Documentário 'O imperfeccionista' conta a história do músico Ian Guest

Filme mostra o método de ensino e a extenuante busca pela perfeição do húngaro radicado em Tiradentes. Primeiro longa de Marcello Nicolato, filme compete no Festival de Santos, que termina amanhã

por Augusto Guimarães Pio 02/07/2019 08:00
Marcello Nicolato/Divulgação
(foto: Marcello Nicolato/Divulgação)

A trajetória pessoal e profissional do músico húngaro radicado em Tiradentes Ian Guest é o tema do documentário O imperfeccionista, de Marcello Nicolato. O longa está na mostra competitiva do Santos Filme Festival, que começou no último dia 26 e termina nesta quarta (3). 

Nicolato se interessava pela história do mestre, que, conforme diz, “repaginou a MPB e o ensino da música popular no Brasil, seja como professor ou como parceiro de Raul Seixas, Ronaldo Bastos, Vinícius de Moraes e Capinam, entre outros”.

Guest, por sua vez, afirma que nunca havia pensado em transformar sua trajetória num filme. “Nunca me importei em divulgar a minha obra ou a minha vida. Até o nome do documentário foi ideia dele (Nicolato), porque dedico a minha vida a passar para os outros a questão da não qualidade. Por outro lado, procuro elevar a autoestima dos meus alunos e injetar neles a autoconfiança”, diz Guest.

O músico, no entanto, está satisfeito com o resultado. “Fomos à Hungria, Colômbia, Rio de Janeiro e depois ele acompanhou a minha mudança de Mariana para Tiradentes, onde moro até hoje. Com isso, acabei sendo o protagonista da minha própria vida”, afirma o pianista. A escolha de Guest, autor de diversos livros sobre harmonia e arranjos, por viver em Minas Gerais tem razões de temperamento e musicais. “Agora (com o documentário), serei mais conhecido, porém sem extrapolar o meu temperamento. Sou uma pessoa de bastidores. Gosto de tudo que é bastidor, como a criatividade e a educação. Vim para Minas porque aqui me lembra a Hungria, até mesmo a música do Clube da Esquina.”

Aos 79 anos, Guest continua ensinando música pelo método Kodály, desenvolvido pelo húngaro Zoltán Kodály (1882-1968). Durante o tempo em que viveu no Rio de Janeiro, criou e gerenciou o Centro Ian Guest de Aperfeiçoamento Musical (Cigam). É também um dos fundadores da Escola Bituca, de Barbacena. Continua dando suas aulas semanalmente. “São ligadas à música popular, com ensino de harmonia, arranjos e laboratório de criação”, conta.

O diretor, que tem em O imperfeccionista seu primeiro longa, conta que acompanhou o cotidiano e observou o imaginário de Guest por cinco anos. “O documentário traz também depoimentos de artistas como Roberto Menescal, Turíbio Santos, Nelson Faria, Cláudio Dauelsberg, João Pedro Borges, Vittor Santos, Hamilton de Holanda, Ana Carolina Nunes do Couto, Carlos Walter e Gilvan de Oliveira, Regina Bertola e Célia Vaz, alusivos às facetas recônditas desse irrequieto imperfeccionista”, diz Nicolato.

Autor de diversos curtas, o diretor inicialmente imaginou o filme sobre Guest nesse formato, mas mudou de ideia quando passou a conhecer melhor o personagem. “Guest é uma figura muito mística. Por mais que seja húngaro, é brasileiro na sua essência. É muito peculiar. Já conhecia sua obra e ouvia muito falar sobre ele, mas não o conhecia pessoalmente. Em 2010, estive em Mariana, onde ele morava na época, e lá o conheci de verdade. Disse que queria fazer um curta sobre ele, mas logo nas primeiras entrevistas pude ver que um longa seria mais conveniente, por toda a sua importância na música brasileira.”

BUDAPESTE As gravações começaram em 2013. “Fui gravando à medida que ia conseguindo dinheiro, pois não tive como captar recursos pelas leis de incentivo à cultura. Em 2014, ele foi para a Hungria e fui com ele. Estivemos em Budapeste, onde permanecemos por duas semanas. De lá para cá, continuei gravando com ele, que não interpreta um personagem, pois é autêntico o tempo inteiro. Quis fazer o documentário de um modo que não o roteirizasse. Tinha uma ideia da estética do filme, mas não queria pedir para ele fazer alguma cena”, lembra o cineasta.

Além da Hungria, as gravações percorreram outros pontos da América do Sul e do Brasil. “Fui também com ele para o Rio de Janeiro e a Colômbia. Acompanhei a sua vida até depois que o filme estava praticamente pronto. Até consegui incluir uma homenagem que os músicos de São João del-Rei fizeram para ele”.

Além do Santos Filme Festival, o diretor inscreveu seu filme em outras mostras nacionais e internacionais e pretende que ele seja exibido também em escolas e universidades.

“Guest entende que a música não é um ritual, não é entretenimento, é mais que isso. Por ser imigrante, chegou ao Brasil e viu a nossa música de uma maneira diferente. Para ele, o importante na música não é ser bom ao executar um instrumento, não é ser virtuoso, pois sua intenção é injetar a autoestima em seus alunos.”

Na verdade, Guest quer que o aluno entenda a música de uma forma mais ritual, do dia a dia, não naquela maneira de ficar tocando horas e horas para tentar ser perfeito. “É um professor que muda a vida de seus alunos. Para ele, o instrumento não é o mais importante. Ele acha que a vida é mais que isso. É muito intenso e minha convivência com ele foi uma experiência de vida”, afirma Nicolato.

ALUNOS Embora não defina seu filme como um documentário propriamente biográfico, Nicolato diz que fez questão de incluir dados como o fato de “Guest ter vindo da Hungria para o Brasil com 16 anos e afirmar que nunca se sentiu um imigrante aqui”. Em sua atuação profissional, registra que teve “entre seus alunos músicos como Zélia Duncan, Djavan, Nelson Faria, Raphael Rabello, Vitor Santos, Raul Seixas, Roberto Menescal e Gerson Silva. E que, entre muitos outros trabalhos, revisou todos os songbooks lançados por Almir Chediak, de quem foi professor, revisor e consultor”.

Segundo o diretor, estão em preparação outras ações para a difusão da obra autoral de Ian Guest, como o lançamento do CD Hemathacama e do songbook Aventura de lápis e borracha, com manuscritos de suas composições, inclusive parcerias inéditas com Vinícius de Moraes, Raul Seixas e Capinam.

Aluno de Guest, o violonista mineiro Carlos Valter também dá seu depoimento sobre o professor no documentário. “Minha relação com ele se construiu a partir de sua obra didática, com seus livros sobre arranjos e harmonias. Também convivi com várias pessoas que estudaram com ele. Sou autodidata. Minha convivência pessoal com ele foi quando morou em Mariana, onde o conheci, em 2001. Lá pude vê-lo mostrando o seu processo de criação, ou seja, o que permeava o seu imaginário como educador de música. Aprendi muito com ele.”
 

“Agora (com o documentário), serei mais conhecido, porém sem extrapolar o meu temperamento. Sou uma pessoa de bastidores. Gosto de tudo que é bastidor, como a criatividade e a educação. Vim para Minas porque aqui me lembra a Hungria, até mesmo a música do Clube da Esquina”

Ian Guest, pianista e professor de música

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