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Felino existencialista

Raul Moreira lança Eu, Gregório, em que o narrador é um gato sábio e sedutor



Gregório é um gato que se espelha na dona, criando uma relação de simbiose com Mimi. A história permeia Eu, Gregório, livro de estreia na ficção do jornalista, crítico de cinema e cineasta Raul Moreira que transita entre a conto e o romance. “O pensamento é de Mimi? O pensamento é de Gregório?”, questiona Raul. Gregório se defronta com uma tragédia. Uma questão de vida e morte.

Com referência à presença milenar dos gatos na Terra, Raul apresenta Gregório como animal sábio. Observador, o felino também aprende com a dona e absorve a sabedoria dela. “Gregório é um gato existencialista, contemporâneo. Leu todos os livros, escreveu romances.
Um gato que tem sabedoria e discute as coisas”, afirma. A capacidade de seduzir é outro traço da personalidade de Gregório, nessa história que coloca em xeque as fronteiras entre as espécies, ser humano ou animal, e gêneros, ser homem ou mulher. E gosta de fantasiar. “É a nossa fantasia também. Queremos ser homem-gato.”

Mimi é uma mulher de 53 anos, que vive os conflitos advindos de sua orientação sexual num momento de pouca aceitação da diversidade sexual. Ao adoecer, Mimi se vê impossibilitada de ser mãe e dar continuidade à linhagem. Todo o processo é acompanhado por Gregório, que de alguma forma ocupa o lugar de filho.
“Mimi era mãe do gato, uma lésbica. Quando fica doente, bate uma culpa de não ter sido capaz de procriar”, explica o autor. A personagem foi construída a partir da convivência de Raul com amigas homossexuais. “Tive muitas amigas lésbicas nos anos 1990. É um universo que sempre me fascinou”, diz. Ele recorda como era difícil assumir as identidades sociais naquele momento, o que, com passar dos anos, mudou muito com as possibilidades de afirmação trazidas pelo empoderamento feminino.

Por meio de narrativa ágil e texto enxuto, Raul traz reflexões sobre questões sexuais, ambientais e a respeito da morte. “As pessoas leem esperando um conto de fadas. Mas é um livro subversivo, embora não seja pesado.
Discuto questões fundamentais.” Nesse trânsito por tópicos existenciais, Raul flerta com a psicanálise. No entanto, apesar de os temas serem complexos, a escrita foi tranquila. “Era como se o livro estivesse pronto para ser escrito”, afirma, lembrando que Eu, Gregório foi escrito em quatro meses.

O escritor é fascinado com gatos, tanto os que encontrou nas páginas da literatura mundial como os que lhe foram de estimação nas diferentes cidades onde viveu. “Para escritores, os gatos são presenças importantes. Sempre tive gatos. Sou de Salvador, mas, nos anos 1990, fui morar na Europa. Lá mantive paixão por gato. Tinha uma companheira que também amava os gatos. Quando morei na Irlanda, mantive vários”, conta. Como correspondente internacional para diversos veículos brasileiros, Raul fez cobertura da Fórmula 1, no período de ascensão de Ayrton Senna (1960-1994).
Atualmente, Raul cuida de apenas um gato, Carlos, na casa onde vive, em Salvador.

O primeiro projeto gráfico do livro foi feito pelo artista plástico Joãozito Lanussi (1966-2017). No entanto, ao ser editado pela Noir, houve mudanças. Na versão que está sendo traduzida para o Espanhol, Raul retomará o projeto original do livro. “O projeto da Noir é muito bonito e agradável, mas gosto muito do projeto feito pelo Joãozito”, afirma. Raul foi curador de exposição sobre o poeta satírico Gregório de Matos (1636-1696). No entanto, ele diz que não há uma relação direta com o nome do gato que narra a história e também foi construído com ironia.


EU, GREGÓRIO
• De Raul Moreira
• Editora Noir
• 140 páginas
• R$ 40,19.