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Estado de Minas

'Neblina' discute o sentido da vida e a experiência da morte

Peça que tem Fafá Rennó e Leonardo Fernandes no elenco, sob direção de Yara de Novaes, faz temporada no CCBB-BH a partir desta sexta (10)


10/01/2020 06:00 - atualizado 10/01/2020 07:22

Fafá Rennó e Leonardo Fernandes em cena da montagem dirigida por Yara de Novaes, que estreia hoje no CCBB-BH(foto: Guto Muniz/Divulgação)
Fafá Rennó e Leonardo Fernandes em cena da montagem dirigida por Yara de Novaes, que estreia hoje no CCBB-BH (foto: Guto Muniz/Divulgação)

Uma mulher tem um problema mecânico em seu carro, numa estrada deserta durante a noite, e caminha em busca de ajuda. Ao encontrar uma casa iluminada, bate à porta e é recebida por um homem introspectivo e pouco amigável, mas que lhe oferece abrigo. Ao longo da madrugada, a conversa entre eles é profunda e densa, como sugere o título de Neblina, peça que estreia nesta sexta-feira (10), no CCBB-BH. A ideia original foi concebida pelo ator Leonardo Fernandes, porém, reduzida a apenas uma imagem que tinha em mente, relacionada a um acidente de trânsito. Ele procurou o amigo e premiado dramaturgo Sérgio Roveri, vencedor do Shell de Teatro de melhor autor por Abre as asas sobre nós, em 2007, para transformá-la em texto. E assim Neblina ganhou forma, somando ao projeto a diretora Yara de Novaes e a atriz Fafá Rennó. 
Contando ainda com produção de Tatyana Rubim, cenário de André Cortez e trilha sonora original por Dr Morris, a peça se consolidou como um projeto bem coletivo, resultante da soma dos esforços criativos dos envolvidos. “Sérgio e eu queríamos trabalhar juntos há um tempo. Essa imagem que eu tinha foi apenas o start, não dei a ele nada em termos de história, foi tudo dele. E, depois, com a direção da Yara, que potencializou isso ao máximo, o resultado é muito melhor do que aquilo que eu mostrei no início”, afirma Leonardo Fernandes, que em 2016 venceu o prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor ator de teatro com o monólogo Cachorro enterrado vivo.

Apesar da independência de Roveri para criar a história, o dramaturgo confidencia que o ator colaborou, por meio de outro talento artístico. “Tudo começou com essa ideia, uma faísca. A partir dela, comecei a imaginar o que poderia acontecer. Aí descobri que o Leonardo desenha muito bem. Então, propus a ele que, assim que eu escrevesse as primeiras cenas, iria mandá-las para ele, e ele faria um desenho sobre cada uma. Ele produziu coisas lindas e esses desenhos me ajudaram a definir esse clima que a história teria, que é mais denso. Assim surgiu Neblina. Do meio para a frente, foi um processo solitário de escrita”, conta Roveri, que não assistiu a nenhum dos ensaios e conhecerá o resultado final nesta sexta-feira.

O autor recebeu apenas um pedido sobre o enredo: que não fosse um monólogo, já que Fernandes vinha de um trabalho assim (Cachorro enterrado vivo). Por isso a história dá conta de um longo diálogo dramático entre Diego, personagem de Fernandes, e Sofia, a mulher do carro quebrado, interpretada por Fafá Rennó, e acolhida por ele depois de certa relutância. Em cena, os dois passam uma madrugada inteira, marcada por forte nevoeiro, compartilhando e discutindo questões existenciais em torno da finitude da vida e de todas as coisas. Dessa forma, o título da peça ganha um significado metafórico especial.

PERSONAGEM 

“A neblina, o fenômeno climático, tem um papel fundamental na história. É um terceiro personagem. Além de ela trazer esse clima sombrio e denso, influi na condição da história por dois motivos: ela atrapalha a visão e causa insegurança, por mascarar a realidade. A neblina surge como surpresa para os personagens, que precisam se adaptar a ela, colocando para quem assiste a dúvida sobre quem eles realmente são”, explica Roveri, que entende a trama como um thriller, pelas doses de mistério que apresenta nesse contexto.

Na construção coletiva de Neblina, a história imaginada por ele ganhou camadas filosóficas pelos olhares dos outros artistas envolvidos na montagem. Ao interpretar Sofia e compartilhar com o público as angústias da personagem ao longo da estranha noite em que a ficção se desenrola, Fafá Rennó diz ainda estar “em processo” de entendimento, sem uma certeza clara sobre um ponto central. Ela ainda acredita que a originalidade do teatro, com a espontaneidade do momento específico em que a peça é apresentada, ressignifica a história a cada sessão.

 “Essa peça veio me provocar muitas coisas. Muitos pensamentos em torno da vida e da morte. Yara nos propôs a leitura do Livro tibetano do viver e do morrer (de Sogyal Rinpoche), colocando muita coisa do budismo, como uma filosofia de vida. Isso me abriu muitos caminhos sobre como lidar com as perdas e como as coisas não são fechadas e estão sempre mudando. Ela fala sobre como estamos em constante movimento e passamos por momentos de rupturas, perdas e sobre como podemos evoluir com isso, entender, aceitar melhor, sem deixar de viver o agora”, afirma a atriz, que, assim como Leonardo Fernandes, era convidada a meditar antes dos ensaios, como parte do processo criativo proposto pela diretora.

FINITUDE

“Neblina investiga o que é o sentido da vida, a nossa relação com o que chamamos de finitude. A partir daí comecei a pensar, desejando um espetáculo que fizesse emergir toda a metáfora que o texto tem. Ele parece trabalhar em um campo realista, no entanto, no fim desse texto você compreende que é pura metáfora. O que fizemos foi criar um espaço sonoro e visual de grande significação, quase ritualístico. Um espaço espiritual no campo do inefável. Essa é a grande essência da encenação, a partir de um texto que faz perguntas sobre o que é esse sentido da vida”, afirma a diretora. 

Sobre a introdução das ideias do budismo na construção da montagem, ela diz que foi “como se pegássemos o texto da peça e o cobríssemos com todos os pensamentos do Livro tibetano do viver e do morrer”. Para Yara, “existe ainda um conflito muito grande. Na perspectiva ocidental, aprendemos nas escolas, nas igrejas, nas ruas a compreender a morte como algo muito tenebroso, um castigo. E essa percepção do budismo é muito libertadora. Quanto mais compreendemos a existência da morte, mais libertos ficamos”. Neblina fica em cartaz em BH até fevereiro e, neste ano, ainda será apresentada em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Brasília. 


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