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Variedade climática e de ecossistemas fazem do Chile um paraíso gastronômico

Pastos verdes, a produção de queijos e a gastronomia fazem combinação perfeita para quem busca lugar bucólico para descansar ou fazer uma viagem romântica

Márcia Maria Cruz

- Foto: Martins Bernetti/AFP PHOTO

Aos pés da Cordilheira dos Andes descansam vales agrícolas, de onde saem os vinhos que dão fama ao Chile como um dos melhores produtores do mundo. Não bastassem as imponentes cadeias montanhosas, a costa do Pacífico oferece pescado e frutos do mar frescos. Para completar, vales verdes, bosques nativos e o Deserto de Atacama. O Chile tem 4,3 mil quilômetros de extensão da fronteira com o Peru, ao norte, até o Estreito de Magalhães, ao sul, o que permite ao visitante desfrutar de geografia única e de paisagens bem diversas. Quem vai do Atacama, considerado o mais seco do mundo, à Patagônia chilena pode até pensar que mudou de país. Mas como os pequenos tremores são bem comuns por lá, a diversidade de paisagens é uma das características que conferem identidade ao país latino-americano.

- Foto: Márcia Maria Cruz/EM/D.A Press A variedade climática e de ecossistemas fazem do país um paraíso gastronômico. O grupo de rock Paralamas do Sucesso em uma canção chama a atenção para uma das iguarias do Chile. Ao cantar uma “ostra chilena, um beijo em Paris”, o grupo certamente coloca em pé de igualdade duas experiências inesquecíveis: degustar a culinária chilena é tão excitante quanto viver um romance na Cidade Luz.
O sabor único do molusco é explicado pela corrente fria do Pacífico. Mas o país tem muito a oferecer: vinhos de alta qualidade e uma gastronomia que busca se firmar internacionalmente.

- Foto: Márcia Maria Cruz/EM/D.A Press O chef Francisco Javier Mandiola Camus, um dos mais renomados do país, que está à frente do Restaurante Fuy, em Santiago, acompanhou um grupo de jornalistas de todo o mundo em uma viagem gastronômica de norte a sul do país. E uma conclusão é certa: de ponta a ponta, come-se e bebe-se muito bem no Chile. A capital, Santiago, a Ilha de Chiloé, Vale do Limarí, Maule e a cidade de Valparaíso, considerada patrimônio da humanidade, são destinos que oferecem o melhor da gastronomia chilena. E não visitar uma das vinícolas é cometer uma heresia em país que produz vinhos de complexidade e sabor.

Ao chegar a Chiloé, a quinta maior ilha do Oceano Pacífico, não é improvável ser recebido por um arco-íris. O arco multicor emoldura a vista do Pacífico e os vales típicos de regiões frias. O local é um desses paraísos que encantam pela paisagem, gastronomia e, acima de tudo, pelos costumes de seus habitantes. A Província de Chiloé é composta pela ilha grande e outras pequenas, localizada na Região de Los Lagos.

- Foto: Marlyana Tavares /EM/D.A Press A capital Castro se destaca pela arquitetura. Em toda a orla, casas de palafita formam um mosaico colorido. E o charme fica maior devido aos restaurantes, de onde se pode ver a variação da maré. No entanto, chegar à ilha não é uma tarefa das mais fáceis. A melhor opção é seguir de voo partindo de Santiago até Puerto Montt, ao sul do Chile, na Região dos Lagos. De lá, segue-se de carro e em uma balsa para atravessar o Canal de Chacao, no Pacífico.
Vale a pena chegar à Patagônia chilena. Na travessia, a surpresa fica por conta das focas, que dão o ar da graça e encantam os turistas.

