A quantidade de radiação chegou a ser 500 vezes maior que o mínimo suportado pelo corpo humano. No entanto, a desorganização atômica provocada pela explosão era invisível. Os soviéticos haviam sido preparados, durante décadas, para enfrentar um inimigo armado com tanques e bombas. E podiam até ser atômicas. Sabiam que precisavam correr para abrigos, se jogar contra o solo podia ajudar a evitar a onda de calor da explosão nuclear, seria necessário revidar e, para isso, precisavam (e tinham) coragem. Mas ninguém sabia o que fazer diante de uma ameaça silenciosa proporcionalmente mais letal que um conflito bélico. E foi assim que Chernobyl, a maior catástrofe nuclear da Europa no século 20, se tornou também o maior mistério a ser enfrentado pelo povo soviético.
Sobre esse mistério, a jornalista Svetlana Aleksiévitch preferiu se calar.
No livro, os relatos aprofundam uma história que o Ocidente nunca chegou a conhecer em detalhes e expõe o custo humano associado ao perigo nuclear, seja ele o de uma bomba ou o da produção de energia. A Guerra Fria vivia seus últimos dias e uma abertura para suas fragilidades não era exatamente um desejo do povo soviético. É, aliás, a condição soviética um dos pontos mais marcantes dos relatos. Quando o reator explodiu, a crença na tecnologia e na superioridade do país era tanta que muitos tiveram dificuldade em aceitar o fato como uma tragédia.
O governo foi negligente — Mikhail Gorbachev, que em seguida tocaria a Perestroika, levou nove dias para se pronunciar sobre ocorrido —, equipamentos de segurança não foram distribuídos para não semear o pânico e as medidas profiláticas para evitar o contágio com a radiação foram ignoradas pelo mesmo motivo. As evacuações das áreas contaminadas levaram 36 horas para ter início, a população não entendia o que se passava e muitos homens convocados pela cúpula militar foram enviados à região sem saber para onde estavam indo. Quem trabalhou ou viveu num raio de 30km da usina atômica ficou conhecido como “homem de Chernobyl” e, caso tenha sobrevivido, se transformou num estigma ambulante. Colhidos durante a década que se seguiu ao acidente e publicados em 1997, os relatos insistem em uma pergunta sem resposta: quem foi o culpado.?
No depoimento das mulheres — uma característica da literatura de Svetlana — e das crianças, estão os momentos mais tocantes do livro.
Chernobyl faz parte da história da própria Svetlana e seu relato permeia o livro. Nascida em maio de 1948, filha de um bielorrusso e uma ucraniana, ela acompanhou algumas guerras, frutos dos enfrentamentos entre o bloco comunista e capitalista. Esteve no Afeganistão em 1989 para voltar para casa desiludida com o ideal comunista no qual o pai a criara e que aprendera a venerar.
Vozes de Tchernóbil – A história oral do desastre nuclear
• De Svetlana Aleksiévitch. Tradução: Sônia Branco.
• Companhia das Letras, 384 páginas.
• Preço em torno de R$ 40.