Documentário 'Dior e eu' mostra bastidores da primeira coleção de Raf Simons para a famosa grife

O filme, dirigido pelo francês Frédéric Tcheng, acompanha a trajetória do estilista durante os dois meses que ele teve para levantar uma coleção inteira do zero

por Mariana Peixoto 31/08/2015 07:30

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Imovision/Divulgação
O diretor criativo da Dior, Raf Simons, ao final de seu primeiro desfile para a tradicional maison francesa (foto: Imovision/Divulgação )
Paris, 2012. Às vésperas do desfile que marcaria sua estreia como diretor criativo da Maison Dior, o belga Raf Simons recebe a seguinte “sugestão” do relações-públicas da marca: após o desfile do dia 2 de julho, ele seria fotografado com seis modelos. Simons não era obrigado a fazer a foto, mas era a condição imposta pela tradicional revista francesa Paris Match para a publicação de 10 páginas sobre sua primeira coleção de alta-costura na maison.


A negociação não incluía a capa, já que, como revista de atualidades, não se poderia oferecer tal coisa. Imagina se alguém (importante) morresse? Depois de uma negativa, Simons resolveu fazer a foto. Não sem antes disparar, com seu jeito manso e reservado, mas cheio de ironia: “Posso me jogar da janela após o desfile”. Em cartaz no Cine Ponteio, o documentário Dior e eu, de Frédéric Tcheng, retrata os bastidores da primeira coleção assinada por Simons.

DESAFIOS Vindo de uma experiência de sete anos à frente da grife alemã Jill Sander, ele não era uma escolha óbvia, ainda que fosse bastante celebrado no meio. Era conhecido pelo minimalismo, por coleções masculinas e nunca tinha trabalhado em alta-costura. Mais: era o nome escolhido por uma das mais tradicionais grifes francesas para apagar um incêndio: em março de 2011, o britânico John Galliano, então ocupante do posto, havia sido sumariamente demitido por antissemitismo.

A produção de uma coleção de alta-costuma leva entre cinco e seis meses. Simons teria apenas dois para se provar à altura da tradição da Dior. O diretor Frédéric Tcheng, francês radicado em Nova York e que fora contratado para o projeto antes mesmo do nome de Simons ser anunciado, usou apenas uma câmera para acompanhando a entrada do estilista para a maison desde o primeiro dia. O documentário foi filmado ao longo das mesmas oito semanas que Simons levou para tirar do zero uma coleção.

Não espere uma coleção de clichês, o que é o grande mérito do filme, principalmente para os não interessados no mundo da moda. Não há um só estilista dando piti, uma cliente deslumbrada ou uma supermodelo ególatra em cena. Inteligentemente, Tcheng humaniza o universo fashion. Apresenta o passo-a-passo de uma coleção milionária e milimetricamente tecida com a participação de todos os profissionais envolvidos na escala produtiva.

E também há o olhar de Christian Dior (1905–1957), o estilista que propôs o luxo e a feminilidade no pós-guerra, criando o estilo que marcou os anos 1950. Por meio de imagens de arquivo, Tcheng dá voz ao estilista em trechos pinçados de sua própria autobiografia. Como conseguiu acesso privilegiado à maison, Tcheng deu voz às costureiras, bordadeiras, designers e muitos outros funcionários, pessoas invisíveis aos olhos do público. Como uma antiga estagiária que chegou à Dior antes dos 20 anos e já somava 40 de trabalho na grife. E da mulher que se emociona a cada vez que um vestido é terminado.

Simons vai, pouco a pouco, criando laços com profissionais que dedicaram à grife grande parte de suas vidas. Há também muita tensão no ar, já que lidava com pessoas acostumadas a trabalhar de uma maneira diferente. Num dos momentos mais delicados do processo, ele se irrita com o atraso na prova dos vestidos, pois sua principal auxiliar no ateliê havia viajado a Nova York para ajustar o vestido de uma cliente insatisfeita. O diretor teve que se curvar ao argumento da administração da maison: como poderiam dizer não a pessoas que gastam 350 mil euros por temporada na grife?

Discretamente, a câmera de Tcheng assiste a tudo. Chega até a flagrar o choro de Simons pouco antes do desfile, um delírio criativo (e milionário) em que ele cobre todas as paredes de uma mansão parisiense com flores. Para o espectador, assistir à reunião de costureiras nos bastidores do desfile impacta mais do que os registros das celebridades na primeira fila: Anna Wintour, Donatella Versace, Sharon Stone, Marc Jacobs, Jennifer Lawrence e tantos outros.

Em tempo: a edição da Paris Match de 5 de julho de 2012 estampou na capa Charlene de Mônaco, que completava seu primeiro ano de casamento com o Príncipe Albert. Simons teve seu destaque numa das chamadas da capa com o título: “A nova arma secreta da Dior”.

 

 

TRÊS PERGUNTAS PARA...
. Frédéric Tcheng
. documentarista


Como você conseguiu acesso irrestrito à Maison Dior?
Quando as conversas sobre o filme começaram, havia um ponto de interrogação sobre quem seria o novo diretor criativo da marca. E eu não estava especialmente interessado no projeto, pois não queria fazer mais um filme sobre moda. A história mudou quando fiquei sabendo que Raf Simons havia sido escolhido. O trabalho e a personalidade dele me seduziram muito, já que ele é uma pessoa pouco comum no meio fashion. Ele faz moda de uma maneira diferente, foge dos estereótipos. Foi aí que vi que poderia falar de moda de outra forma, já que havia um aspecto dramático muito forte: Simons é um designer moderno que estava chegando em uma maison tradicional para fazer alta-costura.

Raf Simons é uma pessoa muito reservada. Como você conseguiu que ele se abrisse para a câmera, inclusive mostrando suas fraquezas? Sua câmera, por exemplo, capta o momento em que ele chora pouco antes do desfile.
E ele disse que não se lembra de mim naquele momento. A verdade é que depois de dois meses seguindo aquelas pessoas todo dia elas se esquecem da sua presença. Aprendi como me tornar invisível. Mas o projeto começou com um não, Raf não queria fazer. Escrevi uma carta para ele que me deu como resposta um talvez. Disse que eu filmasse durante uma semana e que depois pensaria. Quando nos encontramos pessoalmente, tudo mudou. Temos a mesma sensibilidade, nos compreendemos facilmente. Quando disse que meu projeto seria democrático, que abrangeria todo o mundo da maison e que ele não seria tratado como estrela, aquela semana se tornou oito.

Por que Dior se tornou uma lenda da moda?
Você tem que voltar a 1947 (quando ele criou sua primeira coleção) e o que ele fez para a mulher. Ele libertou a mulher. De certa maneira isso é meio paradoxal, pois ele trouxe a feminilidade de volta depois de anos de guerra. Além disto, foi um dos primeiros designers a se tornar uma estrela. Era ainda um homem de negócios muito inteligente, foi para a América Latina, para os Estados Unidos, e criou o império que nós conhecemos.

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