Mostra de Cinema de Ouro Preto destaca as culturas regionais do país

Em cartaz até segunda-feira (10), CineOP vai homenagear o diretor Edgard Navarro, que construiu sua carreira fora do eixo Rio-São Paulo

por Ana Clara Brant 05/06/2019 08:25
Leo Lara/divulgação
Edgard Navarro, que vai receber o Troféu Vila Rica, comemora os 30 anos de seu filme SuperOutro (foto: Leo Lara/divulgação)
“Os sonhos não envelhecem, não morrem nunca. A luz no fim do túnel é o nosso desejo de resistir e continuar.” Dessa forma, o diretor, roteirista, ator e montador baiano Edgard Navarro tenta demonstrar otimismo em relação ao futuro da cultura e do Brasil. Ele será homenageado pela CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, cuja 14ª edição começa nesta quarta-feira (5), na cidade histórica mineira. Em 2019, quando Navarro chega aos 70 anos, um de seus trabalhos mais emblemáticos, SuperOutro, completa 30. O média-metragem faz parte do livro 100 melhores filmes brasileiros, organizado pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Em 1989, ele recebeu os prêmios de melhor direção e melhor ator (Bertrand Duarte) no festival de Gramado.

“Meu aniversário é só em outubro, mas as celebrações começam em junho”, comenta Navarro, aos risos. “Fiquei muito feliz e também surpreso com a homenagem. É bonito ver o trabalho da gente reconhecido. Nessa trajetória, o que mais me orgulha é nunca ter traído a força que mora no meu coração”, ressalta.

Amanhã (6), Navarro receberá o Troféu Vila Rica, na sessão solene da CineOP. Serão exibidos os filmes SuperOutro e Exposed (1978). Ao longo da mostra, o público poderá conferir outras obras dele: O rei do cagaço (1977), Porta de fogo (1982), Lin e Katazan (1986) e Talento demais (1995), além de Abaixo a gravidade (2017), que chegará ao circuito comercial em 20 de junho.

O cineasta baiano destaca a importância de Minas Gerais em sua formação. Seja por meio do Clube da Esquina e de Milton Nascimento ou dos escritores João Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade. “É o primeiro escalão da cultura brasileira. Não tem como não ser influenciado por tudo isso”, comenta. “Ouro Preto é um lugar mágico, lindo. Já conhecia a cidade bem antes do festival, que é um evento muito especial, com grande preocupação com o nosso cinema. A curadoria sempre trabalha com questões do patrimônio, da educação. É mais um motivo para me sentir honrado com esse tributo”, destaca.

Até dia 10, serão exibidos 105 títulos (12 longas, 4 médias e 89 curtas). A programação foi estruturada em três eixos: preservação, história e educação. A temática central é “Territórios regionais, inquietações históricas”. Raquel Hallak, coordenadora-geral da CineOP, explica que a abordagem foi definida com o propósito de pensar o Brasil, país de dimensões continentais, com foco nas particularidades das regiões que o compõem.

“A regionalidade é um tema que deve ser destacado sempre. Edgard Navarro está intrinsecamente ligado a essa temática. Cineasta baiano que mora na Bahia, sua filmografia é ligada ao estado e também muito contemporânea”, observa. A CineOP, ressalta, pretende tanto valorizar a produção regional quanto colocar em foco iniciativas nos campos da preservação, história e educação.

Além das sessões de cinema com entrada franca, a mostra promoverá oficinas visando à formação e capacitação para o mercado, cortejos, shows e rodas de conversa. O Encontro Nacional de Arquivos e o Encontro da Educação vão reunir profissionais do setor, preservacionistas, técnicos, pesquisadores e acadêmicos. “É uma programação intensa, com muito conteúdo, cuja proposta é diferenciada no circuito de festivais. É o único no Brasil que fala de preservação e de história, com a educação presente. Por isso a CineOp é importante instrumento de transformação, reflexão e vanguarda”, enfatiza Raquel Hallak.

