'Retrato de uma jovem em chamas' pinta quadro delicado sobre o nascimento do amor

Premiado como melhor roteiro no Festival de Cannes, longa da diretora francesa Céline Sciamma estreia nesta quinta (9) em Belo Horizonte

Pedro Galvão 09/01/2020 06:00
Supo Mungam Filmes/Divulgação
Marianne (Noémie Merlant) e Héloïse (Adèle Haenel) protagonizam o longa francês (foto: Supo Mungam Filmes/Divulgação)

Desde que ganhou a Palma de Ouro numa decisão unânime do júri, em maio do ano passado, o longa sul-coreano Parasita se colocou como o favorito aparentemente imbatível na categoria de filme estrangeiro dos grandes prêmios de cinema – o que o Globo de Ouro, no último domingo (5), só fez confirmar. Entretanto, a safra 2019 de filmes fora do eixo EUA-Inglaterra ainda reserva outras produções notórias, que continuam chegando aos cinemas brasileiros. Uma delas é o longa francês Retrato de uma jovem em chamas, que estreia nesta quinta-feira (9) em Belo Horizonte, no Cine Belas Artes.

O filme de Céline Sciamma também esteve em competição oficial pela Palma de Ouro e deixou o festival com o prêmio de melhor roteiro (assinado pela cineasta) e a Queer Palm, troféu dedicado ao longa de melhor representatividade LGBT, pela primeira vez entregue a um título dirigido por uma mulher. Essas credenciais atestam a potência do filme.
Embora se passe na França do século 18, a trama, centrada no romance entre a pintora Marianne (Noémie Merlant) e a jovem Héloïse (Adèle Haenel), mergulha em questões atuais importantes sob uma perspectiva inteiramente feminina. Com elenco composto quase exclusivamente por mulheres, é o olhar delas o ponto principal, desde a primeira cena.

O caminho das duas protagonistas se cruza quando Marianne é contratada por uma condessa, interpretada por Valeria Golino, para viajar até uma casa remota no litoral, onde passará uma semana com uma difícil missão: pintar um retrato perfeito de sua filha Héloïse, prometida em casamento a um rico italiano. A peça deveria ser entregue ao pretendente, com o objetivo de convencê-lo a firmar o matrimônio. No entanto, nenhum dos artistas anteriormente contratados (todos homens) conseguiu, pois a jovem se recusava a posar, já que não quer se casar.

MEMÓRIA 


Para finalmente retratar Heloïse, Marianne deve fingir ser apenas uma dama de companhia e seguir a jovem em suas caminhadas diárias pela praia. O retrato deve ser pintado com base em sua memória da fisionomia da modelo. A percepção artística permite a ela conhecer mais da personalidade da introspectiva Héloïse, criando então o romance, que foge de clichês vistos em enredos parecidos. Não existem cenas de sexo, embora haja intimidade e sensualidade. Tampouco aparecem exageros em torno do relacionamento delas, que mostra sua intensidade de outras formas.

Na entrevista coletiva logo após a estreia do filme em Cannes,  Sciamma disse que capturar o nascimento de um amor era um de seus principais desafios com a história. E, de fato,  Retrato de uma jovem em chamas mostra o surgimento do desejo e o processo de encantamento de uma pela outra, sempre de forma sensível, focada em como elas se observam e se percebem. A convivência ao longo de uma semana isoladas em uma casa, na companhia apenas da criada Sophie (Luàna Bajrami), evidencia personagens fortes, além de diálogos e ações que dão relevo a pontos importantes sobre a opressão sofrida pelas mulheres e seu desafio de autoconhecimento. Até mesmo o tema do aborto é incluído, sob a mesma abordagem esteticamente poética, numa ponte interessante entre o passado e o presente.

DENÚNCIA DE ASSÉDIO

Em novembro, a atriz Adèle Haenel, que vive Heloïse em Retrato de uma jovem em chamas, tornou pública uma situação de assédio sexual no ambiente profissional da qual foi vítima, dos 12 aos 15 anos, segundo diz. Adèle, de 31 anos, disse que, depois de assistir ao documentário Leaving Neverland, em que dois homens relatam ter sido vítimas de abuso sexual por Michael Jackson quando ainda eram crianças e fãs do Rei do Pop, o "silêncio se tornou insuportável" para ela. A atriz contou que o diretor Christophe Ruggia, com quem ela filmou Les diables, lançado em 2002, praticou "assédio sexual permanente" com ela durante a rodagem e a divulgação do filme pelo circuito de festivais. Segundo Adèle, Ruggia insistia em tocá-la nas coxas e no torso e beijá-la forçosamente no pescoço. O diretor, hoje com 55 anos, negou "categoricamente" as acusações.

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