Cinema encontra jeito de lançar filmes, mesmo com salas fechadas

Criação de plataformas próprias e serviços de terceiros viabilizam trabalho das distribuidoras de títulos. Nesta quinta (28), duas iniciativas começam a operar

Mariana Peixoto 28/05/2020 08:23
Elite Filmes/Divulgação
O drama familiar Antes de partir é um dos títulos inéditos que a plataforma Cinema Virtual oferece a partir de hoje (foto: Elite Filmes/Divulgação)

Filmes inéditos nos cinemas brasileiros, impedidos de chegar às salas em decorrência da pandemia do novo coronavírus, já estão disponíveis para os espectadores. Pelo menos os títulos do cenário independente. Além dos conhecidos serviços de vídeo sob demanda (Now, Vivo Play, Google Play, iTunes e YouTube), que já operavam antes da crise sanitária, plataformas alternativas surgiram como um novo meio de lançamento para o cinema autoral. 

No ar desde outubro de 2019, o Petra Belas Artes à La Carte, serviço do tradicional cinema de rua homônimo de São Paulo, foi lançado com um acervo de filmes cults e clássicos. Com poucos recursos de início, a plataforma foi aprimorada no mês passado – ganhou aplicativo e começou a lançar, com exclusividade, filmes inéditos. Nesta quinta (28), estreará O hotel às margens do rio, de Hong Sang-soo, considerado o Woody Allen do cinema sul-coreano.

“No geral, o VOD (vídeo on demand) pode ser uma boa saída para filmes independentes. É um pouco mais democrático, já que alcança todas as cidades. Hoje, muitas vezes, um lançamento só chega a 10 ou 11 estados, no máximo. Agora, vejo o streaming como outra forma de entretenimento, não acho que ele veio para substituir o cinema”, afirma Juliana Brito, programadora do Belas Artes. 

Uma série de filmes inéditos estará disponível para o espectador a partir de hoje, com o lançamento de uma plataforma chamada Cinema Virtual. Diferentemente de outras iniciativas do gênero, o Cinema Virtual insere no jogo o exibidor (ou seja, o dono das salas), que desde o início da quarentena, com o fechamento dos cinemas, está sem ação. 

A cada quinta-feira serão lançados entre 10 e 15 filmes, inéditos no cinema e em outras plataformas. O usuário vai escolher não só o filme a que vai assistir, como também a rede exibidora de sua preferência. Assim, o exibidor receberá parte da renda de cada sessão.

Vitrine Filmes/Divulgação
Os olhos de Cabul, apresentado em Cannes no ano passado, sobre casal que tenta escapar do Talebã, também terá lançamento nesta quinta (foto: Vitrine Filmes/Divulgação )


CONEXÃO

“O Cinema Virtual não é um serviço de streaming convencional, que busca direto o usuário final. Nós nos colocamos como uma plataforma operacional para conectar o exibidor e o distribuidor”, diz Marcelo Nunes, idealizador da plataforma. Por ora, o projeto vai trabalhar com filmes das distribuidoras Vitrine (responsável pelo lançamento de Bacurau, por exemplo), Elite (que adquiriu o polonês indicado ao Oscar Corpus Christi) e A2 Filmes (que levou aos cinemas no ano passado A tabacaria). 

O exibidor não paga para participar, só tem que liberar a marca de seu cinema para que ela seja disponibilizada na plataforma. “No primeiro momento, oferecemos para todos os exibidores. Mas não estamos fazendo questão de fechar com as grandes redes. Temos dado preferência para grupos pequenos e médios, de cidades do interior, por exemplo”, comenta Nunes.    

Para ter acesso ao título, o espectador deve escolher o filme, estado, cidade e rede exibidora de preferência. Os filmes comprados vão valer por 72 horas e podem ser vistos por até três plataformas diferentes. Cada título ficará em cartaz por até 15 dias. Depois deste lançamento, o filme terá que esperar até 90 dias para ser oferecido pelas plataformas digitais.

