Realizar o longa de estreia e chegar ao público são desafios enfrentados por cineastas mineiros

Produtores defendem abertura de mostras e cobram mais espaço para a exibição

por Walter Sebastião 06/12/2011 09:45

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Samuel Cangussu/Divulgação
O independente Sérgio Gomes aposta no cinema de ficção, levando para a tela histórias policiais feitas sem apoio de leis ou editais (foto: Samuel Cangussu/Divulgação)
 
Nem só de holofotes e badalação vive o cinema. Existe um lado B pouco conhecido: o sacrifício que é fazer o primeiro longa-metragem. Cobra disposição para digerir desafios. O primeiro: levantar recursos. Depois, esticar orçamentos modestos com dinheiro do próprio bolso. É preciso articular equipes dispostas a participar do projeto mesmo sabendo de todas as incertezas. Em seguida, se jogar na divulgação de corpo e alma. A exibição em festivais não pode ser dispensada, mas é comum colecionar várias negativas até participar de um deles. Tudo na esperança de que alguma repercussão abra portas para o filme – e espaço para novos projetos. O maior drama, no entanto, é vencer todos os obstáculos e o filme não chegar ao público. Questão real, em Belo Horizonte, que tem poucas salas dedicadas a novos realizadores. Expandir esse circuito e incentivar mais mostras dedicadas a estreantes, garantem os novos diretores, ajudaria a equacionar o problema.

Bem próximo do mal, o primeiro longa de Sérgio Gomes, de 30 anos, é um filme policial sobre serial killer na metrópole. História simples, contada com imagens densas, fortes, violentas. Realizado em 2008, com orçamento de R$ 7 mil, passou por seis festivais, mas só ganhou exibição em BH há 20 dias, no Sesc Palladium. “Recebi não de todas as outras salas”, conta o cineasta. 

Sérgio Gomes não espera nada diferente para o segundo longa dele, Fora de ordem, sobre crime durante realização de filmagens. É ataque à cultura de celebridades, realizado com R$ 10 mil. Os filmes dele não passam em programas de leis de incentivo –“sou independente”, ironiza. “Cineasta mineiro é produtivo, tem raça, produz muito, faz cinema tirando dinheiro do bolso. Mas é tanto sacrifício que quando você termina o filme quer ir para casa dormir e nada mais”, desabafa.

 O diretor é formado em cinema na UNA, fez cursos em Nova York, ganhou prêmios como diretor de fotografia nos festivais de Brasília e Gramado – com o curta Miragem, de Gustavo Botelho –, já deu aulas de cinema. Depois de nove curtas e dois longas, está fazendo curso de direito. “Não estou abandonando a atividade, mas procurando renda melhor”, explica. Sérgio Gomes já pensou em largar o cinema, mas não o faz porque “arte é uma cachaça”. 
 
Fernando Americano/Divulgação
Com o documentário Morada, Joana Oliveira filmou a história real do despejo de sua avó no Bairro Lagoinha (foto: Fernando Americano/Divulgação)
 
 “O cinema independente é forte em todo mundo, mas no Brasil não tem lugar”, afirma. “Antes de exibir um filme querem saber quem é o ator, quem é você, se é amigo de alguém, como se isso garantisse qualidade. O importante é o diálogo que o filme abre, o resto é bobagem”, defende o cineasta. Sobram críticas para os festivais: “São raríssimos os que não são uma panela”. Já achou cópia de Bem próximo do mal em bancas de produtos piratas. “Pelo menos assim veem meu filme”, provoca. Por enquanto, em cartaz, só  trailers dos dois longas no YouTube.

Bater na porta Morada, o primeiro longa de Joana Oliveira, faz com que o espectador conviva por 78 minutos com dona Virgínia, uma senhora que mora no Bairro Lagoinha e que, durante 50 anos, espera a desapropriação da casa onde mora. É filme intimista, choque entre o absolutamente particular e o totalmente universal. Até porque a estrela do filme é a avó da diretora. O trabalho era para ser um curta, mas tornou-se longa-metragem pela riqueza de questões que a situação trouxe. “É o filme que deu para fazer, na raça, urgente”, avisa a diretora. Morada custou R$ 88 mil (R$ 68 mil de verbas públicas, R$ 20 mil da diretora) mais apoio de amigos que toparam realizar o filme sem receber nada. 