PAUSA Abaixo a gravidade, que foi exibido na 12ª Mostra Cine BH, em 2018, conta a história de Bené, cuja vida é transformada quando descobre ter uma doença grave. Ele conhece a jovem Letícia e troca o isolamento na Bahia pelo caos da cidade grande.

O diretor Edgard Navarro revela que fez uma pausa em sua carreira depois do lançamento desse filme, há dois anos. “Ainda estou sentindo os efeitos da ressaca do golpe na Dilma. Aí veio o Temer, essas alianças espúrias do Lula”, comenta. “Temos de fazer mea culpa. O governo de esquerda cometeu muitos erros. Começou bem, teve um bom trabalho na área da cultura, sobretudo no audiovisual. Prêmios como os de Cannes, na semana passada, são um reflexo daquele trabalho lá trás.” Ele se refere aos longas Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, premiado pelo júri do festival francês, e A vida invisível de Eurídice Gusmão, de Karim Aïnouz, vencedor da mostra Um certo olhar.

Navarro se preocupa com o futuro. Afirma que o governo Bolsonaro “é equivocado, com visão limitada de cultura e educação”. “Tudo isso me desanimou. Quando ele foi eleito, vi-me novamente com 20 anos, pós-AI-5. Este é um momento muito complicado, um retrocesso, com uma onda de conservadorismo muito grande. Porém, como diz o Chico Buarque, apesar de você, amanhã há de ser outro dia. Os homens morrem, mas a humanidade fica.”

QUILOMBO Outra convidada de honra da CineOp é a mestra Efigênia Maria da Conceição, de 73 anos, conhecida como Mametu Muiandê e também Mãe Efigênia. Nascida no Morro da Queimada, em Ouro Preto, é a matriarca do quilombo Manzo Ngunzo Kaiango, comunidade fundada por ela há cerca de 40 anos, no Bairro Santa Efigênia, em BH.

A trajetória dessa ouro-pretana está retratada no documentário Tem quilombo na cidade: Manzo Ngunzo Kaiango, dos diretores mineiros Alexia Melo e Bruno Vasconcelos, que será exibido na sexta-feira (7). O filme traz o registro de mais dois quilombos de BH, Mangueiras e Luízes.

Mãe Efigênia não vê a hora de visitar a terra natal, de onde saiu aos 9 anos. “Estou contando os minutos. Voltei lá aos 16, para pegar minha certidão de nascimento e poder trabalhar, mas foi de passagem. O filme resgata não só a minha história, mas a da nossa comunidade quilombola, a luta, a nossa resistência”, diz.

“É uma emoção sem tamanho ver esse filme, que traz a história de uma simples lavadeira filha de cozinheira e de peão, exibido num festival de cinema na minha terra. Até porque ele tem cenas que retratam lugares que marcaram a minha vida, como a escola onde estudei. Vai ser forte, mas o coração vai aguentar, porque sou filha de Iansã”, avisa Mãe Efigênia.


14ª CINEOP

» Quarta (5)
18h – Abertura da exposição Territórios regionais, inquietações históricas. Centro de Convenções

» Quinta (6)
20h30 – Sessão de abertura. Homenagem ao diretor Edgard Navarro. Exibição dos filmes SuperOutro e Exposed. Cine Vila Rica

» Sexta (7)
Das 10h às 12h – Mesa temática “Mulheres, terras e territórios”. Com Mãe Efigênia, Célia Xakriabá (professora e ativista do movimento indígena) e Sandra Benites (coordenadora pedagógica de educação indígena). Mediadora: Clarisse Alvarenga. Centro de Convenções
19h30 – Exibição de Tem quilombo na cidade: Manzo Ngunzo Kaiango, filme de Alexia Melo e Bruno Vasconcelos. Cine Cemig na Praça
20h – Exibição de Rio da Dúvida, filme de Joel Pizzini. Cine Vila Rica

• Até dia 10, em Ouro Preto. Programação completa: www.cineop.com.br

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