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Estado de Minas

Militante na poesia, Ferreira Gullar colecionou prêmios e polêmicas

Imortal da ABL morreu ontem no Rio aos 86 anos em decorrência de uma quadro de insuficiência respiratória


05/12/2016 08:00 - atualizado 05/12/2016 08:38

Imortal da Academia Brasileira de Letras, Ferreira Gullar viveu exilado no Chile e na Argentina depois do golpe militar de 1964
Imortal da Academia Brasileira de Letras, Ferreira Gullar viveu exilado no Chile e na Argentina depois do golpe militar de 1964 (foto: Ana Clara Brant/EM/DA PRESS - 17/07/12)

O escritor, poeta, crítico e teatrólogo Ferreira Gullar morreu na manhã de ontem, no Rio de Janeiro, aos 86 anos. Gullar estava internado no Hospital Copa D’Or, na Zona Sul do Rio, com um quadro de insuficiência respiratória e pneumonia, apontada como a causa da morte. Nascido José Ribamar Ferreira, em São Luís (MA), em 10 de setembro de 1930, Gullar deixa a esposa, dois filhos e oito netos. Vários

Um dos mais destacados e importantes literatos da história da literatura brasileira, Ferreira Gullar passeou por vários campos da expressão poética, literária e crítica, quase sempre com um forte tom político. Avesso a rotulações binárias, usualmente se colocava no sentido contrário ao do poder em questão. Controverso em suas opiniões, colecionou desafetos e suas teses sobre a arte contemporânea, depois de anos militando na vanguarda, soavam como um adepto conservador do modernismo.

O poeta e professor de literatura mineiro Mário Alex Rosa destaca as contraduções da figura de Gullar. “Gullar foi e é tão grande poeta que soube na sua poesia dimensona-la em momentos mais difíceis de sua vida, em particular (Poema sujo), e na vida do país, mesmo quando fez ‘poesia social’ (João Boa-Morte cabra marcado pra morrer), num engajamento talvez exagerado, mas que parece que o próprio poeta reconheceu depois. Mesmo assim, o poeta foi verdadeiro. E isso é para poucos poetas”, diz, reconhecendo que tem divergências com as posturas mais recentes do maranhense.

Seu primeiro livro, depois renegeado pelo autor, foi Um pouco acima do chão, em uma edição de autor em 1949. Cinco anos depois, veio A luta corporal, este já com os primeiros esboços da poesia esteticamente ambiciosa em que ele trabalharia incansavelmente até Em alguma parte alguma e Bananas podres, dois de seus livros mais recentes.


Na década de 1950 e 1960, viveu intenso período produtivo, tendo importante papel, além de poeta, como crítico de artes plásticas e teórico das arte brasileira. Ele estava com os irmãos Augusto e Haroldo de Campos na Exposição Nacional de Arte Concreta, em 1956, considerada o marco inicial do movimento concretista, expressão poética fundamental do século 20. Porém, a contribuição foi breve: em fevereiro do ano seguinte, Gullar publicou um artigo no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil questionando as teses do movimento, e o rompimento viria em seguida.

A disputa entre “concretos” e “neoconcretos” sempre ocupou um campo mais ou menos nebuloso entre a intelectualidade, mas os ecos, que influenciaram muitas das expressões artísticas nacionais desde os anos 1960, chegaram até 2015, quando Augusto de Campos e Ferreira Gullar trocaram cartas agressivas em um jornal paulista.

Teve seus poemas musicados, por Caetano Veloso, Paulinho da Viola, Maria Bethânia, Fagner, Milton Nascimento, entre outros. Em 1976, ele lançou seu trabalho mais célebre, o Poema sujo – 100 páginas de poesia na sua mais alta expressividade política. Símbolo de resistência à ditadura, o poema chegou aos brasileiros primeiro por uma fita que pertencia a Vinicius de Moraes, trazida de Buenos Aires, onde Gullar estava exilado. Antes da Anrgentina, viveu no Chile até o golpe militar de Augusto Pinochet, em setembro de 1973.

Colecionador de prêmios, Gullar venceu o Machado de Assis da Biblioteca Nacional em 2005, e o Camões, o mais importante da língua portuguesa no mundo, em 2010. Era membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) desde 2014 – depois de anos dizendo que não aceitaria esta honraria.

 

O último moderno

Ferreira Gullar foi um homem que viveu na pele todas os dramas, paradoxos e contradições postos pela arte e cultura na passagem do século 20 para o 21. Como outros de sua geração, amou a arte moderna, mas, de fato, foi um homem que viu o nascimento da chamada arte contemporânea, terminologia brasileira para o que, em outros países, é posto sob o redutor rótulo de pós-moderno. Teoria do não objeto, de 1959, seu texto mais importante, hoje, é menos a afirmação da arte moderna brasileira, da qual a produção dos anos 1950 seria um capitulo singular, e mais um relato do surgimento, no Brasil, de objetos que transgridem todas as as regras e gêneros da arte.

Para Ferreira Gullar, essa história, como ele apresenta em Etapas da arte contemporânea (1998), tem sua origem no desejo de arte no mundo, não só como metáfora, cujo ponto de partida foi a pintura ao ar livre dos impressionistas, mas, especialmente, a produção dos cubistas, recofigurando a representação. O crítico deixou claro que essa prática, radicalizada, vai desembocar na abstração, berço (ao lado do surrealismo), goste ou não de Gullar, de todos os “não objetos” que vemos até hoje.

Ferreira Gullar inicia sua reflexao sobre as artes como meditação sobre os caminhos da pintura moderna e suas transformações. Mas, como muitos, fica perplexo com o que encontra (e vai ver ao longo dos anos 1960): uma redefinição radical do objeto artístico que, em suas versões tecnológicas ou desmaterialiadas, ele recusa. Como, para Gullar, vanguarda é um tema essencial para sair do subdesenvolvimento (basta ler o livro que se chama exatamente Vanguarda e subdesebnvolvimento), ele vai, primeiro, apostar numa estética que trabalhe com as formas populares, mas outros conteúdos. E mais tarde, simplesmente, negar qualquer expressão que não seja a praticada por seus amigos, pode-se acrescentar.

Quem melhor vocaliza o impacto das transformações artísticas sobre a geração que ama o primeiro (dos anos 1910) e o último modernismo (o dos anos 1950) é o italiano Giulio Carlo Argan (1909-1992). Ele confessa, no livro Arte moderna, que, ao tentar fazer uma história da arte moderna, acaba fazendo de fato uma história da morte da arte moderna. Depois de tecer duras criticas a arte dos anos 1960 (ele diz que onde se vê objetos estranhos nas galerias de arte, outrora havia arte), reconhece que o problema pode ser dele, dos critérios dele, e não da arte. Ferreira Gullar nunca fez o mesmo. Passou as últimas três décadas pregando contra o exprimentalismo e a vanguarda, com argumentos insustentaveis e ardor de quem foi um militante delas mesmas. 


POEMA SUJO
Leia trecho da obra de 1976:


    bela bela
    mais que bela
    mas como era o nome dela
    Não era Helena nem Vera
    nem Nara nem Gabriela
    nem Tereza nem Maria
    Seu nome seu nome era...
    Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia
perdeu-se na profusão das coisas acontecidas
    constelações de alfabeto
    noites escritas a giz
    pastilhas de aniversário
    domingos de futebol

    enterros corsos comícios
    roleta bilhar baralho
mudou de cara e cabelos mudou de olhos e risos mudou de casa
e de tempo: mas está comigo está
    perdido comigo
    teu nome
    em alguma gaveta


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