Eduardo Giannetti lança O livro das citações

Escritor quer estimular o jovem do século 21 a se deslumbrar com o prazer de viajar pelo universo das idéias

22/09/2008 12:23
HELVIO ROMERO/AE
"Não é reunião de provérbios, nem de ditos espirituosos. Fiz um mosaico literário" - Eduardo Giannetti, escritor (foto: HELVIO ROMERO/AE)
Quando estudante, o economista Eduardo Giannetti experimentou sensação particularmente desagradável. Lia livros, estudava, mas ficava insatisfeito porque conseguia assimilar pouco aqueles textos. “Era desalentador”, confessa. Resolveu, então, adotar uma estratégia para enfrentar o problema: “Obrigava-me a resumir o livro com as minhas palavras, sempre que ele despertava interesse. Virei colecionar de fragmentos que achava belos ou que tinha certa inveja de não ter escrito”, brinca.

Três décadas depois, Eduardo guarda em casa 40 cadernos com anotações. Em 2001, ele decidiu compartilhar o acervo. O resultado é O livro das citações – um breviário das idéias replicantes, com centenas de fragmentos de textos de filósofos, poetas, cientistas, escritores e economistas. “Não é reunião de provérbios, nem de ditos espirituosos. Fiz um mosaico literário”, explica o autor.

O livro das citações está entre as obras mais vendidas no país atualmente. Só depois de pronto o escritor concluiu a que gênero seu trabalho pertencia: ao cento, invenção renascentista, criação de obra a partir de fragmentos de outros livros. São quatro capítulos: “Ler, escrever e ser compreendido”; “Formação de crenças e busca do conhecimento”; “Ética pessoal: vícios, virtudes, valores”; e “Ética cívica: economia, sociedade, identidades”. Todos trazem textos saborosos, que sugerem respostas a questões importantes, caras ao autor: a transmissão de idéias pela linguagem; como chegamos a crer no que acreditamos; como viver no plano individual; e no que consiste uma boa sociedade.

O livro de Giannetti traz questões que, por muitos anos, estiveram na mira dele como pesquisador, em busca da genealogia de idéias transmitidas de geração a geração. Ensinamentos de mais de 2 mil anos do pensador grego Sócrates vêm sendo repetidos por filósofos, poetas e cientistas, exemplifica. Mas nem só de sabedoria vive O livro das citações. “Há idéias bizarras”, avisa Eduardo.

As mais engraçadas são as fantasias de filósofos e economistas, principalmente europeus, sobre os efeitos morais e intelectuais dos trópicos sobre as pessoas. Creditam-se ao clima quente a saúde precária, menos vigor e menos firmeza mental, a incapacidade para arte e para a civilidade, além da propensão ao sexo. “São idéias incrivelmente recorrentes nas filosofias francesa, alemã e inglesa até hoje”, observa.

“Criei horizonte amplo na tentativa de despertar nos mais jovens a curiosidade e o interesse pela leitura. Gostaria que, a partir do deslumbramento com um fragmento, eles fossem atrás dos textos, querendo saber quem escreveu algo tão belo e que diz tanto”, resume Eduardo, que facilitou a tarefa. No fim do volume há bibliografia de quase 40 páginas indicando livro, autor e página do texto citado.

TRADIÇÃO

Eduardo Giannetti leu todos os livros que estão na lista? “Li 80% deles”, responde. “Preocupa-me que a juventude do início do século 21 esteja perdendo contato com o melhor da tradição, da filosofia e da literatura”, afirma. O escritor credita o fato às novas tecnologias. “No livro, estou mimetizando a fragmentação que existe na cabeça do jovem, que, em parte, é minha também, mas na tentativa de ir além dela. É guerilha cultural.”

Pronto O livro das citações, o economista fez estatística sobre os autores mais citados por ele. O campeão, com 87 aparições, foi o filósofo Nietzsche. “É demais, mas não consegui diminuir”, brinca Eduardo. Atrás do alemão estão o economista Adam Smith (17 citações), os poetas Goethe e Baudelaire (com, respectivamente, 25 e 17), o filósofo Waldo Emerson (19), Fernando Pessoa (16), Carlos Drummond (12), Karl Marx (13), Machado de Assis e Aristóteles (12). “São os autores que li com mais paixão e intensidade”, revela.

Eduardo Giannetti tem 51 anos, é formado em economia e ciências sociais. Ph.D. pela Universidade de Cambridge, nasceu em Belo Horizonte e dá aulas no Ibmec São Paulo. Ganhou o conceituado Prêmio Jabuti com o livro Vícios privados, benefícios públicos?. Algumas de suas obras – Auto-engano, Felicidade, Valor do amanhã (transformado em série no programa Fantástico) e, mais recentemente, O livro das citações – costumam freqüentar por várias semanas as listas de livros mais vendidos do país. “Fico feliz com isso, mas luto contra essa satisfação íntima, porque considero frívola essa felicidade. Acho que ela apela para o nível primário do psiquismo humano”, diz.

Existe fórmula para o sucesso? “Não. Ninguém sabe o que vai ocorrer com um livro. É sempre tiro no escuro. De 100 filmes lançados, 90 dão prejuízo. Se soubessem o que vai ser bem-sucedido, só fariam os que vão dar lucro”, diz. E avisa: já escreveu “fracassos retumbantes”.

Às vezes, o trabalho de Giannetti pende para a economia; outras vezes, para a filosofia. Em todas as obras está o interesse por “um viver melhor e a investigação do mistério que são as escolhas que constituem uma vida humana”. Ele informa que O livro das citações encerra ciclo dedicado a artigos, ensaios e estudos: “Quero fazer algo diferente, me dedicar à literatura”. Ele planeja escrever algo que seja impossível saber se é ficção, prosa ou poesia.

“A criação tem muito a dizer sobre a aventura e as descobertas vindas da experimentação da arte de viver e sobre as formas possíveis de vida. Um livro de Dostoievski tem mais conhecimento sobre a psicologia do que um tratado científico sobre o assunto”, conclui.

FRAGMENTOS

“A natureza nos dá a vida, como dinheiro emprestado a juros, sem fixar o dia da restituição.”  (Cícero, século 2 a.C.)

“Eles falam mal de mim? Ah, se me conhecessem como eu me conheço!” (Epiteto, século 2 d.C)

“Minha alma tem sido uma estranha no curso de minha peregrinação.” (Francis Bacon, 1621)

“Deveríamos nos livrar, de uma vez por todas, da sedução das palavras!” (Nietzsche, 1886)

“Não existe absurdo que não encontre o seu porta-voz.”  (F. W. J. Schelling, 1809)

“Melhor morrer de vodca que de tédio.” (Maiakovski, 1926)

“A minha terra dá banana e aipim, meu trabalho é achar quem descasque por mim.” (Noel Rosa e Kid Pepe, 1933)

O LIVRO DAS CITAÇÕES
De Eduardo Giannetti, Companhia das Letras, 457 páginas, R$ 49.
Lançamento terça-feira, às 19h30, na Sala Juvenal Dias do Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro. Informações: (31)3261-1501. Entrada franca. Promoção do projeto Sempre um papo. Aceita-se doação de livros, que serão destinados a bibliotecas comunitárias.

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