Adélia Prado completa 80 anos sem grandes celebrações

A escritora mineira prefere se recolher em sua casa, em Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas, escutando o galo cantar de madrugada

por Shirley Pacelli 13/12/2015 10:28
Quinho
(foto: Quinho)

“Busco escutar o que a poesia me pede”. Se ao completar 80 anos, hoje, a escritora mineira Adélia Prado revela procurar em seus versos o rigor do seu trabalho, é provável que essas mesmas palavras – repletas da beleza da simplicidade do cotidiano – tenham lhe dito para celebrar a data no silêncio de sua morada, em Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas Gerais. A escritora recusou inúmeros convites de homenagens. “Gosto de cidades pequenas, gosto de roça. E o mundo está hoje à mão a todo momento. Escutar o galo cantar na madrugada é um luxo para mim”, diz.

Adélia publicou seu primeiro livro de poesia, Bagagem, em 1976, quando tinha 41 anos. O lançamento, no Rio de Janeiro, contou com a presença do ex-presidente Juscelino Kubitschek. Em 1987, a atriz Fernanda Montenegro estreou o marcante espetáculo-solo Dona doida, um interlúdio, baseado em poemas da autora mineira. A última obra inédita de Adélia, Miserere, foi lançada em 2013. “Começa-se a escrever como alguém que descobre que sabe cantar ou representar. Há equívocos muito grandes. Só se descobre fazendo. Descobri já adulta”, explica a poetisa sobre sua estreia no universo literário.

Nos anos 1970, quando ainda atuava como professora em Divinópolis, ela enviou alguns poemas para o escritor Affonso Romano de Sant'Anna, então crítico literário. Das mãos dele, os versos chegaram ao consagrado poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade, que deu o “aval” de poeta à nova escritora. “Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: está à lei, não dos homens, mas de Deus”, escreveu Drummond em crônica publicada no Jornal do Brasil em 1975.

As palavras de Drummond eram o impulso que faltava à mineira para mergulhar em sua poesia. O cotidiano, a religiosidade e o feminino passaram a ser a tríade recorrente em sua obra, que conta com cerca de 25 livros, entre prosa e poesia – fora as traduções e participações em antologias.

Ainda como no trecho do poema Com licença poética, que abre o livro Bagagem, Adélia escreve o que sente – cumpre sua sina. "Tenho uma fé que é vital para mim. Para o crente, Deus nunca é uma citação, uma questão filosófica ou científica", explica.

O feminino também é parte essencial do repertório da mineira, mas ela rejeita rótulos. Questionada sobre o projeto #leiamulheres, criada pela escritora Joanna Walsh em 2014 para incentivar a leitura de escritoras, ela demonstra um olhar mais crítico. “Ele incentiva a leitura de apenas escritoras? Por quê? Mais uma bandeira? Não devia apenas incentivar a leitura? Não se pode fazer isso com os homens e com os leitores. Literatura feminina? Mais uma segregação”, resume enfática.

“Forçar a barra” com temáticas pré-escolhidas está fora do processo de criação de Adélia. Suas palavras vêm unicamente de sua inspiração. "O que me inspira é a vida", considera ela. Assim, a tragédia de Mariana a impressionou, mas não necessariamente se transformará em poesia. "Não é deste tipo de 'impressionamento' que é feita a arte. Ver uma calamidade nos impressiona primeiro como pessoa. Se aquilo vai virar poesia ou prosa tem a ver com outro tipo de reação. Há coisas maravilhosas e coisas horríveis sobre as quais nunca fui capaz de escrever", explica.

Da nova geração de autores, Adélia explica que há impossibilidades físicas e humanas que nos impedem de conhecê-los todos. “Cada autor tem no seu tempo os leitores que o reconhecerão. Mais não podemos fazer”, considera.


