Encenador mineiro Eid Ribeiro fala de paixão pelo teatro experimental e elogia produção local

Para o diretor, intensa produção de Minas é a melhor do país por causa da formação de grupos

por Carolina Braga 29/06/2014 10:00

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Euler Júnior/EM/D.A Press
"Tenho vontade de fazer alguns autores que mexem profundamente comigo. Que tenham a ver filosófica, política ou socialmente" - Eid Ribeiro (foto: Euler Júnior/EM/D.A Press)

Dos tempos em que era lanterninha de cinema, o diretor Eid Ribeiro lembra com um sorriso tímido no canto da boca. Foi em São Sebastião do Paraíso, no interior de Minas, aos 14 para 15 anos, no fim da década de 1950. “Assistia a todos os filmes. Na época, era cinemascope com a tela larga, tinha seriados nos fins de semana. Aí me apaixonei”, conta. O impacto da tela foi tão grande que o desejo inicial era ser ator de cinema, um James Dean, talvez, com jaqueta vermelha e aquele ar de adolescente revoltado.

Quem hoje conhece Eid como um dos diretores mais importantes da cena mineira sabe que os planos da juventude mudaram um pouco de curso. Ele é um homem de teatro. O que não parece ter alterado desde aquela época é a vontade de fazer a revolução. Hoje com armas diferentes dos rojões lançados à polícia da ditadura militar. A produção tem andado intensa.

Relatório para uma academia, peça com direção dele e Kimura Schetino no elenco está em cartaz no Centro Cultural do Banco do Brasil. Em 13 de agosto, estreia a nova montagem feita com os atores do Grupo Armatrux: Thacht, com texto também de sua autoria. O próximo projeto, com estreia prevista para o segundo semestre, é uma compilação de contos de Tennessee Williams. Na última edição do Festival Internacional de Teatro Palco e Rua de BH, foram pelo menos duas montagens com assinatura dele em cartaz: John e Joe, do Grupo Trama, e De banda pra lua, também do Armatrux.

Identidade


Eid Ribeiro nasceu em 1943, em Caxambu, no Sul do Estado, mas na carteira de identidade consta Baependi, a cidade vizinha. “O dono do cartório de Baependi era amigo do meu pai. Aí ele me registrou de graça”, conta. Com a família viveu em Poços de Caldas – onde foi ajudante de garçom –, Passos, São João del-Rei, Guaxupé, Muzambinho e São Sebastião do Paraíso. O pai era fiscal do governo federal e, por isso, a família passava temporadas em cidades diferentes.

Quando se mudou para Belo Horizonte, aos 16 anos, começou a trabalhar como mecanógrafo em um banco. Alinhado com o pensamento de esquerda, era colaborador do sindicato da categoria e na pensão onde morava estreitou amizade com quem o batizou no universo teatral. “Morava com o ator Joaquim Soares, aluno do Teatro Universitário da UFMG (TU), e ele me apresentou o Haroldo Santiago. Eles estavam procurando atores para a montagem de Eles não usam black tie. Não tinha experiência alguma e aceitei”, conta.

Enquanto apareciam outros convites para o teatro amador, o sonho do cinema também caminhava. Eid era militante do Polop, Política Operária, grupo do qual também fazia parte a presidente Dilma Rousseff. “Comecei a fazer um curta-metragem como ator. A Dilma participava do roteiro. Fomos em Sabará para começar a rodar. Escolhemos a locação e fizemos as fotos, mas aí degringolou tudo”, diz.

Era 1964. Quando vivia a efervescência política e artística, aos 20 anos, Eid Ribeiro foi diagnosticado com tuberculose. Internou-se para tratamento no Sanatório dos Bancários, no Bairro Padre Eustáquio, e ali ficou por seis meses. “Durante esse internato, acompanhava pela televisão quem era preso, quem não era, o que estava ocorrendo”, lembra. Para quem estava recluso, restava ler e fazer teatro. Tendo outros internos como atores, Eid Ribeiro estreou como diretor na montagem de A farsa do advogado Patelim, apresentada no sanatório.