- Foto: Ignácio Meriggio/Divulgação COM O CLIMA A FAVOR

O Chile é famoso pela qualidade e diversidade de vinhos, mas o país ostenta excelência quando o assunto é cerveja e pisco. Reconhecido em todo o país pela produção climática, o Vale do Limarí conta com adegas, vinícolas e cervejarias que impulsionam o turismo gastronômico na Rota do Limarí. Com dias muito quentes e noites frias, o vale guarda as condições ideais para o cultivo de uvas, usadas na produção de vinho e pisco. Se para outras atividades econômicas o clima pode ser um empecilho, para a produção de vinhos é algo favorável, uma vez que a oscilação térmica acentua as propriedades da uva.

- Foto: Um processo exclusivo de produzir a cerveja Atrapaniebla chama a atenção por ser inusitado e pelo sabor da bebida. Acreditando que água é um dos segredos de uma boa cerveja, os irmãos e engenheiros-agrônomos Marco Carcuro, de 27 anos, e Miguel Angel Carcuro, de 30, para melhorar e garantir a qualidade da matéria-prima criaram um sistema de captação da névoa antes que ela chegue ao solo. Eles instalaram coletores sob a forma de telas que capturam a água da névoa. As estruturas ficam na reserva ecológica Cerro Grande, comunidade agrícola de Peña Blanca, província costeira no Limarí.

“Resolvemos produzir cerveja porque amamos drinques. Quando as pessoas bebem, ficam felizes”, diz Miguel. As melhores épocas para a produção são o verão e a primavera.
A cerveja Atrapaniebla apresenta uma espuma âmbar dourada, é marrom-claro ligeiramente turva. Com aroma de média complexidade, apresenta doçura do malte e leves toques de caramelo e também notas frescas de torrado e pequeno toque de sal. No alto do monte, foram instaladas telas que captam a água das nuvens, que, canalizada, segue para a fábrica, na parte plana do vale. Em cinco dias, é possível capturar até 1 mil litros d'água. Todo o processo foi pensado a partir de princípios de sustentabilidade ambiental. Tudo é feito em acordo com a natureza e o que ela oferece. Pelo processo de captação da água e produção artesanal, a cerveja virou iguaria nos restaurantes gourmet de Santiago. “O segredo da boa cerveja é a responsabilidade na produção. A água é para a cerveja o que o terrois é para vinho”, diz Marco.

A primeira cerveja chilena, a Cerveja Altamira, foi produzida na cidade de Valparaíso no século 19. A bebida chegou ao Chile devido à abertura dos portos a outras nações, e não apenas à colonizadora Espanha. “Em 1813, Valparaíso se tornou um dos mais importantes portos dessa região do mundo, no Pacífico”, lembra o proprietário da cervejaria mais antiga do país, Sérgio Moran. Muitos britânicos e alemães foram para a cidade. O hábito era tomar vinho e água ardente, mas o imigrante irlandês Andrés Blest mudou a história introduzindo a produção da cerveja. Atualmente, funciona no prédio de 1885 um restaurante, onde se podem fazer degustações da bebida, que é produzida levando-se em conta o modo artesanal.

SERVIÇO


»  Atrapaniebla

www.atrapaniebla.cl

» Pisco Waqar

www.piscowaqar.cl

» Cerveja Altamira

cerveceraaltamira.cl

MOLDURAS ENCANTADORA


- Foto: Márcia Maria Cruz/EM/D.A Press Em Chiloé, não se pode deixar de visitar uma fazenda de criação de ovelhas. Os campos verdes, o clima frio e as ovelhas no pasto formam um cenário que faz até o mais sisudo dos adultos agir como criança. Luís Alberto Gallardo, de 70 anos, orgulha-se do quanto os cães pastores são adestrados. Ao menor som da boca do fazendeiro, os fiéis escudeiros pastoreiam o rebanho. Luís vive com a mulher, Sônia Andrade, de 55 anos, e os quatro filhos na Fazenda El Esfuerzo, com 46 hectares, sendo a metade deles destinada ao pastoreio. Nos pastos, ovelhas da raça chilota, texel, llata e sufordal.

