Chico Buarque oficializa retirada de sua música do programa Roda Viva

Emissora recebeu comunicado extrajudicial esta noite, mas já havia anunciado 'mudanças previstas' na vinheta da atração. Tachada por muitos de 'chapa-branca', entrevista com Michel Temer exibida no programa deixou cantor desconfortável

por Agência Estado 23/11/2016 20:07

Instituto Moreira Salles/Divulgação
(foto: Instituto Moreira Salles/Divulgação)
Chico Buarque de Hollanda desautorizou a TV Cultura de continuar utilizando sua música Roda Viva como inspiração para o tema do programa de entrevistas do mesmo nome, que a emissora leva ao ar às segundas-feiras. O fator derminante para a decisão foi a entrevista exibida com o presidente Michel Temer do dia 14, que Chico e muitos consideraram"chapa branca". Adeptos desse ponto de vista chegaram a encampar uma campanha na internet pedindo que  cantor vetasse o uso de sua música na atração jornalística.

O músico já ensaiava a desautorização. Em 17 de novembro, sua assessoria deu a seguinte declaração ao site Jornalistas livres: "Ele tem um certo desconforto de ver a música dele em um programa que, nas últimas edições e já há algum tempo, é bastante diferente e desvirtuado do programa original, ele sente."

 

O cantor, no entanto, aguardava o final do contrato de cessão de direitos com a TV . Ao descobrir, porém, que não existia um contrato e que o acordo feito para o uso de sua composição na vinheta do Roda Viva era verbal, formalizado há anos com o produtor Fernando Faro, morto em abril, o compositor orientou seu advogado a acertar o rompimento.


Antes de receber a notificação, a emissora anunciou nesta quarta-feira, 23, que promoverá mudança na abertura do programa. “A TV Cultura, em comemoração aos 30 anos do Roda Viva, recentemente, reformulou todo o pacote gráfico e vinhetas do programa. Agora, dentre as ações já previstas de atualização da atração, passa a ter nova trilha sonora a partir desta segunda-feira, 28”, disse a emissora, por meio de um comunicado.

A canção Roda Viva foi classificada em terceiro lugar no III Festival de Música Popular Brasileira, entre setembro e outubro de 1967, ano em que foi lançada em seu álbum Chico Buarque de Hollanda - Volume 3. A canção foi escrita para a peça de teatro de mesmo nome, também de autoria de Chico Buarque. O espetáculo não tinha relação com política, mas com a trajetória de um cantor massificado pelo esquema da televisão. Em julho de 1968, a peça foi montada em São Paulo quando o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) invadiu o Teatro Ruth Escobar, depredou o cenário e espancou os atores.

Confira, na íntegra, a notificação extrajudicial encaminhada pelos advogados do músico à Fundação Padre Anchieta, que comanda a TV Cultura

 

 

NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL


de forma a prover a conservação e ressalva de seus direitos e para que tome conhecimento formal, inequívoco e incontestável, do quanto a seguir se relata.


1 Chico Buarque é autor da obra musical intitulada “Roda Viva”, composta em 1967 para a peça de teatro homônima, também de sua autoria, e que estreou no ano seguinte no Rio de Janeiro sob a direção de José Celso Martinez Correa. Em São Paulo, a montagem de Roda Viva, no Teatro Galpão, em Julho de 1968, foi encerrada com a invasão do teatro por membro do Comando de Caça aos Comunistas – CCC, a milícia paramilitar de apoio à ditadura, os quais espancaram o elenco e membros do público. Em Outubro do mesmo ano, a apresentação de Roda Viva em Porto Alegre foi impedida pela repressão do regime autoritário. Nesse contexto, a música tornou-se símbolo da luta contra o autoritarismo e a repressão.


2 A Marola Edições Musicais Ltda é a titular dos direitos patrimoniais de autor de Chico Buarque sobre a obra musical “Roda Viva”.


3 A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5°, inciso XXVII, assegura que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras”.


4 A Lei 9.610/98, também conhecida como Lei de Direitos Autorais, determina, no seu artigo 22, que “Pertence ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou”. Reconhece a melhor doutrina que ao autor a lei reserva prerrogativas de natureza patrimonial ou econômicas e moral. As prerrogativas morais, também conhecidas por direitos morais do autor, integram a categoria dos direitos da personalidade, os quais se revestem de caráter absoluto, sendo inalienáveis e irrenunciáveis conforme dispõe o artigo 27 do mesmo diploma legal.


5 Com o objetivo de assegurar ao autor o controle sobre o uso da sua obra, por quaisquer modalidades de utilização, o artigo 29, caput, da Lei 9.610/98, determina que “Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: (…) V – a inclusão em fonograma ou produção audiovisual”.


6 Além disso, a Lei 9.610/98 assegura aos autores o chamado direito moral de integridade, o qual vem previsto no seu artigo 24, inciso IV, que dispõe ser um direito do autor: “o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra”.


7 Foi diante deste contexto legal que Chico Buarque, em 2008, atendendo a um pedido de seu amigo já falecido, Fernando Faro, então funcionário da TV Cultura desta Fundação Padre Anchieta, concedeu autorização gratuita para que a TV Cultura utilizasse a música Roda Viva, de sua autoria, na vinheta do programa homônimo. Com efeito a TV Cultura vem, desde então, exibindo o programa Roda Viva sempre com a música Roda Viva na sua vinheta.


8 Não obstante, no exercício de seus direitos exclusivos, tanto de ordem moral como patrimonial, Chico Buarque e Marola Edições Musicais Ltda requerem a V. Sas. a retirada da música “Roda Viva” da trilha sonora do programa homônimo da TV Cultura, produzido e exibido por esta Fundação Padre Anchieta.


9 Requer-se, ainda, a apresentação, em até 48 (quarenta e oito) horas a contar do recebimento desta notificação, de eventual documento escrito contendo a autorização para a utilização da música em questão no programa Roda Viva.


Sem mais, para o momento, subscrevemo-nos.


Rodrigo Köpke Salinas

OAB/SP 146.814

Leo Wojdyslawski

OAB/SP 206.971


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