Mário Gomes é o convidado de hoje (11) do projeto Curta Circuito

Ator participa de bate-papo sobre o filme 'Beijo na boca', de 1982, dirigido por Paulo Sérgio Almeida, em que interpreta um psicopata

por Walter Felix 11/06/2018 08:00

Curta Circuito/Divulgação
No longa baseado em um caso real, Mário Gomes e Cláudia Ohana interpretam casal de namorados que faz um pacto para matar os ex-namorados dela (foto: Curta Circuito/Divulgação)
Galã de sucesso nas décadas de 1970 e 1980, Mário Gomes é o convidado desta segunda-feira (11) do projeto Curta Circuito, iniciativa do Cine Humberto Mauro que aborda, nesta temporada, a violência no cinema brasileiro. Ele participa de bate-papo aberto ao público sobre o filme Beijo na boca (1982), um de seus poucos trabalhos no cinema. O encontro também terá a presença da crítica Eliska Altmann.


Em Beijo na boca, o ator dá vida a um personagem que leva seu nome. Morador da Cinelândia, no Centro do Rio, Mário é um boêmio inveterado que mantém relações com travestis, traficantes e outras figuras marginais da noite carioca. Ele se apaixona por Celeste (Cláudia Ohana), que vive na zona sul da cidade com o pai militar (Milton Moraes) e a mãe dona de casa (Joana Fomm). Contrariando a família, a jovem engata um romance com o rapaz, que logo se mostra agressivo e ciumento. Juntos, eles traçam um plano diabólico: eliminar todos os ex-namorados da moça.


“A história é tão absurda que precisei levar o personagem para o lado da psicopatia. Criei um sujeito psicótico, neurótico, alucinado. Para mim, era incompreensível alguém matar os ex da atual namorada na intenção de limpar o passado dela. Só alguém inseguro e muito desorientado sexualmente pensaria uma loucura dessas. Se não tivesse acontecido de verdade, diriam que é coisa de filme”, afirma Mário Gomes. O argumento de Beijo na boca é baseado na história do casal Wanderley Gonçalves Quintão e Maria de Lourdes Leite de Oliveira, que cometeus assassinatos com a mesma motivação. O Caso Van-Lou, como ficou conhecido, mobilizou a mídia brasileira no início da década de 1970.


“Criei o personagem a partir do que via, em reportagens da época, do comportamento e da figura física do Wanderley. Percebi nele um olhar sempre fixo e um jeito paranoico”, conta Mário. Para o ator, a personagem Celeste foge ao arquétipo de femme fatale, tão recorrente no cinema nacional da época. “Na relação amorosa, quem é mais flexível acaba compactuando com as imposições daquele que é mais incisivo. Não acredito que a Celeste quisesse participar daqueles assassinatos, mas ela entendia que havia encontrado o homem de sua vida e precisava ajudá-lo naquela determinação”, observa o ator.


As inspirações deram problemas ao diretor do filme, Paulo Sérgio de Almeida. Preso, Wanderley conseguiu uma liminar que impedia a exibição do filme, poucas semanas após seu lançamento. A alegação era de que a produção depunha contra sua imagem e poderia afetar seu destino na Justiça. Naquele mesmo ano de 1982, Wanderley conseguiria liberdade condicional.


Beijo na boca teve carreira muito curta. Quando começou o melhor tipo de propaganda para um filme – que é a natural, boca a boca – e estávamos com bilheteria em ascensão, ele foi retirado de cartaz. Isso, inclusive, pode ter prejudicado a carreira do Paulo Sérgio como diretor”, supõe Mário Gomes. Após o episódio, o cineasta abandonou o cinema adulto e alcançou sucesso de público à frente de produções infantojuvenis, como Sonho de verão (1990), e filmes protagonizados por Xuxa no início dos anos 2000. Ele voltaria a dirigir dramas em 2007, com Inesquecível.

TELONAS Beijo na boca é um thriller que mistura sexo e violência – receita de sucesso no cinema nacional em sua época, ainda sob vigília da ditadura militar. Se a TV sofreu com o tom conservador da censura federal, o cinema gozava de maior liberdade. “Havia maior liberalidade porque o cinema, ao contrário da televisão, não entra na casa das pessoas. Os filmes não invadiam, nem constrangiam no ambiente de casa. Além disso, o cinema brasileiro sempre apelou para o lado sexual, o que garantia grandes bilheterias. Naquela época, todo cara queria ver a Vera Fischer nua”, conta Mário Gomes.


