Leia entrevista com o polêmico cineasta Cláudio Assis

Diretor de 'Big Jato' venceu pela terceira vez o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

por José Carlos Vieira 28/09/2015 11:56

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Divulgação/TV Brasil
(foto: Divulgação/TV Brasil )
Cláudio Assis é mesmo um pé de vento que levanta sentimentos antagônicos por onde passa... Mas como este diretor pernambucano ajuda a refrigerar o cinema brasileiro... Em entrevista um dia antes de saber que venceria (pela terceira vez) o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro com 'Big Jato', o diretor chegou às lágrimas ao comentar o linchamento que vem sofrendo nas redes sociais, depois de proferir palavras machistas e infelizes sobre o filme 'Que horas ela volta?' e sua diretora, Anna Muylaert. Deixando as vaias de lado — sem se esquecer, porém, de que a sociedade não suporta mais nenhum tipo de preconceito — Cláudio Assis se emocionou ao saber que na redação do Correio, onde concedeu esta entrevista, Glauber Rocha havia trabalhado. “Por favor, coloque na página os versos cantados por Sérgio Ricardo sobre Corisco (Othon Bastos) em Deus e o diabo na Terra do Sol, “é minha resposta para aqueles que estão me atacando.”


— Se entrega, Corisco!
— Eu não me entrego, não!
Eu só me entrego na morte
De parabelo na mão!

Como e quando você descobriu o cinema?
Quando era criança, em Caruaru, tinha um cinema que levava o nome da cidade, todo dia ia assistir aos filmes e aproveitava para colecionar fotogramas que o maquinista vendia pra gente ou trocava por gibis. Aí, fiz amizade com o lanterninha, que também era cabo da polícia, o cabo Rodrigues. E, em troca de livros didáticos já usados por meus irmãos, ele deixava eu entrar no Cine Caruaru de graça. Não tinha esse negócio de idade, de censura... Assistia a qualquer filme. Quando a luz se apagava, eu entrava escondido. Via de tudo.

E depois...
Um pouco mais velho, fui fazer teatro. Em seguida, eu e uns amigos criamos um cineclube, o Lumier. Só passávamos filmes de arte, Fellini, Bergman..., todos os sábados bem cedo, a partir das 10h, no Cine Caruaru. As sessões eram lotadas, os debates acalorados... O sucesso foi tanto que a gente perdeu a sala do Cine Caruaru — dava mais público que as sessões comerciais. Fiquei um pouco desgostoso da cidade e decidi partir para o Recife no fim dos anos 1970. No Recife, ajudei a criar inúmeros cineclubes, cheguei a ser candidato à vice-presidência do Conselho Nacional de Cineclubes, naquela época em que todos os movimentos de esquerda, como a Libelu, estavam envolvidos no cineclubismo. Um movimento de resistência pura. Nessa eleição, eu e meu amigo Enoque saímos do Recife até o Rio Grande Sul, onde ocorreria o pleito, de carona... (risos) Imagine a saga.

Mas quando você partiu para fazer cinema?
Estudava economia na federal de Pernambuco, mas decidi que não ia fazer nada que não fosse cinema. Cismei! Posso morrer de fome, mas vou viver de cinema. Foi aí que fiz o 'Padre Henrique — Um crime político' (1989). Tentaram matar dom Helder Câmara, não coseguiram, mas mataram o padre Henrique e deixaram paraplégico Cândido Pinto, que era presidente da UNE-PE.

Qual foi o primeiro filme que te marcou?
Quando assistia àqueles filmes de arte, como os de Pasolini, os filmes russos... Ainda em Caruaru, dizia pra mim: “Nunca vou conseguir fazer um filme desses” (risos). Todos eles me influenciaram e influenciam de alguma forma. Mas não sei copiá-los ou citá-los em minha obra, como tão bem fez Brian de Palma nos trabalhos dele.

