Filmes viram ponto de partida para discussão de temas diversos em BH

Capital mineira tem ao menos duas dezenas de locais em que a sétima arte é mediadora e, ao mesmo tempo, centelha de reflexões coletivas, com um misto de entretenimento e 'papo cabeça'

por Cecília Emiliana 21/05/2017 08:56
Maure/Divulgação
(foto: Maure/Divulgação)

Que motivos levam você ao cinema para assistir a uma comédia romântica? Provavelmente não a intenção de ver na trama aspectos do budismo. Pois praticantes do Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB) de Belo Horizonte, recorrem a produções açucaradas como ponto de partida para discussões que certamente não se esgotam numa só vida terrena. O local tem entre suas atividades uma espécie de cineclube: o Dharma com Pipoca. Mensalmente, interessados se reúnem para uma sessão seguida de debate sobre temas pertinentes ao budismo e suas práticas.

“Passamos filmes de todos os estilos que, de alguma maneira, abordam o cotidiano. Um deles foi Questão de tempo (de Richard Curtis, com Domhnall Gleeson e Rachel McAdams), uma comédia romântica cujo protagonista é um homem capaz de viajar no tempo e que o faz, a princípio, para mudar situações de seu passado que o impediram de conquistar uma namorada. O longa foi um gancho usado para discutir posteriormente temas como a necessidade de adquirirmos distância dos acontecimentos que nos atravessam, de forma a conseguirmos encará-los sem impulsividade. E como a meditação é uma técnica poderosa nesse sentido”, explica Tatiana Castro, uma das organizadoras das sessões.

Como o CEBB, Belo Horizonte tem pelo menos mais duas dezenas de locais em que a sétima arte é mediadora e, ao mesmo tempo, centelha de reflexões coletivas diversas. Misto de entretenimento e “papo cabeça”, o funcionamento desses projetos segue praticamente na mesma simplicidade de quando surgiram, nos anos 1920: filme na tela, espectadores reunidos sob tema ou interesse comum e um convidado – que pode ser de cineasta a engenheiro – para alinhavar o diálogo pretendido. Os produtos desses encontros, no entanto, seguem agradando e surpreendendo aqueles que os frequentam, geração após geração.

Que o digam os habitués do Medcine, cineclube mantido pela Faculdade de Medicina da UFMG. Uma vez por mês, o Núcleo de Apoio Psicológico aos Estudantes (NAPEM) – departamento da escola que mantém o programa – abre suas portas à comunidade para sessões de filme com prosa. O entrosamento dos acadêmicos com pessoas de outras áreas do conhecimento, universos e interesses é uma das principais riquezas do projeto de extensão, segundo Maria Mônica Freitas Ribeiro, professora que o coordena.

“Não rodamos filmes médicos, mas que abordam questões relacionadas à humanidade, como envelhecimento, preconceitos, relação médico-paciente e muitas outras. Os títulos escolhidos vão desde Clube de compras Dallas (Jean-Marc Vallée), a documentários sobre Guimarães Rosa. As conversas geradas são sempre muito boas. Ano passado, por exemplo, uma das mais marcantes ocorreu quando exibimos Elena (Petra Costa). Chamamos para o debate um professor da psiquiatria, que trocou ideias com o público sobre suicídio. Essa perspectiva transversal de tratar um mesmo assunto é sempre muito rica”, afirma Maria Mônica.

No Cine Humberto Mauro a temática Cinema e Psicanálise é resultado de uma parceria da Fundação Clóvis Salgado com a Escola Brasileira de Psicanálise. Contemporâneas em seu nascimento, a ciência de Freud e a invenção dos irmãos Luimière têm certamente muitos pontos de interseção, pontua Philipe Ratton, coordenador de atividades permanentes do Humberto Mauro. “O cinema é uma espécie de sonho coletivo, cheio de imagens e mensagens que ficam impregnadas no psiquismo do espectador. A psicanálise e o cinema trabalham, cada um a seu modo, a construção de narrativas de ficção fundadas na realidade. É sob essa ótica que fazemos a curadoria dos filmes, junto com a Escola de Psicanálise, e escalamos os especialistas para os debates”, diz ele.

