História e estórias de carnaval provocam misto de vergonha alheia e boas risadas

Coluna Hit publica hoje os causos dos 'foliões' Afonso Borges, Jacques Fux e Trotta.

por Helvécio Carlos 13/02/2018 08:20

Falta pouco para o carnaval acabar. Mas este ano, definitivamente, não será como o que passou. Histórias e estórias vão pipocar nas time lines das redes sociais. Algumas vão despertar aquele espírito de vergonha alheia; outras, boas risadas. Em busca de histórias de carnaval, a coluna HIT publica o terceiro capítulo de uma série de quatro escrita por dramaturgos, escritores, produtor cultural, ator, músico e designer. Hoje, assinam o texto Afonso Borges, Jacques Fux e Trotta. Como nos capítulos anteriores, os autores tiveram um prazo de 24 horas para compor cada parágrafo. O resto era se jogar na criatividade. Os textos de Sabrina Abreu, Cris Guerra e Fernanda Mello (publicados no domingo) e Ronaldo Ciambroni, Sérgio Abritta e Júnior de Souza (que saíram na edição de ontem) podem ser acessados no site www.em.com.br.

Um drinque no inferno

Daniel Bianchini/Divulgação
O jornalista e escritor Afonso Borges (foto: Daniel Bianchini/Divulgação)

Tinha que se decidir. Anos sem pular carnaval. No apartamento, vendo filmes, ou viajando para lugares remotos. Tomou coragem, tudo acabaria no dia seguinte. Enfiou cabeça abaixo a primeira camisola que viu no armário da avó, rasgou um batom vermelho boca afora e desceu para o bloco. No elevador, evitou o espelho. Porta abre, se joga na Rua da Bahia, como se fosse o fim dos dias. Bebeu, antes, cinco latinhas no gole, direto, vendo o bloco subir Bahia, sem saber se desceria Floresta. Caiu na folia, decidido a acabar com a fama de folião deprimido. Foi abrir os braços e tomou uma voadora.

 

Rolou por cima do capô do carro, abraçado à foliã, estatelaram na calçada, do lado de lá. Cabeça sangrando, olhou pro lado e ela o beija no chão. Ficam ali, agarrados, meio mortos, vivos, a marchinha ao fundo. Levantou-se, enfim, ajeitou a camisola e subiu os olhos. Entendeu tudo. (Afonso Borges)

Estava num filme do Tarantino: Um drink no inferno. Confusão, orgia, pulsão de vida e de morte. Fluidos escorrendo pelo seu corpo. Ele correu em direção da amante-foliã, que já beijava outro. Num momento de fúria, resolveu separá-los aos tapas (sim, aos tapas, não era muito afeito à violência). E os performáticos tapas viraram beijos e carícias quentes. Os três, e mais um convidadx – não soube classificá-lo – que eles nunca tinham visto na vida, ficaram entrelaçados na avenida. Um amálgama de prazer.

Jair Amaral/ E.M/D.A Press
Jacques Fux conta a sua história carnavalesca (foto: Jair Amaral/ E.M/D.A Press)

Mãos, corpos, cheiros, não havia nada de mole naquela troca de afetos e temperos. Louco, muito louco – já tinha irrigado a suruba com vodcas e afins –, apagou por alguns segundos. Acordou e se viu carregado por uma multidão como se fosse uma estrela do rock’n’roll. Pôs a língua para fora, fez o gesto característico do punk rock e começou a dançar. Seus fãs o largaram na primeira lata de lixo da Bahia. Ficou preso por alguns momentos naquele latão e se lembrou do seu primeiro carnaval. (Jacques Fux)

 

Confira a programação completa dos blocos em BH

 

 

Arquivo pessoal/Divulgação
Trotta se recorda de uma matinê em um tradicional clube da cidade (foto: Arquivo pessoal/Divulgação)

Na memória um tanto embriagada e ainda de ponta- cabeça, vieram à tona flashes da matinê de carnaval de um tradicional clube da zona sul, num baile da época em que Belo Horizonte não tinha carnaval: marchinhas, confetes, mascarados, suor e paixões efêmeras. Nostálgico, lembrou que Gioconda, sua amada avó, o entubara numa fantasia de Zorro, que o deixou mais para Tonto, e tonto que estava, mergulhou um pouco mais fundo no lixo metálico e se encontrou descendo a Rua Itapecerica abraçado à figura de Cintura Fina no Leão da Lagoinha, bloco da época em que Belo Horizonte não tinha carnaval: marchinhas, confetes, mascarados, suor e paixões efêmeras.

 

Ébrio, seguiu direto para a Avenida Afonso Pena e, se deparando com o corso de calhambeques, reconheceu num deles a jovem Gioconda, sua amada avó, garota, em meio a uma batalha de confetes, luta da época em que Belo Horizonte não tinha carnaval: marchinhas, confetes, mascarados, suor e paixões efêmeras. Desacreditado, enfim, com tamanha improbabilidade da cena e com a cabeça já escaldada pelo sol de fevereiro, estatelou de vez no asfalto, despejado de seu azedo lar de latinhas pelo rompante Bloco dos Garis, pouco depois de tudo se acabar, na quarta-feira. (Trotta)

MAIS SOBRE CARNAVAL