Filmes brasileiros autorais penam para encontrar espaço de exibição

Com o aumento dos multiplex e a quase extinção dos cinemas de rua, longas nacionais disputam lugar com as comédias de sucesso

por Carolina Braga 10/06/2015 10:00

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ANTONIO MELCOP/DIVULGAÇÃO
(foto: ANTONIO MELCOP/DIVULGAÇÃO )
“A película já acabou, então temo pelo meu futuro”, diz o cineasta Lírio Ferreira. O tom de brincadeira e seriedade se alterna na conversa com o diretor de 'Sangue azul', que estreou na última quinta em uma única sala em Belo Horizonte (e num total de 17 em todo o país). Ferreira ironiza: “Quem sou eu para disputar com Mad Max ou Cleo Pires (estrela da comédia brasileira Qualquer gato vira-lata 2, de Roberto Santucci)?”.

 

Foi a comédia de Santucci que desbancou o longa pernambucano no reduto dos filmes de autor na capital mineira, o Cine Belas Artes. “Isso (a programação do cinema) depende da marcação (reserva de espaço nos cinemas feita) pela distribuidora. É um equilíbrio de posições. Não é nem questão de avaliação do filme em si”, afirma o paulista Adhemar Oliveira, proprietário do circuito de cinemas que inclui as três salas do Belas Artes em BH.

O equilíbrio de posições a que ele se refere atualmente é difícil de ser alcançado numa disputa de títulos nacionais em que um não seja comédia, já que o gênero se tornou a versão nacional do blockbuster. “Se o filme não responde na estreia, está perdido. Quem tira não sou eu, é o publico”, afirma Oliveira.

O número de salas de cinema no Brasil é crescente. Passou de 2.278 em 2008 para 2.883 no ano passado. O problema é que, de acordo com dados da Agência Nacional do Cinema, se em 1995 14 longas nacionais chegaram ao circuito comercial, em 2014 foram 114. “A questão é essa falta espaço. Não só para o filme brasileiro de autor, mesmo para o filme estrangeiro. É uma dificuldade de organizar o calendário por causa da quantidade de produções”, diz o exibidor.

Diretor de longas como 'Baile perfumado' (1997) e 'Árido movie' (2005), Lírio Ferreira faz parte de uma geração de realizadores brasileiros mais interessados em despertar reflexões do que em oferecer receitas prontas de entretenimento. Desta vez, ele queria falar de amor, mas não de uma forma convencional.

Acabou também travando um embate com a passagem do tempo. “Acho que ele deveria ser multado por excesso de velocidade. Estamos passando por um momento de transição das coisas analógicas para as digitais, numa velocidade absurda”, diz.

Sangue azul estreou no Festival de Paulínia, no ano passado. Depois da primeira projeção, o diretor sentiu necessidade de fazer novos ajustes. A reestreia foi durante o Festival do Rio, quando ganhou o prêmio Redentor de melhor ficção da Première Brasil. Em fevereiro deste ano, foi exibido fora de competição na seção Panorama do Festival de Berlim.

TRISTE
A partir de amanhã, em sua segunda semana em cartaz em Belo Horizonte, 'Sangue azul' manterá suas sessões numa sala do Ponteio Lar Shopping e será exibido também no Cine 104. Mas o diretor não está otimista quanto às chances de uma longa carreira do filme nos cinemas. “É triste, porque é um tipo de filme que necessita de tempo, paciência e de um boca a boca. O mercado está difícil”, resume o diretor.

Como Adhemar Oliveira observa, o cinema de autor sempre dependeu de um modelo de lançamento que apostava na permanência em cartaz. Ia atraindo o público aos poucos. Como a produção aumentou muito para o tamanho do parque exibidor especializado neste segmento, a antiga estratégia não é mais viável.

Vice-diretora da Pandora Filmes, distribuidora especializada em filmes autorais, Bárbara Sturm afirma que este mercado sempre foi difícil. Ainda assim, ela diz que tem sido cada vez mais complicado conseguir espaço para as estreias nacionais em meio à pressão da indústria americana. Por causa disso, no início deste ano a Agência Nacional do Cinema sugeriu um limite de ocupação de salas para grandes lançamentos estrangeiros.

“Duas empresas que não respeitaram essa norma no lançamento de Mad Max entraram na justiça e ganharam”, relata Bárbara. Na opinião de Guilherme Whitaker, idealizador da Mostra do Filme Livre, “falta vontade política e visão de longo prazo para o cinema brasileiro”. Ele também ressalta que nossa produção, em especial o chamado cinema de invenção, nunca foi e nunca será comercial. “É a graça e a desgraça. São filmes que muitas vezes não foram feitos para chegar a milhões de pessoas. Mas, ainda que restrito, há um público considerável.”

A complexa relação com o público

 

“Precisamos aperfeiçoar muito todo o desenho da distribuição no Brasil”, avalia o diretor Ricardo Targino. Está marcada para esta semana a estreia de Todo samba, dirigido por ele. O longa protagonizado por Mariene de Castro e João Baldasserini é distribuído pela Vitrine Filmes. Segundo o diretor, não conseguirá ir além das 17 salas que 'Sangue Azul' alcançou na primeira semana.

Para Targino, o cinema de autor brasileiro vive uma cilada. Quando o boca a boca em torno da produção começa a pegar, tem que sair de cartaz – ou para dar lugar a mais um independente na fila por espaço ou para um blockbuster.

“O desafio deste momento em que conquistamos a produção é fazer o mesmo com um circuito popular. É preciso criar uma rede de exibição popular”, defende. Prestes a lançar O gorila, protagonizado por Otávio Müller, o diretor de Brasília José Eduardo Belmonte faz coro na defesa da popularização. “Cinema é elitista. As salas ficam em shoppings, tem o ingresso, mais o preço do estacionamento e de outras coisas. Fica caro.”

Diferentemente de 'Alemão' (2014), que chegou a 368 salas em todo o país, a previsão é de que O gorila não chegue a 10. Explicação? “É um radicalismo de linguagem. Cinema de gênero, mas muito autoral. Foi concebido para ser assim e esse mercado se reduziu muito de 10 anos para cá. Muita gente conseguiu fazer cinema, teve mais dinheiro e a rede diminuiu”, afirma Belmonte.

Para tentar driblar tal gargalo na distribuição,Targino, por exemplo, investe em circuitos alternativos para a estreia de Quase samba, que foi rodado na mineira Muriaé. A primeira exibição do longa foi marcada para um presídio feminino em Brasília. Articulações com a União dos Estudantes viabilizaram um circuito estudantil em universidades do interior. Projeções também estão previstas para assentamentos rurais e ocupações de trabalhadores sem teto.

O cineasta defende que a ampliação do circuito exibidor depende do envolvimento dos realizadores. “Acho um absurdo como muitos de meus colegas tratam a distribuição. Muitas empresas empacotam o filme mesmo”, critica.

Belmonte concorda: “A gente não pensa muito em público”. Para ele, é urgente a mudança desse pensamento. “Temos que pensar um pouco mais. Reclama-se muito, mas não se procura entender que público é esse. Vamos entender e tentar dialogar. Qualquer artista sempre teve que lidar com o público. É algo complexo”, reconhece.



CINEMA BRASILEIRO
Confira a evolução da produção nacional


1995...... 14
2000...... 23
2005...... 46
2010...... 74
2014...... 114
2015...... 17*
 (* primeiro trimestre)
Dados: Agência Nacional do Cinema

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