EXERCITANDO O FRANCÊS
Tradicional reduto de cinéfilos, críticos e cineastas, o Cine Humberto Mauro mantém outros quatro cineclubes temáticos. Entre eles, o Cine Francófano, dedicado a produções de diferentes estilos e estéticas, cujo denominador comum é a língua francesa. Realizadas sempre no último sábado do mês, as sessões têm atraído muitos estudantes do idioma. “O cineclube é, em primeiro lugar, uma oportunidade de contato com o francês em ambiente não simulado, ou seja, falado por nativos. Além disso, permite uma imersão na cultura dos países francófanos, sobretudo por meio dos debates com os autores e diretores convidados. Isso é muito rico do ponto de vista de vista linguístico, pois possibilita uma interação com a cultura em que a língua está contextualizada e que portanto interfere diretamente no uso que se faz dela”, diz Ana Luiza Lisboa, coordenadora pedagógica da Aliança Francesa.

O assunto mais frequente na cultura cineclubista de Belo Horizonte, por óbvio, é a própria sétima arte. Uma das iniciativas desse nicho é o Curta-Circuito, mais um dos projetos abrigados no Cine Humberto Mauro. Duas salas abertas em Araçuaí e Montes Claros, no Norte de Minas, ramificam as atividades do programa pelo interior. O foco da iniciativa da Associação Curta Minas são os filmes nacionais de todas as metragens. Os frequentadores do Curta-Circuito já tiveram a oportunidade de dialogar com donos de longas e consolidadas carreiras no cinema, caso do ator Othon Bastos, e com autores de lançamentos recentes, como o cineasta pernambucano Marcelo Gomes, que estreou Joaquim em abril.

“Ao longo desses anos todos, percebemos que o projeto é de uma riqueza que não se mede. Uma das coisas mais interessantes é a construção identitária que ele viabiliza. São brasileiros em contato com sua própria cultura. O cinema descobrindo o Brasil e vice-versa”, afirma Cláudio Constantino, produtor-executivo da mostra, cujos frutos incluem ainda cadernos de críticas bimensais, publicados desde 2013.

Cinéfila, amante de filmes independentes, a estudante de jornalismo Larissa Braga, de 23 anos, elege a descoberta da própria cidade como uma das experiências mais relevantes que viveu nos cineclubes. Sobretudo no Cinefronteira, que ela conduz junto com os colegas na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. “A gente apresentou lá A vizinhança do tigre (2014), de Affonso Uchoa, um cineasta de Contagem. As filmagens ocorreram em bairros periféricos da capital. Conversar com ele e descobrir o quanto da história do diretor tinha a ver com a produção, ver BH na tela foi bem legal”, conta.

ENTRE PARA O CLUBE
Confira exemplos de locais que promovem, gratuitamente, discussões cinematográficas em BH

» DHARMA COM PIPOCA
 Centro de Estudos Budistas Bodisatva de BH (Rua Benvinda de Carvalho, 239, Sala 502, Santo Antônio)
Informações: (31) 3481-8121, www.cebb.org.br/centros/mg/bh/

» MEDCINE
Faculdade de Medicina da UFMG (Av. Alfredo Balena, 190)
Informações: (31) 3409-9696, site.medicina.ufmg.br/napem

» MOSTRA CINEMA E PSICANÁLISE, CINE FRANCÓFANO e CURTA-CIRTUITO

Cine Humberto Mauro (Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena, 1.537)
Informações: (31) 3236-7400, fcs.mg.gov.br

» CINEFRONTEIRA

Faculdade de Filosofia e Ciências Humandas da UFMG (Av. Pres. Antônio Carlos, 6.627, Pampulha)
Informações: (31) 99370-1536, www.cinefronteira.com

» CINE 104

Praça Rui Barbosa, 104 - Centro
 Informações: (31) 3222-6457, www.centoequatro.org/cine-104

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