'Através da sombra', de Walter Lima Jr., revela outra faceta da obra do diretor fluminense

Novo longa-metragem do cineasta é adaptação de livro clássico de Henry James

por Walter Sebastião 25/01/2016 09:00
Agência Febre/divulgação
Cena de 'Através da sombra', cuja estreia no circuito comercial brasileiro está prevista para maio (foto: Agência Febre/divulgação )
Tiradentes
– Pode-se dizer que os injustamente poucos aplausos ao final da projeção de 'Através da sombra', novo filme de Walter Lima Jr., que foi exibido na 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes, significaram, de fato, um susto diante do que se viu na tela. Afinal, acostumados ao lirismo “nacionalista” e ponderadamente dramático das produções do realizador, os espectadores foram colocados subitamente, por mais de hora e meia, frente a frente com o horror de uma trama em que nunca se sabe o que é bom, mau, certo, errado ou loucura.

O filme começa leve, com a história de sabor algo altruísta sobre Laura (Virginia Cavendish), professora que tem de educar dois jovens órfãos, herdeiros de uma fazenda de café. Aos poucos, situação e comportamentos vão sendo corroídos pela dubiedade vinda da dissimulação e manipulações até se tornarem pesadelo – com direito à aparição de fantasmas, que só intensificam a dramaticidade e levam ao trágico final. O longa é uma adaptação de A outra volta do parafuso, obra clássica e perturbadora de Henry James (1843-1916), escritor norte-americano naturalizado britânico.

Sabe-se que fantasmas carregam o que já foi chamado de retorno do recalcado. O que se vê na tela é a reaparição, sob forma de pesadelo, de violências, conflitos físicos e sociais também (e especialmente) em sua dimensão psíquica – seja a sensualidade, o mundo das crenças, as disputas de poder ou as relações interpessoais entre dominantes e dominados. Tais questões se cruzam, criando um teatro social que o espectador espia pelas frestas, suspeitando de perversidades que nunca consegue confirmar.

Através da sombra se volta para temas eternos, como os aspectos obscuros do ser humano que nenhum esclarecimento pacifica. Também detalha ritos de passagem entre ordens sociais (os mundos rural e urbano) e entre os séculos 19 e 20, pontuando traumas fundadores que tendem a ser desconsiderados por visões excessivamente sociológicas. E o faz com movimentos de câmera que deslizam sobre contextos, corpos, confrontos, o dito e o interdito, argumentando sobre a “alma” a partir de matéria histórica.

O impacto do filme, cuja estreia no circuito comercial está prevista para 19 de maio, tem bons motivos. Primeiro, a atuação exuberante de todo o elenco, das crianças aos adultos, absolutamente afinados, apresentados com fotografia e música deslumbrantes. Em segundo lugar, pela intimidade de Walter Lima Jr. com a linguagem cinematográfica. Ele é diretor com gosto por contar histórias e por narrações que, além de envolventes em si, estimulam a fruição em quilates mais delicados, extrapolando a diversão.

Resumindo: ver este filme é tão bom quanto conversar sobre tudo o que ele leva para a tela.

O repórter viajou a convite da organização do evento

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