas políticos, empresários e figuras que influenciavam diretamente o destino da nação. Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Assis Chateaubriand, Roberto Marinho e o norte-americano Percival Farquhar (um dos principais investidores a atuar no Brasil no início do século 20) são apenas alguns exemplos.
Mas nem só de grandes empreendimentos vitoriosos é feita a carreira de Joaquim. Sempre próximo ao poder, portanto, ele sentiu na pele o que significa contar com a simpatia e apoio de políticos. Por um lado, recebeu das mãos de JK (assíduo frequentador dos cassinos cariocas) a concessão para explorar o Cassino da Pampulha (atual Museu de Arte). Por outro, teve o Pavilhão São Cristóvão desapropriado pelo então governador da Guanabara Carlos Lacerda, que anulou os direitos de concessão conferidos a Joaquim por JK, seu adversário político.
MEMÓRIA VIVA
Tantos foram os fatos incríveis ligados a Joaquim, que inspiraram o então estudante mineiro de jornalismo João Perdigão a escrever sua monografia sobre o tema. “Ouço as histórias dele desde criança e meu pai é seu maior fã, apesar de tê-lo visto apenas uma vez”, lembra. Não conseguiu convencer os colegas, mas não deixou de lado a ideia de recuperar a história do tio-bisavô. Em 2006, recebeu e-mail de Euler, empresário de BH e curioso pela história de Joaquim, também interessado em descobrir mais informações a respeito.
Tantos foram os fatos incríveis ligados a Joaquim, que inspiraram o então estudante mineiro de jornalismo João Perdigão a escrever sua monografia sobre o tema. “Ouço as histórias dele desde criança e meu pai é seu maior fã, apesar de tê-lo visto apenas uma vez”, lembra. Não conseguiu convencer os colegas, mas não deixou de lado a ideia de recuperar a história do tio-bisavô. Em 2006, recebeu e-mail de Euler, empresário de BH e curioso pela história de Joaquim, também interessado em descobrir mais informações a respeito.
A pesquisa começou naquele mesmo ano. A dupla dispunha, inicialmente, de informações iniciais coletadas por João e alguns livros que citavam Joaquim, como Chatô, o rei do Brasil, clássica obra sobre Assis Chateaubriand, escrita por Fernando Morais. As despesas da pesquisa foram bancadas por Euler, viabilizando viagens para entrevistas e consultas a documentos no Rio de Janeiro, Petrópolis, Araxá, Poços de Caldas, São Domingos do Prata e Amparo, principalmente.
Foram colhidos depoimentos de várias pessoas ligadas a essa história, desde integrantes da família Rolla a Oscar Niemeyer, passando por Laurita Mourão (filha do general Olímpio Mourão Filho, que participou do golpe de 64), Olga Bianchi (viúva de Alberto Bianchi, que foi proprietário do rival Cassino Atlântico) e Gilson Cony dos Santos, que trabalhou com Joaquim na Companhia de Terrenos Quitandinha.
“Foi um trabalho difícil. Poucas pessoas sabem dessas histórias e, quando sabem, muitas vezes é por meio de outras. Então, fica distorcida. Chegamos a viajar para ouvir as pessoas e, chegando no local, só falaram mentira ou simplesmente informações que já conhecíamos”, relata João. Ele atribui a consistência da obra ao tempo que ele e Euler puderam dedicar à pesquisa, finalizada em novembro passado.
Quedas
Para Euler, mais do que todo o dinheiro que Joaquim movimentou com seus negócios, o que mais o impressiona nessa história é a capacidade que Joaquim Rolla teve de se levantar depois de cada queda. “Ele é admirável. Não sossegou. Foi um guerreiro, um visionário e um injustiçado. Muito criativo”, diz. O autor se refere principalmente à proibição ao jogo em todo o Brasil, feita em 1º de maio de 1946 pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. Os autores estimam que, na época, havia 37 mil trabalhadores na indústria do jogo no país, 7 mil dos quais subordinados ao empresário mineiro.
O fato foi, talvez, o mais duro para os negócios de Joaquim. Inaugurado em 1944, o gigantesco Quitandinha teve, portanto, apenas cerca de dois anos para funcionar como cassino. “Não houve tempo para que esse empreendimento chegasse ao auge. Se o jogo tivesse sido proibido uns 20 anos depois, Petrópolis seria completamente diferente do que a gente conhece hoje”, avalia Euler, que não vê “tanta diferença” entre Joaquim e outro mítico empreendedor brasileiro, o barão de Mauá (1813-1889).
Para João, o Quitandinha foi o maior feito do seu tio-bisavô: “Foi a jogada de mestre da vida dele. O investimento feito lá, de US$ 10 milhões em 1941, foi o motivo de ele não ter ficado pobre. O terreno foi comprado por ele como uma fazenda afastada, cheia de pântanos. Urbanizou tudo e, quando houve a proibição do jogo, ficou com uma dívida trabalhista enorme. Vendendo os lotes, que ficaram valorizados, pagou tudo o que devia e ainda conseguiu fazer outros investimentos. Foi quando migrou para a área imobiliária, com as construções do edifício JK, do Pavilhão São Cristóvão e do Hotel Venda Nova Paquequer”.
Rolla e JK
De fama boêmia, Juscelino Kubitschek quis um cassino para a Belo Horizonte da qual foi prefeito, nos anos 1940. Sua referência de urbanização era o Rio de Janeiro, de cujos cassinos era frequentador. Não queria algo nos moldes normandos do então recém-inaugurado Quitandinha, motivo pelo qual o traço do jovem Oscar Niemeyer agradou. JK disse a ele que o cassino era prioridade entre os demais projetos idealizados para a Pampulha. Já conhecido da Urca, Joaquim Rolla foi a escolha natural para explorar a concessão do cassino, aberto em 1943. Dessa relação cada vez mais próxima, surgiriam ainda outras oportunidades de negócio, como a construção do Condomínio Governador Juscelino Kubitschek (conhecido como Edifício JK), também na capital mineira.