Diretor de 'Fragmentado' acerta ao criar thriller psicológico sobre homem atormentado

Cineasta apostando em filmes de baixo orçamento, em que tem total controle da produção

por Mariana Peixoto 23/03/2017 07:00
Universal Pictures/Divulgação
(foto: Universal Pictures/Divulgação)
São Paulo –
Com o final algo sensacional de O sexto sentido (1999), M. Night Shyamalan deixou sua marca. Suas produções, desde então, independentemente de quais fossem, teriam uma virada. Indicado ao Oscar aos 28 anos, apontado como o novo Steven Spielberg, o indiano naturalizado americano viveu o céu e o inferno nos últimos 18 anos. Após o estrondoso fracasso com Depois da Terra (2013), com Will Smith – custou US$ 130 milhões e fez de bilheteria menos da metade –, estava desacreditado em Hollywood. Muitos o julgaram acabado.

Fragmentado, que estreia hoje em 600 cinemas brasileiros, é a virada pessoal de Shyamalan. Com orçamento pífio para os padrões gringos (US$ 9 milhões), o longa-metragem já amealhou US$ 257 milhões mundo afora.

Não é um caso isolado. Sabedor, como poucos, dos meandros da indústria cinematográfica, Shyamalan vem ensaiando este retorno na calada. E à sua própria maneira. Dois anos atrás, hipotecou sua casa (ele vive na Filadélfia desde a infância) e fez um filme às escondidas. A visita (2015) conta a história de dois irmãos que vão visitar os avós que nunca conheceram e descobrem que coisas muito estranhas ocorrem no local. Custou US$ 5 milhões, lucrou quase US$ 100 milhões.

Ao entender que estava no caminho certo, foi atrás de um personagem concebido há quase 20 anos e que não tinha saído do papel. Não, não há pessoas mortas em Fragmentado. Mas há muitas. Personalidades, na verdade. Vinte e quatro é o número de personalidades que Kevin Wendell Crumb – James McAvoy, no grande papel de sua carreira – desenvolveu.

Portador do chamado transtorno dissociativo de imagem, há alguns anos ele é paciente da psiquiatra Karen Fletcher (Betty Buckley). Ela acompanha o caso com cuidado, mas começa a perceber que uma personalidade está dominando as outras.

Logo no início da narrativa, assistimos a três adolescentes serem sequestradas. Vão parar num quarto, onde são confinadas ao gosto de uma dessas personalidades: Patricia. E Hedwig. E, principalmente, Dennis.

Como todo filme de Shyamalan, é melhor falar pouco para não estragar a história. O que dá para dizer é que o filme mistura gêneros: há um pouco de terror, outro tanto de thriller psicológico. E o suspense vai num crescendo.

Ao contrário do que sua obra sugere, Shyamalan, hoje com 46 anos, é um cara aberto. Fala muito (e rápido), como demonstrou em encontro com a imprensa nesta semana. Em entrevista, deixou bem claro que o sucesso atual não veio ao acaso. Houve um encaminhamento para tal. Fragmentado é o segundo longa de uma trilogia iniciada com Corpo fechado (2000). Shyamalan escreve agora o último filme, Labor of love, outra produção de baixo orçamento.

Segredo

Assim como A visita, Fragmentado foi filmado sem nenhum alarde. Uma vez com o filme pronto, o diretor o lançou sem divulgação. Em setembro, no Fantastic Fest (maior festival de filmes de gênero dos EUA), em Austin, Texas, o longa teve uma exibição secreta. O público comprou ingresso para um filme de um diretor que ninguém sabia qual era. Dependendo da reação das 500 pessoas daquela primeira exibição, o filme poderia ser um sucesso ou um novo fracasso. “No final, a reação na sala do cinema foi como um orgasmo coletivo”, contou Shyamalan.

Isso porque há, claro, um final surpreendente. O que chama a atenção é que, na era da internet, onde os spoilers são grandes estraga-prazeres, ninguém falou sobre ele. “Está havendo uma boa vontade coletiva, para que todos tenham a mesma experiência”, acrescentou o diretor.

