Filha de vítima da ditadura fala sobre visita ao passado no filme 'Orestes'

A mãe de Ñasaindy Barrett, Soledad Barret Viedma, foi delatada pelo cabo Anselmo, agente da ditadura infiltrado na VPR, com quem teve um romance

por Estado de Minas 25/09/2015 19:19

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Trombone Comunica/Divulgação
Ñasaindy com o diretor Rodrigo Siqueira: filha de Soledad vivencia psicodrama em documentário (foto: Trombone Comunica/Divulgação)
Ñasaindy Barrett de Araújo é uma das muitas vítimas da ditadura militar brasileira. Sua mãe, Soledad Barrett Viedma, militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), grupo da luta armada contrário ao regime, foi assassinada.

 

Seu ex-namorado José Anselmo dos Santos, o cabo Anselmo, um agente infiltrado denunciou o grupo aos agentes da repressão, o que resultou no chamado Massacre da Chácara São Bento.

 

Veja horários e salas para 'Orestes' em BH

 

Leia matéria completa sobre o filme 

 

Ñasaindy é filha de Soledad e participa do filme 'Orestes' como integrante de um grupo de pessoas para vivenciar um psicodrama a respeito do tema. Neste depoimento, ela conta como foi a experiência de realizar o longa-metragem de Rodrigo Siqueira.


Sobre 'Orestes'

Sinto 'Orestes' como um documentário audacioso, em sua proposta e formato. Para mim é também visionário, difícil de ser digerido e amplamente absorvido em todas as suas "imagens" - as visíveis e as não tão visíveis - mas, sensíveis. Seu conteúdo aproxima o passado e o presente, provocando o futuro, alertando quanto ao incerto rumo que previamente desenhado está, e que depende de nós questionar para redefinir.


Do passado traz os rastros e marcas da ditadura: as prisões arbitrárias, as torturas, assassinatos, desaparecimentos, total permissividade quanto às violações dos direitos humanos, promovida e justificada pelo aparato do estado, militares e alguns setores da sociedade civil, abolindo totalmente o senso de justiça.


Do presente nos revela que há assassinatos, desaparecimentos, torturas e prisões arbitrárias. Também, o quanto hoje se apresenta confuso, tortuoso e desigual o senso de justiça. Nos mostra que há desorganização, imobilidade e descrença no aparato do estado, na ação em defesa dos direitos humanos.


Fazer parte deste trabalho foi um enorme desafio, foi como abrir as entranhas. Estar presente nos psicodramas, sendo eu mesma, diante das câmeras, é uma espécie de entrega, de luta, assumida também por um ideal onde ser e me ver no outro, ser o outro e ele se ver em mim, acredito, sejam também meios para podermos refletir.


Assim como perpassa pela minha memória os motivos da ausência dos meus pais, perpassam pelo meu corpo e alma, a ausência de seu toque e perfume. E é nesse sentido que o vejo como visionário, quando se propõe a tocar questões de direitos humanos em uma dimensão além das leis, aquém às regras, uma dimensão que considera o ser, o entorno, o meio, o medo, a psique, e todas as entrelinhas que toca a cada um em seu ponto. Uma dimensão que soa como crítica, mas que faz mais que isso quando aprofunda.


Somos racionais sim, mas, por mais que nos expliquem e nos ensinem os valores "superiores" do fazer a guerra e do alcançar a ter poder, nunca entenderemos a morte barata, precoce e sanguinária, a dor horrenda da tortura e da barbárie, o massacre, a miséria deliberada em lugar da fartura compartilhada. E quem com estas contradições convive? Tornam-se incongruentes, corruptivos?


Tratamos a justiça como um gênio saído de uma lâmpada que ordena o que há de se fazer. Talvez antes ela queira ser como uma velha sábia, que responderá apenas com perguntas às perguntas que lhe queremos fazer. A justiça talvez não seja a dona da resposta, mas o meio, a medida de como encontrá-la, respeitando-se a especificidade de cada caso, considerando-se todos os fatores envolvidos. Mas, haverá limites?


Perdoar e entender, ou julgar e condenar, é uma outra parte, um difícil trabalho, que pode engrandecer, ou não, aquele a quem sujeitam por uma dessas escolhas. Mas, tudo depende dos valores que são colocados nessa "justa" balança. Valores que às vezes desconcertam a (e da) humanidade.


Deslocando o tempo entre o que foi e o que é, "Orestes" se torna tudo e todos os tempos juntos. Ao reunir tantos pesos, traz como medida os sentimentos, a voz da subjetividade expressa nas palavras que emitem os olhares, os clamores, os suspiros, os pedidos, os silêncios e as lágrimas. Expressões intrínsecas da nossa condição humana, de nossas experiências remoídas pela mente que fala, revoltada pela indignação que pulsa, machucada pelas emoções trancadas e também truncadas pelas dúvidas, pelas verdades não ditas.


Em meio ao furacão "Orestes" intercede em favor do processo, proclama o poder da mediação, da avaliação, provocando a ser, ou não ser, imparcial. Por meio do símbolo do julgamento, pergunta se há possibilidade de refletir, avaliar, medir causas e consequências como se formassem parte de um corpo só. Mas como utilizar um instrumento assim tão desfalcado, enraizado no passado de imposições e desacreditado no presente da impunidade? Como reanimar a "humanidade"?

 

Ñasaindy Barrett de Araújo
Agosto/2015



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