- Foto: Márcia Maria Cruz/EM/D.A Press UM CHARME SÓ
Os pastos verdes, a produção de queijos e a gastronomia fazem combinação perfeita para quem busca lugar bucólico para descansar ou fazer uma viagem romântica. A rede hoteleira aposta nesse charme para atrair os casais em lua de mel. Mesmo na primavera, a região é fria. Então, é bom se preparar para temperaturas de moderadas a baixas. Mas, definitivamente, o clima não é problema. Ao contrário, só faz com que o vinho e o cordeiro sejam experiências essenciais da viagem. A chamada cultura do fogo ordena os costumes e os hábitos da localidade. A gastronomia é uma boa entrada para conhecer os costumes locais. Mais do que uma experiência gastronômica, comer curanto, prato típico da ilha, é entrar na história do local. O assado de carnes bovina e suína e frutos do mar é preparado embaixo da terra. O modo de fazer é típico das mingas, uma celebração comunitária que celebrava a colheita ou o sucesso da mudança das casas.

- Foto: Márcia Maria Cruz/EM/D.A Press PRODUÇÃO DE QUEIJO E EMBUTIDOS


Paulo Belmar Pindaco tem barba e cabelos longos e grisalhos. Usa camisa xadrez e recebe com sorriso estampado no rosto todos que chegam à sua propriedade. À primeira vista, não tem como não relacionar as feições desse pequeno produtor à imagem popularizada de Papai Noel. E de fato Paulo tem algo de mágico. Se não é capaz de entregar presentes em todo o mundo como o bom velhinho, ele se tornou mago na produção de queijos e embutidos. A fábrica fica ao lado da residência da família Pindaco, na Ilha de Chiloé. “Temos aqui um verdadeiro tesouro”, diz em referência ao queijo exclusivo. Ele tem consciência de que é algo inovador, mas sabe também da necessidade de abrir espaço no mercado para esse tipo de produto.

Ele lembra que, no Chile, é costume comer o queijo fresco, mas, por ser observador, resolveu investir na produção de queijos curados. “Nos supermercados, quando o queijo começa a curar eles os escondiam”, diz. Ele foi na direção contrária à indústria, que produz queijos frescos e padronizados. Paulo aposta na produção com saberes únicos e garante que são queijos com características únicas. “Antigamente, os espanhóis traziam queijos e embutidos maduros.” Com o passar do tempo, na avaliação de Paulo, os produtos maturados perderam a preferência na mesa dos chilenos, mas o seu trabalho objetiva mostrar como os queijos maturados são um tesouro da gastronomia. “O código sanitário dizia que era decomposição. Mas na França temos queijos de até 100 anos.” Outro esforço de Paulo é para que o queijo possa ter denominação de origem, o que valorizará ainda mais a região tanto do ponto de vista comercial como turístico.

Valparaíso é apresentada na obra de uma das mais importantes escritoras latino-americanas. No romance Paula, Isabel Allende conta o drama vivido pela filha e volta às memórias da infância e juventude. A cidade aparece como um dos lugares preferidos da escritora. Balneário onde ela passou momentos inesquecíveis. Não tem como aportar na cidade, que é uma das mais importantes do Chile, sem pensar que aquelas ruas foram percorridas por Isabel e pelo poeta Pablo Neruda. A casa onde o poeta viveu parte da vida é uma das principais atrações turísticas da cidade portuária. Tamanha beleza e importância foram reconhecidas pela Unesco, que elegeu a cidade como patrimônio da humanidade.

Valparaíso é dessas cidades míticas, onde é preciso pisar pelo menos uma vez na vida. E de fato a cidade respira cultura. O que, em muitas cidades causa incômodo, em Valparaíso virou atração turística. As paredes, os muros e até mesmo as escadas recebem profusão de cores em traços de artistas urbanos. Os grafites e pichos estão por todos os lados. Alguns painéis ocupam fachadas de edifícios. Os urbanistas e arquitetos incorporaram em seus projetos a topografia das colinas.

