Longa 'Meditation Park' mostra que a vida (re)começa aos 60

Filme que estreia nesta quinta (11) acompanha o percurso de uma imigrante chinesa no Canadá que decide dar um novo rumo para sua vida depois de se descobrir traída pelo marido

por Mariana Peixoto 11/04/2019 08:40
Para ser universal, fale de sua aldeia. É a partir desse conceito que a diretora canadense Mina Shum, de 52 anos, vem construindo sua obra. Nascida em Hong Kong e radicada em Vancouver desde 1 ano de idade – sua família fez parte da primeira onda da imigração chinesa naquele país –, ela promove um diálogo entre passado, presente e futuro em seu novo filme, a comédia dramática Meditation Park, que estreia nesta quinta (11), em Belo Horizonte.

Maria Wang (Cheng Pei-Pei) é uma imigrante chinesa da Vancouver dos dias atuais, que leva um dia como o outro ao lado do marido, Bing Wang (Tzi Ma). Ele é um contador que se adequou à vida ocidental. Ela, que emigrou jovem e recém-casada, fala inglês com alguma dificuldade. Depois de criar os dois filhos, Maria, aos 60 anos, se descobre traída pelo marido. A partir desse fato, ela começa a questionar sua vida, suas escolhas (e também as decisões tomadas à sua revelia) e busca encontrar seu próprio caminho.

Ter protagonistas femininas é algo recorrente na trajetória de Mina Shum. Com Meditation Park, ela dirige pela primeira vez uma das maiores atrizes chinesas da atualidade. Cheng Pei-Pei, hoje com 73 anos, estreou em 1966 com o filme 'O grande mestre beberrão', de King Hu, o primeiro longa-metragem de artes marciais a ter uma mulher como protagonista.

Isso ocorreu mais de uma década antes de Sigourney Weaver fazer história como Ripley, a heroína de Alien. A partir de então, Pei-Pei estrelou, além de filmes de ação, musicais, comédias e dramas, numa época em que Hong Kong era conhecida como a Hollywood do Leste. Por aqui, é mais conhecida como a vilã Jade Fox, de O tigre e o dragão (2000), de Ang Lee.

Em Meditation Park, sua Maria é de uma fragilidade apenas aparente. A partir do momento em que decide dar uma nova razão para sua vida, ela encontra apoio em outras mulheres, seja na filha Ava (Sandra Oh), seja nas amigas (também imigrantes) que conseguem uns trocados guardando espaços para estacionamento de carros.

O envelhecimento não é um assunto comum no cinema. “Quando se fala de imigrantes, as mulheres mais jovens têm, geralmente, mais acesso aos estudos do que suas mães. Isso porque, quando se muda para um novo país, a mãe é quem cuida da família e não pensa muito nela, pois tem que fazer tudo para os outros. Vejo o que é a liberdade para mim e o que ela foi para minha mãe. Com este filme, quis honrar todas as mulheres que vieram antes de mim”, afirma Mina Shum, em entrevista ao Estado de Minas.

LANÇA FILMES/DIVULGAÇÃO
As atrizes Cheng Pei-Pei e Sandra Oh interpretam mãe e filha no longa da diretora Mina Shum (foto: LANÇA FILMES/DIVULGAÇÃO)

TRAIÇÃO


Meditation Park nasceu de maneira quase caseira. “Há quatro anos, quando estava começando a pensar no filme, ouvi muitas histórias de homens que traíam suas mulheres. Eram pessoas da minha família, amigos de amigos. E a pior coisa que pode acontecer quando você não fala inglês, nunca teve emprego e não tem seu próprio dinheiro é se descobrir, de repente, traída pela pessoa que te levou para outro país”, comenta ela.

Na escolha do elenco, as trajetórias pessoais das próprias atrizes contaram pontos.

Meditation Park é o terceiro longa de Mina Shum que tem Sandra Oh (atriz canadense filha de imigrantes coreanos que estrela a série Killing Eve) no elenco. “Ela é sempre a primeira pessoa em que penso quando vou fazer um filme, por causa da semelhança de nossas histórias. Nós duas lutamos contra os mesmos obstáculos para nos tornar as mulheres que somos hoje.”

Já o nome de Pei-Pei foi sugestão de um produtor. “Fui encontrá-la em Xangai, e ela me contou sua história de quando chegou aos Estados Unidos, de como se sentiu sozinha em Los Angeles. Ela viajou com o marido e três filhos e pensou que nunca mais atuaria, que iria apenas criar as crianças.”

Por fim, há ainda a história de Lilliam Lim, que interpreta Anita, personagem que se aproxima de Maria quando ela começa a tomar conta de carros. “Fiz uma seleção com pessoas que vivem em Vancouver. Lilliam era uma cirurgiã- dentista e, ao completar 60, decidiu que queria ser atriz. Vendeu o negócio que tinha, começou a estudar atuação. Depois do meu filme, ela chegou a fazer outros. Ou seja, você pode ser alguém totalmente novo em qualquer idade.”

Nos filmes de Mina Shum, Vancouver é o cenário. Em Meditation Park, que traz diálogos em cantonês, além do inglês, ela filmou em Chinatown e arredores. “Para entender o mundo, o melhor é ser o mais específico possível, mostrar a minha comunidade. Queria mostrar partes de Vancouver, porque amo a cidade, sua diversidade. E queria também mostrar a velha Chinatown, que está morrendo, pois está em processo de gentrificação.”

Meditation Park é o primeiro filme da cineasta que chegará ao circuito comercial chinês – provavelmente em junho. “Mal posso esperar para ver a reação das chinesas na China, já que, na América do Norte, muitas mulheres e suas filhas foram afetadas pelo filme. Na China, que é tão mais tradicional, quem sabe o filme não causa uma pequena revolução?”

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