Depois de 30 anos na TV, Luiz Fernando Carvalho se prepara para rodar dois longas

Objetos perdidos tem roteiro original escrito pelo próprio diretor, enquanto A paixão segundo GH é adaptação da obra de Clarice Lispector

por Estadão Conteúdo 10/12/2017 08:00


Amanda Perobelli/AE
(foto: Amanda Perobelli/AE )
O diretor Luiz Fernando Carvalho, finalmente, se sente livre para criar, experimentar e, enfim, trabalhar à sua maneira, valorizando o processo e dedicando o tempo necessário para chegar ao resultado. Depois de 30 anos trabalhando na televisão, Carvalho considera a nova fase uma libertação e se prepara para rodar dois longas seguidamente. Para tal, instalou-se em um galpão, no bairro da Vila Leopoldina, em São Paulo, onde desenvolve o processo de criação com os atores para os dois filmes. “É um lugar de identificação de talentos e de miscigenação dos atores, que vêm de todas as partes do país para um trabalho de corpo e voz”, conta Carvalho sobre o enorme espaço que antes abrigava uma fábrica.

É lá onde já são realizadas as leituras e os primeiros ensaios dos longas Objetos perdidos, com roteiro original de Carvalho, e A paixão segundo GH, adaptação da obra de Clarice Lispector. As filmagens devem começar em março do próximo ano. No espaço, mantido pela Academia de Filmes, o diretor lê cuidadosamente o texto de Clarice com o grupo (“Não teremos roteiro, as cenas serão decididas a partir do livro”) e também o de Objetos Perdidos, que foi construído com a participação do escritor João Paulo Cuenca.

Trata-se de um processo que marca profundamente o ato criativo de Carvalho, processo que ele começou a desenvolver ao rodar seu primeiro longa, Lavoura arcaica, em 2001. Naquela época, ele reuniu elenco e equipe técnica em uma fazenda que serviria de locação. Lá, durante semanas, estimulou uma rotina de imersão, permitindo que o elenco descobrisse o ambiente da história, trabalhando na terra, preparando as refeições. Com isso, conquistou uma rara verdade nas interpretações.

Em seus trabalhos seguintes, Carvalho sempre manteve idêntico processo, até mesmo quando a Globo o convidou para criar esse espaço dentro do Projac. Foi ali que ele descobriu que o artesanato é mais importante que o produto industrial. “Esse novo galpão é um espaço de resistência, de reflexão, onde assumo a formação de atores.” E lá onde nascem os futuros filmes.

FLUXO Para Carvalho, A paixão segundo GH se parece como uma versão feminina de Lavoura arcaica. “Ambos apresentam um fluxo de consciência e, diante da câmera, é preciso que se produza um acontecimento”, diz ele, que vai rodar em um apartamento de São Paulo. Assim como Objetos perdidos, A paixão deve estrear em 2020 – e juntos. “São dois filmes diferentes na forma, mas que se entrecruzam”, conta Carvalho. “Em Objetos, há uma mulher que planeja filmar o romance de Clarice.”

Será um longa sobre o cinema e seu ofício baseado na imaginação. A ideia já conta com o apoio da Paris Filmes, produtora dos trabalhos, que já tem um belo elenco, como Maria Fernanda Cândido, a modelo Marcela Vivian Russo e o bailarino Ismael Ivo, que encantou o diretor. “Quando veio conhecer o galpão, ele tomou posse de uma máscara confeccionada aqui e interagiu com os atores. Uma entrega maravilhosa.”

 

Quando editava a série Dois irmãos, Luiz Fernando Carvalho comentava com os colegas: “Esse trabalho será o meu réquiem”. Diretor de Hoje é dia de Maria e tantos outros trabalhos, sua insatisfação com a Globo (e vice-versa) atingira o limite. “A emissora estava equivocada por não entender o valor de um processo”, diz ele, que não aceitava mais a forma gerencial que regia seu centro de trabalho, construído dentro do Projac. “Eu era obrigado a atender aos interesses de diversos departamentos, mesmo que isso contrariasse a forma como eu queria trabalhar”, reclama Carvalho, lembrando de um desentendimento: em Meu pedacinho de chão, ele queria que a cidade fosse construída de lata, enquanto o departamento cenográfico insistia em madeira.

HIERARQUIA No galpão que hoje ocupa, aliado à Academia de Cinema, Carvalho exercita sua criação da forma que considera correta: horizontalmente e não com hierarquias. “Aqui, o processo é colaborativo e executado por atores e não atores de diversas partes do País, diferentes credos e raças. Aqui, pensamos o Brasil como um território multicultural, que conta tanto com refugiados como paulistanos. Por isso, não há ninguém que não possa aprender algo com alguém.”

Livre do desamparo que sentia na televisão, Carvalho alterna, na semana, os ensaios para os dois longas, que serão rodados no próximo ano e finalizados em 2019. “Encontrei, na Paris Filmes e na Academia de Cinema, a independência artística para trabalhar no meu tempo, sem a obrigação de ter o longa pronto para determinado festival.”  

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