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Estado de Minas

Saiba como a ideia do 'teatro de grupo' chegou ao texto e à direção

Cresce o número de espetáculos cuja dramaturgia é criada coletivamente. Adeptos da tendência dizem que formato é mais difícil de executar, mas resultado traz visão ampliada


12/07/2019 08:00 - atualizado 12/07/2019 08:53

(foto: ELMO GOMES/DIVULGAÇÃO)
(foto: ELMO GOMES/DIVULGAÇÃO)

Para colocar uma peça no palco, além do elenco é necessário o trabalho de toda uma equipe de profissionais de iluminação, técnica, figurino, produção e direção. A ideia de que as artes cênicas são uma criação coletiva tem se estendido até a direção e a dramaturgia, áreas tradicionalmente atribuídas a uma única figura criativa. Ao menos dois espetáculos que serão apresentados em BH neste fim de semana foram concebidos em grupo, exemplo de uma tendência que tem se ampliado no cenário do teatro nacional.

Amor, da companhia mineira Preqaria, que volta ao cartaz nesta sexta (12), na Funarte. O fato de a montagem ter sido elaborada com “dramaturgia coletiva” está destacado no cartaz de divulgação da peça. O espetáculo que propõe “um manifesto contra o medo de amar” estreou em 2017. Em cena, cinco atores (três mulheres e dois homens) performam expressões de suas próprias ideias sobre o amor. “Desde o primeiro momento em que se cogitou um novo espetáculo na companhia, queríamos abordar o tema do amor, mas não sabíamos como. Fomos conversando, e o João Valadares, diretor, nos lançou a pergunta: ‘Qual amor você quer expor?’. Então, cada um trouxe algo inerente à sua própria história”, conta a atriz Piera Rodrigues.

“O amor que sufoca” foi o que Piera preferiu abordar. “Já passei por situações em relacionamentos em que eu me sentia sufocada pelas coisas que não conseguia dizer. Eu escrevia isso e quis colocar tudo em cena. Como tenho um processo corporal vindo da prática da capoeira e da dança, queria experimentar como dizer essas coisas”, afirma. As demais abordagens suscitadas pela pergunta do diretor incluem reflexões sobre o amor-próprio, abusivo, paternal e maternal, sempre a partir de experiências pessoais. “Foi um processo dolorido, mas gostoso  e bem difícil, de muito choro e risada. A gente se expunha bastante, mas resultou em um trabalho bem bonito. Gostamos muito do processo”, diz Piera.

Ao longo dos pouco mais de seis meses da criação dramatúrgica, o diretor João Valadares acompanhou o processo de perto, orientando-o em alguns momentos. “Estávamos no ano de 2017 e, assim como hoje, precisávamos falar de amor. O Brasil precisa muito aprender a amar uns aos outros, olhar nos olhos com efetiva disponibilidade, escutar abertamente. Sugeri ao elenco esse questionamento, dando seguimento à nossa pesquisa sobre teatro performático. Cada um foi contribuindo e, assim, fomos criando as cenas e os ensaios. Minha contribuição depois disso foi mais textual”, diz ele, que é autor do manifesto apresentado no início da peça.

DIFICULDADE Mestre em teatro pela UFMG, João entende que, “de uma maneira geral, a dramaturgia coletiva é muito mais difícil de ser exercitada”. Por outro lado, ele reconhece que a soma de várias visões pessoais constrói um entendimento mais completo sobre a realidade. “A arte faz uma leitura da realidade. É muito mais fácil você ter sua ideia particular e desenvolvê-la sozinho. A dificuldade está ligada às coisas mais transversais. Mas, coletivamente, a chance de se conseguir abordar um assunto significativo para o público é maior”, argumenta.

Quem inicia a carreira atualmente nas artes cênicas já chega ao teatro com esse conceito bem assimilado. Sons de outono, que terá sessão neste sábado (13) na escola teatral Entreato, nasceu da fusão de ideias de um grupo em torno de uma mesma proposta. A peça surgiu dentro do curso de teatro da Escola de Belas-Artes da UFMG, no ano passado, como projeto de conclusão do curso da aluna Marília Cristina. Hoje profissional, ela adotou o nome artístico de Morgana. Diretora e uma das atrizes da peça, Morgana explica que seu ponto de partida foi o conceito de “paisagens sonoras”.

