Saiba mais sobre A forma da água, líder de indicações ao Oscar que estreia hoje em BH

Filme de Guillermo del Toro usa elementos fantásticos para discutir preconceito e resistência por meio do romance de uma moça surda com uma criatura anfíbia

por Pedro Antunes/Estadão Conteúdo Mariana Peixoto 01/02/2018 08:00

Fox Searchlight/Divulgação
Fox Searchlight/Divulgação (foto: Fox Searchlight/Divulgação)
Todo dia ela faz tudo sempre igual. Cozinha ovos, lustra os sapatos e se masturba na banheira. Só sai de casa para trabalhar depois de deixar o café da manhã para seu vizinho e melhor amigo, no apartamento que fica em cima de uma sala de cinema que ninguém frequenta.

 

Confira os horários e locais de exibição de A forma de água em BH, Contagem e Betim

 

Assim é Elisa (Sally Hawkins), a protagonista de A forma da água. O filme do mexicano Guillermo del Toro estreia nesta quinta (1º) no Brasil, depois de receber 13 indicações ao Oscar – e uma recente acusação de plágio. É um conto de fadas torto, um filme de gênero que mistura romance, musical e fantasia.

Mas, acima de tudo, é uma história sobre preconceito e opressão. Nada mais certeiro para os dias atuais, ainda que a narrativa se passe no longínquo 1962.

Faxineira muda de um laboratório secreto do governo americano na tediosa Baltimore, Elisa sai ainda à noite para trabalhar. Suas únicas companhias são o vizinho gay Giles (Richard Jenkins) e a colega de trabalho negra Zelda (Octavia Spencer), que fala sem parar, compensando o mutismo de Elisa.

Os dias estão prestes a mudar com a chegada de uma estranha criatura aquática ao laboratório. Elisa, rapidamente, se afeiçoa ao monstro marinho (Doug Jones), considerado um rei em seu hábitat, a Amazônia. Um ovo cozido é o responsável por unir o improvável casal, que se comunica por meio de gestos. Logo, logo eles vão ter em seu encalço o cruel chefe de segurança (Michael Shannon).

A partir desse enredo clássico – casal oprimido por um vilão cruel – Del Toro faz sua mágica. Cria um monstro impressionante – muito superior ao do prestigioso O labirinto do fauno (2006), vencedor de três Oscars. O cenário também enche os olhos. A água, que representa o universo de Elisa e da criatura anfíbia, se faz presente na chuva constante, nos banhos de banheira, no cozimento dos ovos. O clima onírico é completado pela música, que remete a outros tempos – há inclusive uma cena na TV com Carmen Miranda interpretando Chica Chica boom chic.

Mas a hora não é só de encantar a plateia. É preciso também tentar politizá-la. A forma da água é ambientado durante a Guerra Fria, a corrida espacial e o movimento pelos direitos civis. As mulheres devem se submeter aos homens, os negros são cidadãos de segunda classe, os gays devem ser rechaçados. Em cenas curtas, Del Toro explicita tais questões. Sua protagonista, a despeito das dificuldades, nunca se submete.

O deslumbramento visual e o enredo universal, no entanto, encontram uma barreira. Os caminhos que a narrativa vai tomar são um tanto previsíveis, o que tira um pouco do impacto emocional que o diretor ambicionou  criar.

PLÁGIO Del Toro poderá enfrentar um grande percalço até o Oscar, em 4 de março. Reportagem do jornal britânico The Guardian publicada na semana passada lançou luzes para algo que vinha sendo discutido ainda timidamente.

David Zindel, filho do dramaturgo americano Paul Zindel (1936-2003), afirma que Del Toro teria se baseado em uma peça de seu pai, Let me hear you whisper (Deixe-me ouvi-lo sussurrar, em tradução livre) para fazer seu  filme. Na história de Zindel, datada de 1969, a zeladora de um laboratório se aproxima de um golfinho que havia sido capturado e tenta ajudá-lo a ganhar a liberdade.

Em entrevistas para a divulgação do filme, e no próprio material enviado à imprensa, Del Toro afirmou que o enredo de A forma da água nasceu de uma conversa que ele teve em 2011 com o escritor Daniel Kraus, seu parceiro em outros projetos, durante um café da manhã. Kraus, segundo o relato, teve, ainda adolescente, a ideia de criar uma história sobre uma faxineira que trabalhava para o governo e se aproximava de um homem anfíbio.