Pernambuco agora é um polo cinematrográfico, a que se deve a isso?
Para falar do cinema brasileiro, tem de falar de Pernambuco. Essa história vem lá do cinema mudo, desde 'A filha do advogado' (1926, de J. Soares). Nos anos 1970, surge o ciclo do Super 8, com Geneton Moraes, Fernando Spencer, Amin Steple — Estou fazendo um roteiro com Amin agora... Chama-se 'Gigante pela própria natureza'. É um filme só com anões. A história desse filme tem como mote o seguinte: “A vida, meu bem, não tem direção de arte”. Um recado para quem me chama de preconceituoso, homofóbico... (Cláudio se emociona, contém as lágrimas e volta à entrevista). Numa cidade só de anões, chega um grupo americano com uma farinha transgênica que pode fazer com que os anões cresçam. Mas eles se revoltam, não querem crescer, querem ver o mundo como sempre viam. É um recado claro: respeitem como eu sou.

Voltando para Pernambuco...
No grande momento dos curtas-metragens, nos anos 1990, voltamos a agitar a cena nacional... Eu, Lírio Ferreira, Paulo Caldas, Adelina Pontual... Cobrávamos uma continuidade de investimentos para o cinema pernambucano, chega de ciclos! Foi daí que começaram as políticas públicas voltadas ao cinema, com a criação do Funcultura. Por isso, Pernambuco tem uma diversidade muito grande de linguagens cinematográficas, apesar de os realizadores estarem sempre próximos e ajudarem uns aos outros.

Do premiado 'Amarelo manga' para 'Big Jato', o que mudou em Cláudio Assis?
Rapaz, não mudou muito não.

Você tem uma relação muito próxima com o Festival de Brasília. Quais momentos você destaca desses anos todos?
Pra mim, é uma grande festa. Os debates são calorosos. As vaias, os aplausos, tudo faz parte. Quando exibi 'Amarelo manga' no festival (melhor filme em 2002) foi uma loucura. Pouco antes da apresentação, num domingo, o projetor quebrou, foi uma loucura arrumar as peças em pleno domingo (risos). Estava tudo atrasado. O povo enlouquecia para entrar no Cine Brasília. Piração. A segunda sessão também. Foi demais. Com 'Baixio das bestas' (vencedor do festival em 2006), ganhamos vários prêmios. Na entrega dos troféus, foi aquela vaia. O público queria outro filme ('O engenho de Zé Lins', 'Querô' e 'Batismo de sangue' estavam na disputa). Mandei beijo pra todo mundo. Afinal, a premiação é uma decisão do júri.

Discutiu-se, no Festival de Brasília, a questão da internacionalização do cinema brasileiro com o apoio de coproduções. Você acha que os diretores nacionais estão prontos para o mercado externo?
Muitíssimo. E está demonstrado com diretores como Gabriel Mascaro, que recentemente ganhou em Veneza, em Toronto com 'Boi neon', um filme que tem participação de três países. Paulo Caldas também está com coprodução internacional, Kleber Mendonça é outro... Essa nova geração está mais preparada ainda. Isso facilita o filme brasileiro a circular pelo mundo.

Por mais roquenrou, por mais visceral que seja sua direção, você no fundo trata de amor em seus filmes. Explique um pouco sobre isso? É um jeito nordestino de misturar a aridez da vida com poesia?
A gente sempre viveu em torno de repentistas, principalmente no Vale do Pajeú. Estou dirigindo com Lírio Ferreira quatro programas sobre localidades dessa região, como o Crato. Lirinha, ex-Cordel do Fogo Encantado, está nos ajudando a mapear esses poetas. Nós, nordestinos, temos uma formação lírica desde pequenos, mesmo numa região dura, seca... Sou fruto desse meio. Eu, no cinema, quero denunciar essas mazelas, mas também celebrar a minha terra. O Kleber Mendonça, com 'O som ao redor', fez um filme bonito, lírico, mas, ao mesmo tempo, denuncia o coronelismo. Olha o Xico Sá, escreve livros belíssimos, mas em todos há uma pancada.

