Blocos criados sem pretensão de atrair milhares de foliões mostram o lado B da superfesta

O carnaval dos blocos de rua ressurgiu em 2009, cresceu, apareceu e não há quem não concorde que esse é um caminho sem volta

por Flávia Ayer 27/02/2017 07:39
Edesio Ferreira/E.M/D.A/Press
Longe da aglomeração do Centro, este ano o Tico Tico Serra Copo deu ao Floramar cara de carnaval do interior (foto: Edesio Ferreira/E.M/D.A/Press)

É comum escutar entre quem pula carnaval em Belo Horizonte há mais de cinco ou seis anos sobre a saudade de quando a folia era vazia e a festa momesca não tinha contagiado a cidade inteira. O carnaval dos blocos de rua ressurgiu em 2009, cresceu, apareceu e não há quem não concorde que esse é um caminho sem volta. Mas, como não existe carnaval sem criatividade, blocos têm adotado mil e uma formas para manter o espírito de “bloquinho” e preservar a folia espontânea com jeito de encontro de amigos, sem ensaio, trio e corda.

A primeira característica deles é limitar a divulgação, além de evitar a concentração em endereços mais próximos ao Centro da cidade, de onde sai a maioria dos grupos. É o caso, por exemplo, do Filhos de Tcha Tcha, que sai hoje no Bairro Concórdia, na Região Nordeste. É também a marca do Ladeira Abaixo, que desfilou pelo segundo ano, no sábado, no Bairro Colégio Batista, na Região Leste.

A bateria do Ladeira é formada por gente que quis fugir da aglomeração do Então, Brilha!, que arrastou 150 mil foliões este ano. Pelo WhatsApp, circulava a informação de que o bloco sairia às 9h. Era mais de 10h e nada de bloco. De repente, chega um daqui, outro dali e... o bloco saiu, e encantou. A folia despretensiosa rendeu até serenata, ao som de Carinhoso, para uma senhora que via o grupo passar na sacada do prédio. Coisa linda de se ver.

A combinação dessas duas estratégias – pouca divulgação e endereço fora do Centro – tem mantido o Tico Tico Serra Copo, fundado em 2009, fora do mainstream dos blocos que arrastam multidões. O bloco surgiu no Bairro Serra, na Região Centro-Sul, mas, a cada ano, sai em um bairro diferente, sempre “nas bordas” da cidade, de acordo com Roberto Andrés, um dos organizadores. Ontem, o cortejo foi no Bairro Floramar, na Região Norte de BH.

Eles já não são mais dezenas, como em 2009, nem centenas, como em 2012. Há pelo menos três anos, o Tico Tico, que está fora do cadastro oficial da prefeitura, reúne milhares de foliões. As marchinhas entoadas por uma bateria improvisada, no estilo “traga seu instrumento”, o percurso por ruelas tranquilas, a interação com moradores, a tranquilidade de pular carnaval sem aglomerações, tudo isso faz do Tico Tico uma joia.

E nesse domingo não foi diferente, com exceção de um momento, logo no início, em que a ação repressiva (Leia Atravessou) da Polícia Militar (PM) assustou os foliões. Passado o imprevisto, o Tico Tico seguiu alegre e contagiante até o Córrego Fazenda Velha, cuja revitalização é alvo de luta da comunidade. “Gostamos de ser um bloco menor. Saímos sempre nas bordas da cidade. Sempre viemos antes do desfile conhecer os moradores”, comenta.

Sofrência

Outra estratégia para curtir um carnaval menor é focar nos blocos estreantes, que podem render pérolas como o Bilu Bilu, bloco parado que estacionou na Rua dos Goitacazes, próximo ao Mercado Central, no Centro de BH. Estacionou, porque os músicos, trompetistas, saxofonista e toda turma de metais, fez o show em cima de um caminhão, acompanhados de percussão de primeira.

Na trilha sonora, só a “sofrência”, com clássicos do arrocha, música sertaneja e do que há de mais meloso. “É Bilu Bilu porque esse é o nome de quando duas pessoas esfregam o nariz uma na outra e é também o nome de uma das músicas do Pablo (cantor conhecido como a voz romântica)”, conta o fundador do bloco, o músico William Alves. Ah, o bloco é parado porque assim fica melhor para dançar juntinho, segundo Alves.

Atravessou

PM desafina com spray de pimenta

A bateria do Bloco Tico Tico Serra Copo, um dos mais antigos do novo carnaval de BH, foi atingida por spray de pimenta pela Polícia Militar quando atravessava a Rua José Clemente, no Bairro Floramar, na Região Norte de BH. De acordo com o organizador, Roberto Andrés, a viatura da PM estava atrás do bloco e um folião brincou de espirrar água com uma arma de brinquedo. “Eles jogaram spray de pimenta na bateria e nos foliões. Temos crianças aqui. Isso retrata a truculência como a polícia age”, afirma Andrés. Depois de protesto da bateria, o cortejo seguiu. Os policiais não quiserem falar sobre o ocorrido. De acordo com o chefe da imprensa da corporação, major Flávio Santiago, uma equipe da Corregedoria foi ao local e está investigando o uso do spray de pimenta nesse caso.

Hoje tem

Salve, salve Mestre Conga

O bloco Filhos de Tcha Tcha, que sai hoje no Bairro Concórdia, na Região Nordeste de BH, vai celebrar os 90 anos do Mestre Conga (foto) e ainda homenageará a Rainha Isabel. O recurso recebido da Prefeitura de BH em apoio aos blocos de rua foi revertido para o aluguel do som, cachê para a Velha Guarda do Samba e em doação para o Reinado Treze de Maio. A concentração será às 10h na sede da Guarda de Congo e Moçambique Treze de Maio. Haverá show da Velha Guarda e do Graveola.

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