“Convidei outros estudantes de teatro para participar do projeto e fazíamos um exercício de meditação, que era uma escuta dos sons do câmpus. Isso incluía os ruídos da Avenida Antônio Carlos e o barulhos dos pássaros, nas áreas verdes, todos com a mesma importância e linearidade. Depois, nos juntamos para reproduzir esses sons e tentar encontrar uma musicalidade neles que nos remetesse a uma história. Para uma das atrizes, o resultado tinha a ver com infância, então incluímos uma criança. Para outro, houve uma associação com a morte da avó, e isso também foi incluído. Dessa forma, fomos construindo o texto e criando as cenas”, diz ela, que participava do programa radiofônico Serelepe, da Rádio UFMG Educativa, com o restante do grupo. Essa experiência radiofônica, diz Morgana, facilitou a criação de texto e diálogos pensando na sonoridade.

Embora o ponto de partida tenha sido conceitual, a diretora e atriz afirma que a dramaturgia assumiu forma linear, com começo, meio e fim, para tratar de uma história musical sobre a infância e suas complexidades. No entanto, a estrutura é menos convencional. O elenco atua atrás do público, enquanto este fica de frente para um espelho, posicionado onde seria o palco. “Os acontecimentos reais na vida da criança são encenados no escuro. Os relacionados à imaginação da personagem são vistos pelo público no espelho e, quando se trata de jogos ou brincadeiras executados pela protagonista, aí vamos para a frente do público”, descreve Morgana.

SALTO Na 31ª edição do Prêmio Shell de Teatro, um dos mais importantes do Brasil, entregue em março passado, o espetáculo com mais indicações (três no total) era Esperança na revolta, do grupo carioca Confraria do Impossível. Uma das categorias que a trupe disputou foi a de melhor dramaturgia, assinada coletivamente.

Fundado em 2009, o grupo é composto por artistas negros, que levam a luta pela igualdade racial para a cena. Depois de vários projetos de performance e intervenção artística nas ruas, Esperança na revolta foi o salto da Confraria para os palcos.

O texto trata de temas relacionados à guerra, em uma abordagem global. “Queríamos um assunto que atravessasse o Rio de Janeiro e o Brasil, que conversasse com outros povos”, afirma André Lemos, diretor da peça e um dos fundadores da Confraria do Impossível. Ele conta que a criação da dramaturgia envolveu mais de 30 pessoas, em um processo de troca de experiências e colaboração de quem ompartilhava suas vivências em situações de conflitos dentro ou fora do país.

O artista argumenta que o processo feito por eles se diferencia da dramaturgia tradicional não apenas pelo número de pessoas envolvidas, mas também pela abrangência de ideias que possibilita. “Estamos numa caminhada, não só aqui no Rio, mas em São Paulo, aí em BH, com o grupo Espanca!, de desconstruir um padrão que herdamos do teatro europeu, de falar só sobre autores clássicos. São referências importantíssimas, mas queremos construir novas narrativas a partir de outros pontos de vista, não só do homem branco, heterossexual e eurocentrado, num formato elitizado. É preciso ampliar isso. A arte e o teatro no Brasil ainda são muito brancos, mas estamos caminhando para uma melhor representatividade”, diz André Lemos, que neste ano se tornou o primeiro artista negro a receber o Prêmio Shell na categoria melhor direção.

Amor
Sexta-feira (12) e sábado (13), às 20h; domingo (14), às 19h, na Funarte (Rua Januária, 68, Centro). Ingressos: R$ 44, à venda na bilheteria, pagamento somente em dinheiro. Classificação: 14 anos. Mais informações: (31) 3213-3084.

Sons de outono
Sábado (13), às 19h, e domingo (14), às 18h, na Escola de Teatro Entreato (R. Cacuera, 315, Pampulha). Ingressos: R$ 12,50 (à venda pelo site Sympla). Classificação: livre. Mais informações: (31) 2523-0521.


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