. A repórter viajou a convite da Universal Pictures




Quatro perguntas para...

M. Night Shyamalan
cineasta

Já que você criou o personagem de James McAvoy há 17 anos, por que Fragmentado demorou tanto para sair?

Na época, a plateia não estava pronta, pelo menos as massas. A produção dos anos 1990 tinha um estilo mais sentimental, positivo. Aí houve uma grande mudança no cinema. Contadores de histórias como (David) Fincher, (Darren) Aronofsky, que são darks, começaram a se comunicar com o público. Pensar que Fragmentado é um dos meus maiores sucessos, onde garotas são canibalizadas... Não poderia ter feito isto antes. Quem são os heróis de hoje? Tony Spark, Jack Sparrow. Um é mulherengo, outro alcoólatra. Hoje, o mundo é um lugar estranho, sombrio, onde se pode falar dessas coisas.

Fragmentado custou US$ 9 milhões; A visita (2015), US$ 5 milhões; Depois da Terra (2013), US$ 130 milhões. Diante da repercussão de seus dois filmes mais recentes, acredita que o ideal seja trabalhar com baixos orçamentos?

Por ora, trabalhar com baixo orçamento é o ideal. Isso me permite fazer no set coisas que não seriam usuais, caso estivesse fazendo um filme de estúdio. Por exemplo: quando faço o cronograma de uma produção, se tenho 30 dias de filmagem posso guardar três ou quatro para filmar depois. Ou seja: filmamos tudo e depois de três semanas todo mundo tem que voltar para o set. Têm que me esperar editar (o material já filmado) e voltar sem saber o que vou querer. Não é algo comum. Hoje, quando filmo uma cena, posso resolver filmar tudo de novo no dia seguinte, já que posso ter novas ideias. E não tenho que perguntar para ninguém se acha que devo fazê-la. Se estivesse filmando com o dinheiro dos outros, teria que perguntar a quem está dando o dinheiro. Só que, neste caso, o dinheiro é meu. Então, se quiser gastar alguns milhares de dólares para refilmar uma cena três vezes, nós vamos fazer. Não tenho mais que fazer certo da primeira vez, posso aprender com meus erros e ninguém precisa saber disto. Trabalhar num parâmetro menor é muito positivo. A possibilidade de você ser bem-sucedido aumenta, já que seu risco é menor. Ou seja: tome cuidado com quanto dinheiro você pega (dos outros), pois isso poderá afetar seu trabalho. Agora, se um dia me oferecerem um projeto de grande orçamento que faça sentido, vou aceitar.

Como você lida com a crítica hoje em dia?

Hoje, estou muito mais em paz com ela. E compreendo que não há como comparar um filme com o outro. Se você falar de filmes como Invocação do mal 2 e A lista de Schindler, não há como colocá-los no mesmo barco. Ao falar de Schindler, você vai entender que existe toda a herança judaica de Steven Spielberg. Já sabe mais ou menos o que esperar disso. Agora, quando pega um filme que mistura A lista de Schindler com Invocação do mal 2, como você vai julgar? É esquisito. Quando faço um thriller psicológico, a métrica é clara. Mas, quando faço um filme que mistura gêneros, isso soa estranho. E a verdade é que, se diretor, produtores, marketing, atores e público tivessem a mesma expectativa, seria muito fácil. Mas não adianta achar que vou servir Coca-Cola sempre. Às vezes, estou querendo servir um chá.

Você escreve as histórias que filma. O que é mais complicado nesse processo?

Gosto muito de cada uma das etapas. Estou começando o processo de escrever. Então, são seis meses sozinho, num quarto, lendo, escrevendo e sem falar com os outros. Estar sozinho é minha coisa preferida. Ao fim desse período estou cansado, pronto para sair do quarto e filmar. Aí me torno o general de centenas de pessoas. Terminado esse, volto ao processo solitário. Eu e mais alguém por seis, oito meses, editando o filme. Quando isso acaba, estou pronto para falar com as pessoas. São bonitos esses ciclos.

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