Live nesta segunda (20) aborda o futuro do cinema

Ex-diretora da Ancine Débora Ivanov e professor Alfredo Manevy discutem as alternativas para o setor no cenário pós-pandemia

Mariana Peixoto 20/07/2020 07:14
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O que dizer sobre o setor audiovisual durante a pandemia do novo coronavírus? Há algumas (poucas) boas notícias. A despeito dos impedimentos da quarentena e também do enfraquecimento da estrutura e das ações de apoio ao setor no âmbito federal, profissionais do meio estão tentando apontar caminhos. 

Dois deles, a produtora Débora Ivanov, que até outubro de 2019 foi diretora da Agência Nacional do Cinema (Ancine), e Alfredo Manevy, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e ex-presidente do SPCine, a Empresa de Cinema e Audiovisual de São Paulo, se encontrarão nesta segunda-feira (20) para um debate em torno do tema.

Ivanov e Manevy participam da conferência “Diálogos cinematográficos – Audiovisual em tempos de pandemia”, que será realizada a partir das 19h, via aplicativo Zoom. O encontro virtual integra a programação comemorativa de 18 anos da ONG Contato.

Ancine/Divulgação
(foto: Ancine/Divulgação)
 

“Em termos positivos, tenho conversado com várias produtoras que estão apresentando projetos para as plataformas de streaming, amadurecendo roteiros, reelaborando planejamentos, fechando elenco e equipes para poder filmar no início de 2021”, comenta Ivanov.

RETOMADA

A produtora acredita que a retomada das filmagens será possível para aqueles que já têm os recursos liberados. “Projetos que têm captados 80% de seu orçamento vão conseguir. Mas o planejamento terá que ser readequado, inclusive com a inclusão de custos adicionais dentro dos protocolos (de prevenção da contaminação pelo novo coronavírus). Os filmes não custarão a mesma coisa”, observa ela, lembrando que as condições serão outras.
 
“Tem gente que só vai filmar quando houver vacina e outros vão filmar de forma diferente, com equipes menores e em lugares mais amplos, para poder haver um mínimo de segurança. O que está acontecendo agora é que as produções planejadas (e não realizadas neste momento) estão encavalando. Há profissionais que estão sendo disputados no mercado”, acrescenta.

O streaming, para muitos o salvador tanto de produtores quanto de consumidores, é, na opinião de Manevy, a grande novidade da pandemia. “As pessoas estão consumindo como nunca o audiovisual dentro de suas casas, e isto deu uma percepção de como a cultura é importante, tanto para o acesso à informação quanto para se ter um pouco de prazer.”

Entre as análises que estão sendo feitas atualmente, há uma de se divulgar diretamente no streaming filmes financiados com recursos públicos e que já estão finalizados, mas que tiveram seus lançamentos adiados em virtude da pandemia. “Isto também inclui o perfil do cine drive in, pois são muitos filmes encavalados. O problema é que, agora, não dá para se concluir nada”, comenta Ivanov.

ESTRANGEIROS

Na opinião de Manevy, mesmo com o incremento do consumo digital, o Brasil não se preparou para aproveitar a onda. “Enquanto o mundo inteiro está há vários anos se preparando para ocupar o streaming, criando seus próprios canais e tendo políticas de incentivo para o conteúdo nacional nas plataformas, o Brasil vem desmontando a legislação, entregando o mercado para a indústria estrangeira.”

Fernando Libânio/Divulgação
(foto: Fernando Libânio/Divulgação)
 

Ele cita como exemplo a aprovação, em fevereiro passado, que a Agência Nacional de Telecomunicações deu para a compra da Warner Media pela gigante americana AT&T. O negócio de US$ 85 bilhões envolveu 18 países e só dependia do aval da Anatel para ser finalizado. Desde agosto de 2019, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) vinha fazendo pressão junto à agência pela aprovação do negócio.

“Ter a própria língua em histórias feitas e contadas pelo seu país é muito importante em termos planetários. O Brasil vinha conquistando um espaço, ganhando prêmios, a animação infantil sendo premiada no mundo todo”, cita. 