Fazer o primeiro longa, confirma Joana, é penoso. Distribuí-lo, mais ainda. Há três formas de mostrar filme independente. A primeira é chegar a festivais para fazer currículo e assim entrar em editais que preveem recurso para lançamento. A segunda alternativa é “bater na porta do Belas Artes, conversar com Pedro Olivotto e dizer que preciso de um horário, mesmo que ruim”, brinca a diretora. Sessões em pontos de cultura e cineclubes completam os caminhos possíveis. Joana gosta da última opção: “É onde há debates sobre cidadania e considero que o filme fala desse tema. Ver um filme exibido e estabelecer encontros com o público é muito enriquecedor”, conta. Morada foi mostrado há poucas semanas no forumdoc.bh, na Sala Humberto Mauro. 

Joana Oliveira reconhece os problemas, mas não demostra sinais de desânimo. “Acho boa a atitude de novos diretores, que formam coletivos, aprovam projetos em editais e vão à luta para realizar seus filmes. Cinema é também necessidade de contar algo para o mundo. Se ficar esperando alguém contratá-lo para isso, não vai fazer filmes nunca”, acrescenta. Há quem, com pouco, vem conseguindo muito. Dá um nome: o do mineiro Leonardo Cata Preta, diretor do curta de animação O céu do andar de baixo, que anda fazendo o maior sucesso de público e crítica. Joana Oliveira é formada em cinema em Cuba, fez cinco curtas, trabalha na TV Brasil e é professora de cinema no Rio. 

ORÇAMENTO APERTADO apertado Fernanda Bizaria, até 2005, tinha pouco contato com o cinema. Fazendo mestrado em Manaus, na área de sociedade e cultura, começou a organizar acervo de um padre lituano que filmou a região nos anos 1970. Descobriu que ele estava vivo, foi conhecê-lo e, da conversa, saiu com projeto de curta. Publicitária, juntou-se ao colega antropólogo Erlon de Souza para viabilizar a ideia e conseguiu financiamento para a realização. “À medida que entramos na história, vimos que não cabia em formato de curta. E decidimos apertar o orçamento e fazer um longa”, recorda. 

A produção é Remissões do Rio Negro, apresentado em 2010 na mostra Aurora do Festival de Tiradentes. “Ver o filme sendo exibido para 600 pessoas foi um prazer”, conta. Estava preparada para ver a sala ir se esvaziando, o que não ocorreu. Satisfação que não apaga a certeza que financiamento e visibilidade são temas complicados do cinema. O primeiro trazendo o medo de não conclusão da obra; o outro condenado ao anonimato. “Fazer um documentário é experiência forte. Traz a possibilidade de ir ao encontro do outro, de viver e conhecer outras perspectivas. É diálogo privilegiado com as pessoas”, garante, já sonhando com curta a partir de sobras do longa.
 
LUTA PARA SER VISTO

A lista dos primeiros longas-metragens dos novos cineastas mineiros impressiona pela qualidade: Roda, de Raquel Junqueira e Carla Maia; Bem próximo do mal, de Sérgio Gomes; Cinema Vale Sonhos, de Ernane Alves; Estado de sítio, obra coletiva; Morada, de Joana Oliveira; Remissões do Rio Negro, de Fernanda Bizaria e Erlan de Souza; Girimunho, de Helvécio Martins Júnior e Clarice Campolina; As Iracemas, de Alexandre Pires; Mulher à tarde, de Affonso Uchoa; Céu sobre os ombros, de Sérgio Borges; Balança mas não cai, de Leonardo Barcelos. Os filmes, na maioria dos casos, foram exibidos na Mostra Aurora, do Festival de Tiradentes, dedicada aos estreantes. O Sesc Palladium também tem sessões para novos realizadores. Outros espaços em BH que exibem esse tipo de produção são o Cine Humberto Mauro, do Palácio das Artes, e o Belas Artes.
 
Palavra de especialista 
Ataídes braga
PROFESSOR DE CINEMA E CRÍTICO 
 
Mostra Tiradentes/Divulgação
Remissões do Rio Negro, de Fernanda Bizarria: olhar político e antropológico sobre o Brasil (foto: Mostra Tiradentes/Divulgação)
 
 
Desafio da estreia
 
"Incentivo a realização de longas-metragens. Eles fazem com que a pessoa fique reconhecida como cineasta e é oportunidade de mostrar a cara sem medo. Gosto quando o filme é acertado, deixa a curiosidade sobre o que o diretor vai fazer num segundo trabalho. Sérgio Borges acertou com o filme O céu sobre os ombros. Mas isso é raro. Se o filme tem uma primeira avaliação negativa, não deve ser um obstáculo e sim um desafio. E há filmes interessantes, que pretendem muito, mas sem conseguir alcançar seus objetivos. O público deve prestigiar estreias de diretores. Se gostou do filme, passe a defendê-lo, divulgá-lo; se não gostou, comente, incentive e critique. Será melhor para todos." 


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