O ator atribui ao mercado cinematográfico inconstante o fato de ter tido poucas experiências na sétima arte. Se nas telinhas ele coleciona dezenas de trabalhos, nas telonas foram apenas sete. Em 1977, por atuar em um dos papéis centrais de Duas vidas, novela das oito da Rede Globo, Mário recusou o convite para o longa A dama do lotação (1978), com Sônia Braga, que foi grande sucesso no fim da década de 1970. Para o papel que seria seu, ele sugeriu o amigo Nuno Leal Maia.


A chance de trabalhar com o belo-horizontino Neville d’Almeida, diretor de A dama do lotação, viria pouco tempo depois, quando aceitou o convite do cineasta para integrar o elenco de Os sete gatinhos (1980). O gênio difícil, admite o ator, dificultou suas relações com os profissionais de cinema. Mário e Neville se davam bem longe das gravações, mas se desentenderam nos sets de filmagens, o que resultou na saída do primeiro da produção. “Mesmo iniciante, eu já era muito compenetrado e exigente. Passei um bom tempo estudando o personagem e, na hora das gravações, não concordava com o enquadramento, o posicionamento de câmera e a própria forma como ele me dirigia”, lembra Mário.

 

TV Globo/Divulgação
Mário Gomes participou em março da novela 'Tempo de amar', na Globo (foto: TV Globo/Divulgação)
TELINHAS Na TV, as dificuldades não eram menores, mas Mário Gomes fala com orgulho de seu trabalho nas novelas Jogo da vida (1981), Guerra dos sexos (1983) e Vereda tropical (1984), todas exibidas no horário das 19h da Globo, em que consolidou sua imagem de galã de comédias românticas. Segundo o ator, tais produções revolucionaram a linguagem televisiva, com uma qualidade de humor que nunca se repetiu. “Não gosto de fazer mais do mesmo e o povo quer que você faça aquilo que você sempre fez. Quando terminei Vereda tropical, entendi que aquele ciclo havia se encerrado e eu deveria seguir outros caminhos.”


Mário também não se furta em falar do seu afastamento da emissora, motivado por perseguições pessoais e desafetos na diretoria. “Quando voltei (na década de 1990), já não tinha a mesma intuição de antes. Fui tão massacrado emocionalmente que havia perdido muito, no sentido físico e também na minha sensibilidade”, revela.


Apesar da pequena participação na recente Tempo de amar, finalizada em março, o veterano afirma que não está nos seus planos voltar às novelas. “Por mais que a Globo permita, não me vejo voltando. Na ocasião, disse que era meu sonho estar ali – não me arrependo, mas não precisava falar aquilo. Esse meu retorno foi uma coisa muito isolada. Foi um convite do (diretor) Jayme Monjardim, que não tem uma relação tão submissa, nem se preocupa tanto com as orientações da empresa”, diz.


“É bom que eu apareça, assim não fica mal para a imagem da Globo. O público pergunta ‘cadê o Mário Gomes?’ e, quando me colocam no ar, eles pensam: ‘a Globo é boa gente’”, brinca o ator. “A novela precisava de um ‘sacode’ e sabiam que a minha presença chamaria a atenção, daria um bom retorno”, completa.

NOVAS TELAS No ano passado, Mário Gomes surpreendeu ao ser clicado vendendo sanduíches em uma praia do Rio de Janeiro. O negócio, estável e lucrativo, não o impede de tocar projetos na área artística. Longe da TV, do cinema e do teatro, o ator de 65 anos está aberto às novas plataformas. Em breve, pretende estrear no YouTube com o canal Só os Gomes. Nos vídeos, ele aparecerá ao lado dos filhos, que herdaram sua veia artística: Linda, de 25 anos, João, de 12, e Catarina, de 9. Todos dirigidos por Talita, de 22, que é formada em cinema.


O conteúdo será musical, com esquetes de aproximadamente três minutos. A produção, caseira e despretensiosa, vai recorrer a elementos do hip-hop para abordar as tragicomédias do dia a dia. “Serão crônicas da vida brasileira. Sátiras de um país em que ordem e progresso estão só na bandeira.”

 

CURTA-CIRCUITO
Exibição de Beijo na boca (1982), de Paulo Sérgio Almeida, seguida de bate-papo com o ator Mário Gomes e a crítica Eliska Altmann. Hoje, às 20h, no Cine Humberto Mauro do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3226-9625). Entrada franca, com retirada de ingressos a partir das 19h30.

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