João Leite tenta impedir estreia de peça e suspender exposição em BH

Candidato derrotado à Prefeitura de BH diz que irá ao Ministério Público contra a montagem 'Evangelho segundo Jesus, rainha do céu', que estreia nesta quinta (5/10), e a mostra 'Faça você mesmo sua Capela Sistina', em cartaz no Palácio das Artes

Márcia Maria Cruz Pedro Galvão
Obra de Pedro Moraleida exposta na Grande Galeria Alberto Veiga Guignard - Foto: Daniel Coury/divulgação
O deputado estadual João Leite (PSDB), candidato derrotado na última eleição para prefeito em BH, anunciou que irá acionar o Ministério Público para suspender a realização da exposição 'Faça você mesmo sua Capela Sistina', parte do projeto "Arteminas - não quis o que estava no ar", em cartaz nas galerias do Palácio das Artes desde o último dia 1º de setembro, e impedir a estreia em BH, prevista para esta quinta-feira (5/10), da peça "O evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu". O espetáculo é parte da Ocupação Transarte, em cartaz na Funarte, cujo objetivo é promover o encontro de artistas, ativistas e pesquisadores da cena cultural LGBT%2b, além de celebrar a diversidade de gênero.

João Leite se manifestou contra a exposição, especialmente as obras do reconhecido artista mineiro Pedro Moraleida (1977-1999), na última terça-feira (3/10), na Assembleia Legislativa. Em discurso, postado em seus canais no Facebook e no YouTube, classificou a mostra como um “ataque ao Estatuto da Criança e do Adolescente”. Disse que o Brasil sofre com o que chamou de “resquícios da esquerda no poder”.



A peça "O evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu", escrita pela dramaturga transexual escocesa Jo Clifford e traduzida, montada e dirigida pela argentina radicada em São Paulo Natalia Mallo, traz uma releitura de Jesus, que vive nos dias atuais como uma travesti. Ela é interpretada pela atriz Renata Carvalho, travesti e ativista pelos direitos da população transgênero. Clifford já apresentou a peça em BH, na edição 2016 do FIT (Festival Internacional de Teatro)
 
“Vamos entrar através do MP, já busquei a Procuradoria, já juntamos todos os documentos para garantir o direito das pessoas de ter uma religião e ter seu livro sagrado respeitados, vamos usar os meios legais, não faremos explosões e agressões. Tenho a responsabilidade de garantir às pessoas sua religião, seu líder respeitado e o que livro que conduz sua fé seja respeitado”, disse Leite em entrevista ao Estado de Minas. O deputado classifica a peça como “uma desmoralização da vida de Jesus e um preconceito contra a fé da maioria das pessoas no Brasil”.

Em setembro,  a Justiça chegou a proibir a exibição da peça em Jundiaí, no interior de São Paulo, devido à pressão de grupos religiosos.
No entanto, a liminar que impedia a apresentação do espetáculo foi cassada na última terça-feira (3/10). Em Porto Alegre, também houve uma tentativa judicial de impedir a montagem, negada pela Justiça local.

Em defesa da peça, a diretora Natalia Mallo argumenta que não há desrespeito à religião. “Esse julgamento sem conhecer a peça revela muito da transfobia e do preconceito presentes na sociedade. É um julgamento baseado no fato de termos uma travesti em cena, essa identidade travesti é tão estigmatizada, que, sem conhecer o trabalho, conclui-se que é uma difamação, uma ofensa, uma chacota, ou que é sexualizado. Mas o trabalho não tem nada disso, vem de um estudo profundo dos evangelhos na tentativa ficcional de resgatar uma essência do questionamento sobre nossa capacidade de dar a mão, de amar o próximo, de ser solidário, de olhar para o diferente com empatia e disposição para o diálogo”, afirma Natalia.

Acostumada a lidar com ataques de grupos religiosos desde que a peça entrou em cartaz, há pouco mais de um ano, Natalia diz estar preparada para lidar com a situação em BH: “Estamos preparadas para qualquer tipo de ofensiva, que vem pelo judicial, pela difamação. Estamos bem amparadas juridicamente e temos um grande apoio do público, acho que vai lotar. A gente espera que corra tudo bem e, principalmente,  que se possa dialogar sobre a nossa proposta”, afirma.

O vereador evangélico Jair de Gregorio (PP) publicou vídeo em seu perfil do Facebook, questionando  a exposição "Faça você mesmo sua Capela Sistina", de Pedro Moraleida, em cartaz na Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard do Palácio das Artes.  Embora não faça referência ao nome da mostra, o vereador ataca as obras expostas. “Senhor Juca Ferreira (secretário de Cultura de BH), o senhor vai continuar permitindo esse tipo de aberração em Belo Horizonte?”.

A Fundação Clóvis Salgado (FCS) divulgou nota ressaltando que há placa indicativa na entrada da galeria desaconselhando que menores de 18 anos ingressem naquele espaço.  “Mesmo com a limitação imposta na entrada da galeria pela placa indicativa desaconselhando sua visitação para menores de 18 anos, a exposição recebeu, nesse primeiro mês, quase 6 mil visitantes, confirmando o grande interesse do público”, afirma o comunicado da FCS.

A Fundação informa que a exposição conta “160 obras entre pinturas, desenhos e objetos no ano em que a obra de Moraleida atinge sua maioridade e o artista completaria 40 anos”. Destaca que se trata de trabalho de nível internacional. "Além das exposições realizadas em Belo Horizonte – no então desativado Hospital São Tarcísio, hoje Centro de Arte Popular Cemig (2002), no Palácio das Artes (2002), no Museu da Pampulha (2003) e na Galeria Mama/Cadela (2015) –, suas obras foram expostas também em Lyon, Dubai, Berlim e no Canadá”, afirma a nota. De acordo com a FCS, os trabalhos selecionados pelo edital Arteminas são produções de vanguarda. “A frase do escritor Guimarães Rosa traduz o conceito que motivou a FCS a convidar os artistas, merecendo destaque o fato de, apesar da passagem do tempo, a obra de Pedro Moraleida continuar como uma das principais referências da arte de vanguarda mineira.


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