Neste momento inicial, 55 títulos foram confirmados pelo Cinema Virtual. Hoje estreiam 10, entre eles o drama Antes de partir, de Oded Binnun e Mihal Brazis, que apresenta Brian Cox como um homem ranzinza, que, ao descobrir ter poucos meses de vida, vai para São Francisco, onde vive seu filho, com quem tem uma relação conturbada.

Outra atração é a animação Os olhos de Cabul, de Zabou Breitman e Eléa Gobbé-Mévellec, que foi selecionado para a mostra Um certo olhar, do Festival de Cannes do ano passado. Na história, um jovem casal apaixonado tenta viver sob o regime do Talebã, no Afeganistão.


NOVA JANELA

Marcelo Nunes projeta o Cinema Virtual a longo prazo, operacional mesmo quando as salas reabrirem, pós-pandemia. “Ele é uma nova janela digital de cinema, para atuar conjuntamente com a física. Os lançamentos (quando a normalidade voltar) serão simultâneos. Este é um movimento para que o filme não vá diretamente para o VOD.”

Fundador da distribuidora mineira Embaúba Filmes, que só atua com a produção nacional, Daniel Queiroz atesta o boom de plataformas digitais. “Estamos todos tentando entender as possibilidades dos filmes na internet. Quando é gratuito, o número de acessos explode”, comenta ele. 

Em abril, o catálogo da Embaúba, com nove filmes, foi disponibilizado gratuitamente. Nesse período, foram 3.324 visualizações, quase um terço delas para o longa Inferninho, de Guto Parente e Pedro Diógenes. 

O média-metragem Vaga carne, de Grace Passô e Ricardo Alves Jr., lançado neste mês, também foi pelo mesmo caminho, já que o filme foi adquirido pela plataforma SPCine Play. No acordo com a distribuidora, Queiroz conta, ficou previsto que a exibição gratuita só iria até que o título atingisse 2 mil visualizações. 

“Pensamos que esse número seria para um mês, mas fomos surpreendidos quando ele atingiu 2 mil em quatro dias.” Diante disso, foi autorizado que o filme continue de graça na plataforma, independentemente do número de acessos, até 2 de junho.

Outra ponta da cadeia do audiovisual, os festivais de cinema também já estão pensando no presencial e no virtual. Realizadora de três eventos do gênero em Minas Gerais – a Mostra de Tiradentes, em janeiro; o CineOP, em junho; e a Mostra CineBH, em setembro –, a Universo Produção já mudou as datas dos dois últimos

A Mostra de Cinema de Ouro Preto, que teria início em 22 de junho, será realizada entre o final de agosto e o início de setembro. Já a de BH passou para outubro. Definida sua realização, o formato ainda é uma incógnita. “Estamos preparando tudo para o ambiente digital, que, com certeza, vai ter. Até lá, se pudermos realizar algo presencial e tivermos recursos, faremos nas duas modalidades”, afirma Raquel Hallak, coordenadora das mostras. Para ela, o virtual chega, apesar da pandemia, “como uma janela de expansão, já que, com ela, ganhamos em escala e engajamento”.

A produtora também planeja resgatar uma iniciativa que a Universo realizou no passado, levando em conta um movimento mundial que vem ocorrendo neste período. “Já tenho um projeto de cinema drive in, ele está pronto e estamos tentando conseguir parceiros. Pode acontecer separadamente, como também durante as mostras”, diz ela.

Por ora, nada pode sair do papel, já que um decreto da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, de 5 de maio, proibiu por tempo indeterminado toda atividade no modelo drive in.


BELAS ARTES À LA CARTE
Disponível no endereço belasartesalacarte.com.br e também pelo aplicativo. Assinaturas: R$ 9,90 (mensal) e R$ 108,90 (anual). O hotel às margens do rio, de Hong Sang-soo (Coreia do Sul), lançamento nesta quinta (28), por R$ 7, 90 (avulso).

CINEMA VIRTUAL
Disponível no endereço cinemavirtual.com.br. 
Filmes: R$ 19,90 a R$ 24,90.

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