Com trama fora da lógica óbvia, 'Albatroz' estreia hoje nos cinemas

Apresentando atmosfera onírica e um protagonista em crise de percepção da realidade, longa-metragem Albatroz é 'um quebra-cabeças em que as peças cabem em mais de um lugar', segundo o diretor Daniel Augusto

por Pedro Galvão 07/03/2019 09:15
Em Albatroz, Simão Alcóbar (Alexandre Nero) é um fotógrafo especializado em registrar espetáculos teatrais. Em uma viagem a Jerusalém, ele flagra um atentado terrorista. O registro fotográfico dá a ele fama mundial, mas também o torna alvo de críticas, por não salvar a vítima esfaqueada no ataque. A partir daí, o fotógrafo mergulha numa depressão, deixa o trabalho de lado e fica incapaz de distinguir se suas percepções são realidade ou delírio. A única coisa que o anima é a ideia de fotografar um sonho. Com direção de Daniel Augusto, Albatroz estreia nesta quinta (7) nos cinemas.

Com proposta visual e narrativa ousadas, repleto de efeitos intensos e sem uma linearidade na história, o filme é definido pelo diretor como “um quebra-cabeças em que as peças cabem em mais de um lugar”. O roteiro de Bráulio Mantovani (Cidade de Deus, Tropa de Elite) coloca o personagem em um triângulo amoroso – casado com Catarina (Maria Flor), ele se envolve com Renée (Camila Morgado). Além delas, Alicia (Andréa Beltrão), uma ex-namorada dos tempos de adolescente, também faz parte da trama, que envolve ciúmes, medo e suspense, mas sem uma lógica muito óbvia.

“Há muito tempo eu queria fazer um filme que pudesse ser interpretado de mais de uma maneira. Não um filme interativo, mas uma proposta que abraça a interpretação de cada um. É uma tradução cinematográfica que pega o cinema ligado ao sonho, passa pelo Cão andaluz, do Buñuel, pelo expressionismo alemão e chega até David Lynch e Cronenberg. Em comum, há o questionamento da linguagem cinematográfica, na tentativa de fazer algo diferente”, afirma Daniel, que também dirigiu 'Não pare na pista' (2014).

A ideia começou a ganhar corpo quando o diretor e o roteirista estavam em Portugal, há alguns anos, e iniciaram as conversas, a partir de uma discussão sobre A estrada perdida, de David Lynch. Mantovani criou o roteiro original cujo resultado é uma história contada em parte pelos trechos de um romance que Alicia está escrevendo, em parte pelas percepções do protagonista, imerso numa crise de percepção da realidade.

É possível compreender, por exemplo, que Simão conheceu Catarina oferecendo a ela suas habilidades de sinestesia, por conseguir identificar cores quando ouve sons. Ela é cantora e criadora de jingles publicitários. Também fica claro que Alicia não superava o término do relacionamento com ele, bem como o adultério com Renée. Tudo isso aparece numa mistura complexa de tempos. No entanto, não fica tão evidente, por exemplo, como o fotógrafo se perturbou tanto depois do episódio de Jerusalém, mesmo que isso seja uma das chaves da história. Num segundo momento, uma estranha e misteriosa equipe de neurocientistas aparece com uma tecnologia experimental para registrar sonhos e encontra em Simão a cobaia perfeita.
aline arruda/divulgação
Alexandre Nero e Maria Flor vivem um casal em Albatroz (foto: aline arruda/divulgação)

REALIDADE Na mistura de ficção científica com thriller, o personagem tem que enfrentar perigos e lutar para salvar a própria vida e também a da esposa. Porém, não é possível nem para ele nem para quem assiste ao filme saber o que é realidade e o que é delírio. E é justamente esse o objetivo do diretor. “É um filme sobre a dificuldade de instaurar uma verdade. Em alguns momentos, a história se estabelece mais e o espectador se sente confortável, mas o filme anda em outra direção e é como se puxasse o tapete e o jogasse em outro lugar”, diz Daniel.

“Não é um filme que proporciona uma experiência fora do habitual só porque fizemos coisas muito loucas. Ele tem uma lógica racional na sua construção. Uma comparação que faço é com a música. Às vezes, temos dificuldades para traduzir em palavras uma música instrumental ou uma sinfonia, mas isso não nos impede de ter experiências muito intensas com elas. É isso que acontece em Albatroz”, afirma.

O título foi inspirado no nome de um hotel português. Na trama, Simão deve pegar um trem para ir até a (fictícia) cidade de Albatroz. “É uma palavra curta, forte, que começa com ‘a’ e termina com ‘z’, e ainda tem ‘atroz’ dentro. É ainda um pássaro muito tematizado na literatura. Tudo isso faz um conceito forte”, argumenta o diretor. Também não é possível saber em que continente Albatroz está. Com exceção de Jerusalém, não há nenhuma localidade real no filme.

“Para produzir o efeito de estranhamento que pretendemos, é necessário ter outro lugar. Sem referências, não é possível saber onde se está. Esse foi um dos grandes desafios da direção de arte”, comenta Daniel sobre o longa, que foi todo filmado no Brasil e selecionado para os festivais de Havana e Porto.

Ao longo dos 90 minutos de projeção, entram efeitos com cores e luzes, especialmente nas partes envolvendo o experimento onírico. Alguns deles bem intensos. Em uma sessão exclusiva para a imprensa no Rio de Janeiro, há algumas semanas, uma mulher passou mal, fazendo com que a produção alertasse para o fato de que o filme contém flashes que podem ser nocivos para portadores de epilepsia e outros distúrbios causados pela sensibilidade à luz.

O diretor, que se assume como “um artista plástico frustrado”, diz que, para ele, “é muito importante cuidar de cada frame e compô-lo como se fosse um quadro”. Ciente de que a trama pode soar complicada para uma boa parcela do público, ele diz: “Se eu pudesse dar uma recomendação a quem assiste ao filme, seria para que as pessoas estejam disponíveis. É uma experiência diferente da que estamos acostumados no cinema. Não que seja o primeiro filme assim, mas só quem tiver essa disponibilidade vai decifrar os segredos de Albatroz”.

No próximo dia 26, Daniel Augusto deve lançar um romance pela editora Nós chamado Nem o sol, nem a morte. Segundo ele, a temática é “bem delirante também”.

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