“O teatro salvou a minha vida. Faço para não ficar louco. Em resumo: a minha terapia é o teatro”, constata. A trajetória dele nas artes cênicas começou efetivamente em 1965, quando se matriculou no curso do TU na mesma turma de Neville D’Almeida, Ezequiel Neves, Alcione Araújo, José Antônio de Souza e outros. A primeira montagem fora da escola foi A vida impressa em dólar, de Clifford Odets, que marca o início do grupo Geração, em 1967.

Produção intensa


Como era comum na época, na expectativa de dedicação exclusiva ao teatro como ganha-pão aceitou convite do diretor Amir Haddad para ser codiretor de montagem do grupo A Comunidade, no Rio de Janeiro. Na capital fluminense, vendeu óleo de coco na praia, trabalhou como publicitário e repórter de O Jornal. “Subia no elevador com caras que eu detestava, tipo Carlos Lacerda”, conta. A ideologia falou mais alto, largou tudo e voltou para Belo Horizonte.

Entre as décadas de 1980 e 1990, foi um período de produção intensa como diretor e dramaturgo. Eid Ribeiro colaborou com o Transforma – Grupo Experimental de Dança, o Grupo Carne e Osso, mais tarde transformado em Cia Absurda, com quem fez o musical Hollywood bananas, inspirado nas chanchadas da Atlântida e nos musicais da Metro. Ribeiro também trabalhou com o Grupo Galpão em duas ocasiões: escreveu e dirigiu Corra enquanto é tempo, para rua, e também a montagem do texto de Nelson Rodrigues Álbum de família. A lista de montagens vai muito além disso. Afinal, são 50 anos de carreira.

MODUS OPERANDI  

“Tenho vontade de fazer alguns autores que mexem profundamente comigo. Que tenham a ver filosófica, política ou socialmente. Autores que me deslocam do cotidiano; por meio deles eu me reconheço, aprofundo, ou conheço mais o mundo”, diz. Da época em que viveu no Rio de Janeiro, lembra o quanto necessita de um tempo diferente para criação. Se lá a moda é levantar uma montagem em dois meses, por exemplo, Eid reconhece que ele não funciona assim.

“Comigo são nove, 10 meses, um ano para fazer um espetáculo. É o que me levou a trabalhar com o Grupo Armatrux. Tenho liberdade e tempo de maturação para o espetáculo. Nunca sei o que vou fazer”, reconhece. A parceria com a companhia já completa sete anos e, em agosto, somará três espetáculos. O primeiro foi o infantil De banda pra lua (2007), seguido do premiado No pirex (2011).

Esta montagem, por exemplo, levou um ano. “Não sabia o que queria fazer. A única coisa que queria era um espetáculo que se passava em um restaurante, com prato, talher, copo”, conta. Diz ele que, guardadas as devidas abstrações, o processo é sempre permeado de improvisações de ambos os lados. “Tenho paciência com os atores e eles têm comigo”, completa.

Para Eid Ribeiro, o teatro mineiro é um dos melhores do Brasil por causa da formação de grupos. É com essa turma que ele gosta de trabalhar. Com quem tem sintonia, comprometimento com a pesquisa e, assim como ele, curiosidade para o novo. “Gosto de dirigir para experimentar coisas que nunca fiz anteriormente. Sou um anarquista, graças a Deus.”

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Urgências do Fit


Desde 1994, Eid Ribeiro passou pelo menos uma década afastado da direção teatral. Foi o período em que atuou como um dos curadores do Festival Internacional de Teatro Palco & Rua de Belo Horizonte, o Fit, na equipe coordenada por Carlos Rocha. Agora, afastado da função desde a edição de 2006, o diretor analisa com o distanciamento necessário algumas urgências relacionadas ao festival.

“O principal é não deixar acabar”, destaca. Para ele, há sempre uma dependência do jogo político que compromete o evento. “Estamos na mão de uma burocracia infernal”. Segundo Eid, desde o tempo em que trabalhava na curadoria, o Fit pleiteava espaço próprio, inclusive para organização do acervo de materiais reunidos pelo festival. “Ninguém sabe onde está o acervo. Sempre quisemos ter tudo e não conseguimos. Há má vontade da Cultura, o não reconhecimento do Fit na cidade”, critica.

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»  Thacht, com Grupo Armatrux (estreia prevista para agosto)

»  Fragmentos de Tennessee, com Fábio Furtado e Cristiano Peixoto (estreia prevista para novembro)

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