Como você teve a ideia de pegar o livro do seu amigo Xico Sá, 'Big Jato', e transformá-lo em filme? A história também tem um pouco de você?
Xico é padrinho de meu filho. Chegamos no mesmo tempo no Recife. Ele do Crato (CE) e eu de Caruaru. Rapidamente, nos conhecemos. Foi na livraria Livro7, uma loja enorme onde Xico trabalhava. Era a maior livraria do país (risos), como requer a megalomania dos pernambucanos. Xico Sá dizia que se Deus quisesse colocar um piercing no umbigo do mundo, esse umbigo seria o Recife (risos). Pernambucano é metido demais (risos). Quando eu e Hilton Lacerda estávamos escrevendo o roteiro de 'Febre do rato' (2011, melhor filme do Festival de Paulínia), Xico entrou para nos ajudar. Era a mesma época em que ele estava escrevendo 'Big Jato'. Xico me falou sobre o texto e resolvemos filmá-lo, ou melhor, usá-lo como base para o filme. É uma história minha também e de minha geração... O descobrimento da poesia.

Você pegou pesado quando afirmou, na época do lançamento de 'A febre do rato', que “o cinema brasileiro está imbecil. Porque é tudo um bando de almofadinha. Eles querem ser playboys, mas a humanidade não precisa de playboy. A questão é outra. Cinema é arte, e arte tem que ser entendida como arte”. Isso vale ainda hoje?
Xico Sá diz que eu estou na profissão errada: “Compadre, cinema não é para nós. É para gente rica. Vão ficar com raiva e inveja de você porque você não é dessa classe e está vencendo”. Mas hoje, graças a leis de incentivo à cultura e também com a liberdade tecnológica de se fazer cinema por meio digital — você edita o filme no seu próprio computador —, fazer cinema está ficando mais democrático. 'Fome' (de Cristiano Burlan), por exemplo, foi feito com R$ 15 mil. Cristiano é um rapaz de origem humilde, do Capão Redondo (SP), as coisas estão mudando. Mas ainda tem muito almofadinha por aí (risos).

Qual sua resposta para aqueles que te vaiaram e te chamam de machista?
Eles estão certos em vaiar qualquer ato machista. Apoio todo tipo de movimento em favor da inclusão social, seja de raça, de gênero... A sociedade é machista, mas temos que nos preocupar em como educar nossos filhos. As pessoas são diferentes, mas, ao mesmo tempo iguais. Sacou? Têm de ser respeitadas. Agora, se as vaias ajudarem a Anna (Muylaert) a ganhar o Oscar, podem continuar vaiando que eu aguento (risos).

Afinal, o que aconteceu no Recife durante a exibição do filme 'Que horas ela volta?', de Anna Muylaert?

Pergunte a Anna...
(Declaração de Anna Muylaert nas redes sociais: “Continuar punindo não faz sentido para mim. Até quando? Espero que todos os interessados naquele debate e em todos os outros debates que dali nasceram, levem a discussão para um nivel cada vez mais alto e menos pessoal. Da minha parte quero dizer que sou contra ataques pessoais a Cláudio Assis no momento que esta apresentando sua obra. Não vamos fazer com os outros aquilo que não gostamos que façam com a gente”)

E esse linchamento que você vem sofrendo nas redes sociais?
Tenho um amigo, Paulo Bodinho, de São Bento do Una (PE), que queria criar pés de fuxico, fazer uma plantação... Ele disse que iria ficar muito rico (do que vendendo galinha, que é a sua profissão) porque as pessoas comprariam os pés de fuxico e viveriam fuxicando. Aí surge o Facebook, que nada mais é do que um pé de fuxico (risos). Os covardes vão lá, querendo se promover às escondidas, e ficam fuxicando. Paulo Bodinho perdeu esse investimento e continua a vender galinhas (risos).

 

Premiação no Festival de Brasília

Amarelo manga (2002)

Prêmio do júri popular
Melhor filme
Melhor ator
Fotografia
Montagem
Prêmio da crítica
Prêmio especial do júri
Saruê pelo conjunto
do elenco

Baixio das bestas (2006)
Melhor filme
Melhor atriz
Trilha sonora
Ator coadjuvante
Atriz coadjuvante
Prêmio da crítica

Big Jato (2015)
Melhor filme
Melhor ator
Melhor atriz
Roteiro/Trilha sonora

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