Fabrício Carpinejar reúne, em livro, guardanapos de papel com escritos sobre a vida

Em seu novo livro escritor gaúcho fala sobre o amor e a poesia do cotidiano. "Eles são a pré-história do WhatsApp", compara

Márcia Maria Cruz

O gaúcho se apaixonou por BH, onde mora com a mulher, a mineira Beatriz Reys. - Foto: Jair Amaral/EM/D.A Press

Guardanapos de papel são injustiçados. Sem o requinte daqueles de pano usados à mesa, foram parar nos bares e lá ficaram sem qualquer glamour. No entanto, quantos relacionamentos não começaram depois de a mensagem escrita num deles ser entregue pelo garçom? Além disso, serviram à memória de poetas que puseram ali versos repentinos, foram companheiros das confissões de compositores que encontraram inspiração na boemia.


Tocado por todas essas “missões” do guardanapo de papel, o escritor e jornalista Fabrício Carpinejar fez dele suporte para seus versos. Em quase uma década, o gaúcho colecionou 600, com escritos diversos. Oitenta foram escolhidos para o livro Liberdade na vida é ter um amor para se prender (Editora Belas Letras), que será lançado nesta terça-feira, 07, em BH.

“Guardanapo é o sudário dos boêmios. É o pombo-correio da cantada, a pré-história do WhatsApp”, brinca Carpinejar. Neles, o gaúcho escreveu sobre lealdade, confiança, esperança e amizade. “Escrevo também sobre paixão e amor”, diz.

Declarava-se assim para a mulher, a advogada mineira Beatriz Reys. “Paixão é a gestação; amor é o nascimento”, observa. Morando em Belo Horizonte há dois anos, o escritor comenta que não faltam cafés, bares e restaurantes onde nasçam versos “na sobra do cotidiano” e “no vaivém das viagens”.

Primeiro, ele fotografa os versos escritos nos guardanapos. Depois, compartilha os poemas em seus perfis nas redes sociais. Apenas no Facebook, Carpinejar tem mais de meio milhão de seguidores e aquelas palavras alcançam milhares de visualizações. “Guardanapo é símbolo do efêmero, do provisório. É função da poesia colocar aforismos neles”, afirma.

Todas as páginas da publicação que será lançada hoje podem ser destacadas. “É um livro para ser repartido. Acredito que ele converge com o espírito do Facebook”, compara o autor, lembrando que as imagens de seus guardanapos viralizaram nas redes sociais.

MÍDIA
Ao resgatar o guardanapo como mídia, Carpinejar chama a atenção para a importância dele na literatura. Afinal, jamais foi considerado nobre como as cartas, por exemplo. Aquela tessitura o encanta. “Sou homem de textura. Antes de comer, gosto de alisar a toalha da mesa.
Antes de amar minha mulher, gosto de alisar o lençol, antes de escrever gosto de texturas. Não há nada mais gostoso do que aquela (textura) do guardanapo”, compara. Para ele, a escrita nesse suporte é quase um desenho. “A letra tem que se equilibrar, pois é fácil o guardanapo se rasgar. Você não deve escrever correndo, pois pode furar a folha”, ensina.

 

 

Carpinejar faz da caligrafia um elemento a mais de sua escrita. Em tom de brincadeira, garante: a letra não é das melhores, mas faz sucesso. “Isso foi uma surpresa pra mim. Sempre fui xingado pela minha letra feia.” Atualmente, ela virou marca. Para quem é fã do escritor, não é preciso nem a assinatura dele para que um verso seja reconhecido.

Casado há dois anos no civil e há um no religioso, Fabrício entregou muitos guardanapos à mulher, Beatriz. “Ela tem um monte na gaveta.

Já não sabe o que fazer com eles”, diverte-se. O escritor confessa seu amor por Belo Horizonte, mas viaja muito para palestras e eventos literários. No feriado prolongado, foi até São Sepé, a 280 quilômetros de Porto Alegre (sua cidade natal), fazer palestra. A maioria do público era formada por mulheres.

Com 41 livros lançados, o gaúcho acredita que consegue se conectar com alma feminina. Conexão, talvez, garantida pelo fato de desconstruir estereótipos ligados à masculinidade. “Não tenho vergonha das minhas dúvidas. Exponho e compartilho confidências”, afirma.

Cronista dos relacionamentos contemporâneos, Carpinejar extrai poesia de momentos do cotidiano. Muito disso está expresso nos guardanapos. Ele gosta de discutir a relação – a famosa DR –, mas reconhece: “Tenho defeitos masculinos. Tomo banho para me lavar. A mulher toma banho para pensar, ela chega a muitas decisões sobre o relacionamento e sai com aquele turbante na cabeça.”

O poeta garante ser bom nas tarefas domésticas. “Adoro ficar em casa, fazer faxina. Fico feliz passando roupa. Pode perguntar pra minha mulher”. Beatriz deu-lhe de presente uma cafeteira, um filtro d’água e um steamer, aquela passadeira de roupa a vapor. “A pessoa pode até dizer que não escrevo bem, mas dizer que passo roupa mal, aí não. Gosto do capricho”, avisa.

PRESENTES Aliás, o poeta divide os presentes em duas categorias: os simbólicos e os sentimentais. Os simbólicos são aqueles que a pessoa precisa gastar tempo para encontrá-los. Já os sentimentais são escolhidos a partir da observação da pessoa a ser presenteada em momentos fortuitos.

Atualmente, ele procura um mimo sentimental para a companheira. “Beatriz me deu um presente emocional: uma máquina verde portátil Olivetti Lettera 82”, revela. “O bom presente é aquele que a pessoa escuta o outro falar e não se esquece. É a prova de que a pessoa ouviu, embora o outro pense que ela não havia prestado atenção.” E garante: o presente emocional é uma forma de compartilhar o passado da pessoa amada. “Com a máquina, Beatriz me devolveu a adolescência. Aos poucos, a pessoa amada vai se adicionando nas fotografias. Além de cuidar do que você é e do que será, ela cuida do que fui”, conclui.

- Foto:
LIBERDADE NA VIDA É TER UM AMOR PARA SE PRENDER
.  De Fabrício Carpinejar
.  Editora Belas Letras
.  80 páginas
.  R$ 28
.  Lançamento terça-feira (7), às 19h, na Livraria Saraiva do Diamond Mall. Avenida Olegário Maciel, 1.600, lojas 16/21, Bairro de Lourdes

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