Perplexidade do cotidiano
Para o jornalista e escritor Affonso Romano de Sant'Anna, por não pertencer ao eixo Rio-São Paulo, Adélia trouxe uma visão que faltava à cultura brasileira, assim como Manoel de Barros, nascido no Mato Grosso. “É a visão do interior, da dona de casa, da mulher católica, da cozinha, da horta, da conversa das comadres. Poesia visceral, fala da vida dela”, diz. Ele ainda considera que, apesar do tema religioso e doméstico, Adélia não é ingênua, despreparada: “Apenas deu oportunidade a essa voz”, resume.

Constância Lima Duarte, professora de literatura brasileira da Universidade Federal de Minas Gerais, tem visão semelhante ao escritor. Para ela, Adélia criou a imagem de escritora interiorana, mas sua poesia revela uma profundidade de pensamento – justificada pela formação em filosofia da autora. “É como se fizesse uma persona. Divulgasse uma personagem de mulher tímida, do interior. Mas dá um show. Se expõe e domina a cena. Não é nada raso e superficial”, explica.

Ela destaca ainda perplexidade diante do cotidiano existente na poesia de Adélia. “Sua poesia, se pudesse resumir grosseiramente, tem coisa lúdica. Brinca com palavras, joga com emoções. É uma contista de mão cheia! Sem falar na poeta que ela é”, diz.

Maria Esther Maciel, poeta, ensaísta e escritora mineira, vê na espontaneidade de Adélia em articular erotismo, vida cotidiana e religião uma voz singular na cultura. “Ela conseguiu criar na poesia brasileira contemporânea um espaço único. Acabou por se configurar como ponto de partida para outras autoras. Tornou-se referência de outras gerações”, ressalta.

 


ELA POR ELAS

 

“A obra dela, principalmente a poesia, tem essa capacidade de carregar muito mais do que a palavra. Traz para gente sempre sensações e conjunto de valores que me trazem de volta a Minas. Ela sabe ser profundamente mineira sem ser caricata. Consegue falar comigo e com muita gente, falando sobre coisas simples que são grandiosas. Ela traz a mineiridade de uma forma que parece não intencional. As palavras vêm trazendo as montanhas. Vejo muito minha família. É muito difícil de conseguir com a literatura essa identificação. É aparentemente simples, mas existe essa sofisticação, o conjunto de memória de tanta gente.”

Isabela Noronha, escritora belo-horizontina vencedora do Curtis Brown Prize pelo projeto de Resta um


“Li Adélia Prado pela primeira vez nuns pequenos volumes da editora Nova Fronteira roubados da estante da minha mãe. Adélia passou a ser um gosto que a gente compartilhava. Alguns versos dela, inclusive, a gente usava como se usam provérbios, ditados populares: ‘Não quero faca nem queijo. Quero a fome’. É uma poesia como uma atenção extrema para o pequeno, o detalhe, que conjuga o concreto e o abstrato, em que o cotidiano surge atravessado, maravilhosamente misturado, com a experiência religiosa, mas uma religiosidade encarnada, terrena, ‘puro amor carnal’. E tem ali uma alegria difícil de encontrar na obra de outros poetas.”


Ana Martins, escritora belo-horizontina vencedora do prêmio APC 2015 (Associação Paulista de Críticos de Artes) por O livro das semelhanças


CELEBRAÇÃO PARA OS LEITORES

 

Edição de luxo
Para que os leitores celebrem os 80 anos de Adélia Prado, chegou às livrarias neste mês a nova edição de luxo de Poesia reunida (Editora Record), que traz poemas de O coração disparado, Terra de Santa Cruz, O pelicano, A faca no peito, Oráculos de maio, A duração do dia e Miserere. O volume ainda tem textos de Carlos Drummond de Andrade e Affonso Romano de Sant’Anna, além de posfácio de Augusto Massi. O livro, com 544 páginas, custa R$ 70.

Na tv
O Sesc TV homenageia a poeta com exibição do programa Sempre um Papo, gravado no ano passado e apresentado por Afonso Borges. Com direção de Alfredo Miranda, o programa aborda os principais temas da obra da escritora, além de sua visão sobre temas contemporâneos. Hoje, às 19h, no Sesc TV. Canal 128 da Oi TV ou on-line em sesctv.org.br/aovivo.


 

 

 

 

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