Del Toro e Kraus transformaram a história num romance, homônimo ao filme, que será lançado no Brasil no dia 27 pela editora Intrínseca. Para o cinema, A forma da água teve roteiro desenvolvido pelo cineasta em parceria com Vanessa Taylor. Uma das 13 indicações do longa ao Oscar é justamente a de roteiro original.

“Estamos chocados que um grande estúdio possa fazer um filme tão obviamente derivado do trabalho de meu pai sem que ninguém o reconheça e venha até nós pelos direitos”, afirmou David Zindel. Em resposta, o estúdio Fox Searchlight declarou que “Guillermo del Toro nunca leu nem viu a peça do Sr. Zindel de qualquer forma. Se a família Zindel tiver dúvidas sobre este trabalho original, a receberemos para uma conversa”. Até agora, não houve desdobramentos públicos dessa história.

 

Confira o trailer:

 

 

Longa tem 13 indicações ao Oscar, mas levou poucos prêmios até agora
A campanha do 90º Oscar será 15 dias mais longa neste ano por causa dos Jogos Olímpicos de Inverno, na Coreia do Sul, neste mês. Por medo de perder audiência para o esporte, a cerimônia foi adiada para março.

Diante disso, a votação dos membros da Academia de Hollywood será de 20 a 27 de fevereiro, quando todos os outros prêmios do cinema já terão sido realizados. Nesta semana, haverá duas cerimônias relevantes da indústria: Annie Awards (de animação) e Directors Guild of America (DGA), do Sindicato dos Diretores. Ambos serão neste sábado. Já no dia 18, será a vez do Bafta, o chamado Oscar britânico.

Os críticos britânicos, por sinal, deram nesta semana seus prêmios mais importantes a Três anúncios para um crime, do inglês Martin McDonagh. O drama recebeu três troféus, inclusive o de filme do ano, do London Critics’ Awards. Indicado a sete Oscars, o filme repetiu o resultado do Globo do Ouro, o prêmio da Associação de Correspondentes Estrangeiros em Hollywood, de quando saiu com quatro troféus, e do Screen Actors Guild (SAG, do Sindicato dos Atores), no qual foi três vezes premiado.

O prêmio da crítica britânica, que não tem o mesmo peso do Globo de Ouro, diferiu da decisão do Globo de Ouro ao preterir Gary Oldman (O destino de uma nação) em favor de Timothée Chalamet (Me chame pelo seu nome) na categoria melhor ator.

De olho no Oscar, Chalamet foi um dos primeiros a empunhar uma bandeira contra Woody Allen. Afirmou que doaria o cachê de Rainy day in New York, filme inédito do diretor, no qual atua, para o Time’s Up, iniciativa de combate ao assédio lançada por mulheres de Hollywood. Chalamet evitou criticar Allen publicamente, dizendo estar proibido por contrato de falar sobre Allen, mas um site americano obteve cópia do documento e provou que a informação não procede.

Diversos atores estão se afastando de Allen, acusado pela filha adotiva Dylan Farrow de ter abusado sexualmente dela em 1992, quando ela tinha 7 anos. O cineasta nega a acusação, e uma investigação à época concluiu que não havia evidências do crime. Depois da queda de Harvey Weinstein em Hollywood, por ter sido acusado de assédio e abuso sexual por 90 mulheres, Dylan cobrou que seu pai também fosse banido da indústria, reiterando a acusação.

Oldman, até agora o mais cotado a melhor ator, venceu, além do Globo de Ouro, o prêmio do SAG por sua interpretação de Winston Churchill no filme de Joe Wright, indicado a seis Oscars.

Filme que recebeu o maior número de indicações no Globo de Ouro (sete), no Bafta (12), além das 13 já citadas ao Oscar, A forma da água, vencedor do Festival de Veneza em 2016, ainda não ganhou um número de troféus relevante num só prêmio da indústria americana. Foram dois no Globo de Ouro e nenhum no SAG. Mas a estrela de Del Toro anda brilhando. Ele já levou o prêmio de direção no Globo de Ouro e é favorito no prêmio do Sindicato dos Diretores.

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