- Foto: Márcia Maria Cruz/EM/D.A Press CASA DO POETA

A assinatura “Selmmy e Cinthia” pode ser vista em diferentes edificações. É de casal de grafiteiros que se dedica à arte urbana. “A importância do grafite em Valparaíso é posicionar a arte urbana no espaço público como cultura e arte”, diz Cinthia Aguilera Spinosa, de 28 anos, que há 13 se dedica à arte urbana. Uma das poucas mulheres grafiteiras, a jovem lembra que não é uma tarefa fácil. Embora se receba o apoio da comunidade para decorar as paredes e muros, ela lembra que é difícil conseguir ser remunerado pela tarefa. A jovem, porém, reconhece que seus trabalhos viajam mundo afora a partir das lentes de turistas que se encantam com o que veem.

- Foto: Márcia Maria Cruz/EM/D.A Press O que visitar


» Casa Pablo Neruda

Rua Ferrari, 692, Cerro Bella Vista
• Aberta de terça-feira a domingo, das 10h10 às 18h

» Vinícola Gillmore

www.gillmorewines.cl

» Vinícola Tabali

www.tabali.com

» Vale do Encanto

Independencia, 518, nº 16
Ovalle

Onde ficar

» Casa Higueras Hotel
Calle Higuera, 133, Cerro Alegre
www.casahigueras.cl

PASSEIO PELAS VINÍCULAS


A degustação de vinhos é porta de entrada para a gastronomia diversificada, que oferece de frutos do mar às mais nobres carnes, como cordeiros. Os roteiros para o Chile devem incluir visita a vinícolas, onde é possível conhecer a plantação, saber do histórico da uva e, obviamente, degustar os vinhos.

Na região do Maule, produtores se uniram para criar uma denominação de origem para os vinhos feitos a partir da uva carignan. As primeiras plantações foram feitas depois do terremoto em Chillán em 1939, quando os pequenos produtores viram no cultivo da uva a oportunidade de reconstruir a vida. Um grupo de pequenos produtores foi para a região, que apresentou vocação para a produção de vinhos.

Os vinhos não serão conhecidos pelos produtores, mas por essa denominação de origem. O clima seco da região do Maule é perfeito para a cultura dessas videiras. Esse tipo de uva era usado originalmente para dar cor e volume para os vinhos, mas a carignan ganhou status quando os produtores dessa região começaram a cultivá-la para produção de vinhos. O plantio é feito em uma área seca, o que exige muito das parreiras. Por consequência, as uvas ganham nos sabores. “O clima é muito quente, durante o dia, mas o vento do oceano vem à noite para refrescar os frutos”, diz o proprietário da vinícola Gillmore, Andrés Gillmore. A vinícola recebe os turistas em um casarão aconchegante, que fica à beira de um lago e aos pés de uma montanha.

Ao norte, no Vale do Limarí, a vinícola Tabalí, que ostenta o título de melhor vinícola do país, foi fundada no século 18 por dom Guilherme. Ao longo dos anos a produção se modernizou e, atualmente, segue uma escala industrial com a produção de 600 mil barris por ano. A proximidade com o Deserto de Atacama e com o Oceano Pacífico e a presença da pedra caliza (uma rocha sedimentária rica em carbonato de cálcio) contribuem para o terroir. No vale, chove em média 80 milímetros ao ano, concentrados nos meses de julho e agosto. Essa condição permite o manejo sustentável das plantações. Ao visitar a vinícola, é possível conhecer, bem perto dali, o Vale do Encanto, um dos mais importantes sítios arqueológicos, localizado a 24 quilômetros da cidade de Ovalle. Nesse sítio, há pictografias e petróglifos (imagens gravadas nas rochas) feitos por indígenas há mais de 2 mil anos. O local era usado para a realização de cerimônias religiosas. A representação das constelações celestes, esculpidas nas pedras por meio de furos, se tornaram um ponto turístico muito visitado.

*A repórter viajou a convite da ProChile


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