Na opinião de Manevy, “estão abrindo mão das conquistas e entregando para os competidores estrangeiros. É o setor do futuro e estamos perdendo uma grande oportunidade. A indústria audiovisual está sendo desmontada, e estamos perdendo uma oportunidade de ocupar um mercado para o qual o Brasil tem vocação. Se o governo joga contra, fica muito difícil para o brasileiro concorrer com o estrangeiro”.

ANCINE

O desmantelamento da Ancine será certamente um dos assuntos do diálogo desta noite, sobretudo pelo cargo que Ivanov ocupou na agência. “Quando eu saí, só ficou um diretor (a Ancine atua com uma diretoria colegiada), algo que nunca tinha ocorrido com nenhuma agência reguladora. Só em fevereiro entraram os novos diretores, que são interinos. Os que estão ali trabalhando têm que reorganizar a agência para atender as exigências do TCU (Tribunal de Contas da União) e também para buscar a liberação dos recursos do Fundo Setorial do Audiovisual para que, a médio prazo, se possa voltar à normalidade”, ela diz.

A Ancine vem sofrendo grande instabilidade desde o fim do Ministério da Cultura. “Ela já trocou (de vinculação) do Ministério da Cidadania para o do Turismo e passou por cinco ou seis secretários de Cultura”, diz Ivanov. Os trabalhos estão sendo feitos morosamente, ainda mais porque são centenas de projetos que passam pela avaliação da agência.

Na opinião da produtora, a médio prazo o público vai sentir os efeitos da desestruturação do setor. “O setor já vem sentindo muito por causa da pandemia e da fragilidade da agência. Sem dúvida, o número de produções vai cair. Daqui a um ano ou dois, teremos menos produções para os canais de TV e as salas de cinema.”

Manevy avalia que a pandemia ressaltou dois lados. “As pessoas estão vendo quanto faz falta estar juntas, então a convivência social está sendo revalorizada. O isolamento vem nos mostrando que o mundo só da internet é sem graça e pobre. E as salas de cinema terão um lugar no novo mundo, mas, para tal, precisam ser repensadas.”

Segundo ele, uma das questões prementes é pensar na manutenção das salas, ainda mais porque,  num primeiro momento pós-pandemia, muito provavelmente não será possível ter salas cheias.

“Principalmente para as salas de cinema de arte, há que pensar em uma parceria com o poder público, pois, se fechar a conta antes já era difícil, depois será pior. Além disso, o acesso ao cinema deveria ser visto como política pública. O Circuito SPcine, mantido pela Prefeitura de São Paulo, já chegou a 2 milhões de pessoas. Não falo de nada que não exista, mas isto tem que deixar de ser uma bela de uma exceção para se espalhar pelo Brasil.”

Diálogos cinematográficos – Audiovisual em tempos de pandemia
Com Alfredo Manevy e Débora Ivanov. Mediação de Helder Quiroga. Nesta segunda (20), às 19h, via Zoom. Inscrições gratuitas via www.sympla.com.br.

ONG SE EXPANDE EM “PROCESSO ADVERSO” 

A pandemia mostrou um novo caminho para a ONG Contato. As atividades de comemoração dos 18 anos de fundação da organização não governamental com sede no bairro Serra já estavam planejadas quando teve início o período de isolamento social.

“Tivemos que passar tudo para o on-line. E a adesão para palestras, oficinas e seminários tem sido incrível, com muito mais inscritos do que tínhamos tradicionalmente. Conseguimos crescer,  mesmo dentro de um processo adverso”, afirma Vítor Santana, um dos fundadores da ONG.

Além das iniciativas on-line, algumas já em curso, a Contato também ganhou um braço no exterior. Depois de conhecer o trabalho da ONG no início deste ano, um grupo de colombianos criou a Contato Colômbia, na cidade de Cali.  “O foco será o mesmo nosso: música, audiovisual e movimentos sociais de cooperação internacional”, diz Santana.

Além do debate desta noite, a ONG tem programado o lançamento da segunda edição da revista Elipse, com um encontro virtual entre o ator Fabrício Boliveira e o crítico Paulo Henrique Silva, no dia 3 de agosto, às 19h, com transmissão pelo Youtube, Instagram e Facebook da organização.

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