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Estado de Minas TEATRO

Em cartaz em BH, peça 'A alma imoral' propõe 'nudez da própria identidade'

Encenado há 12 anos, monólogo de Clarice Niskier defende o diálogo dos opostos e convida a uma jornada rumo à verdade e à liberdade


09/11/2018 08:30 - atualizado 09/11/2018 14:47

Segundo atriz, peça tem o poder de falar a diferentes públicos(foto: Dalton Valério/Divulgação)
Segundo atriz, peça tem o poder de falar a diferentes públicos (foto: Dalton Valério/Divulgação)

Em 2006, a atriz Clarice Niskier apresentou A alma imoral pela primeira vez. Adaptação do livro homônimo do rabino Nilton Bonder, a peça foi montada sob supervisão do diretor mineiro Amir Haddad. Conceitos milenares são desconstruídos em cena por meio do confronto de dicotomias – tradição/traição, obediência/desobediência, corpo/alma, moralidade/imoralidade. O monólogo rendeu à atriz vários prêmios, o aplauso do público e 12 anos de estrada - embora com alguns hiatos. O espetáculo volta a BH nesta sexta-feira (9).

A alma imoral atravessou governos e diferentes conjunturas políticas, mas jamais perdeu sua efetividade e o diálogo com diferentes públicos, afirma Clarice. “O texto contempla várias classes sociais e visões de mundo. Abrange um leque muito amplo da sociedade, dos mais conservadores aos revolucionários. Fala a muita gente, porque traz a mensagem de que é importante aproximar os opostos.”

A atriz acredita que a reflexão proposta por A alma imoral é oportuna diante do avanço mundial da onda conservadora. “O mais visível, em relação ao texto, é a sua ligação com o momento histórico que o Brasil vive. A peça é absolutamente atemporal. É a construção de uma experiência vivida por muitas gerações, que perdura no tempo e espaço dos palcos.”

Arte, cultura e educação precisam do terreno da liberdade para se desenvolver, defende Clarice Niskier. “O campo da verdade e da transparência é a semente do nosso trabalho. Dependemos de que a sociedade se encontre com um certo grau de abertura para suportar as questões que precisa enfrentar. Da mesma forma, nós, artistas, impactamos a sociedade por meio de nossas percepções e da iniciativa de discutir isso ou aquilo em um dado momento. É uma via de mão dupla”, compara.

O figurino é apenas um tecido preto, que se transforma em várias vestes. A nudez surge de forma orgânica, inerente à proposta da peça. “Propomos a nudez da própria identidade, de uma essência, esquecer a nudez cultural e começar a ver a alma, que não é dimensão fora do corpo, mas integra a nossa carne. Existe nudez na cultura, mas não na natureza. Nascemos nus, e esse corpo continua dentro de cada um de nós. Somos feitos deste lugar, que só desaparece quando morremos”, observa.

De acordo com Clarice, produções teatrais configuram “vasos comunicantes”, mas a peça em cartaz há 12 anos não foi precursora do formato híbrido que une monólogo e referências performáticas. “Esse trabalho segue a tradição do Teatro de Ideias que Millôr Fernandes e Flávio Rangel já faziam entre os anos 1960 e 1970. Rubens Corrêa também aderiu, com Artaud”, esclarece.

O texto parte do mesmo eixo, ancorado por questionamentos de Nilton Bonder sobre o comportamento humano. A interação com a plateia faz com que cada apresentação seja única. Ao quebrar a quarta parede em nome da interlocução com o público, Clarice entende que a experiência teatral é sempre singular. “Cada vez que subo ao palco, inicio o processo de aprendizado e de compreensão renovada do que estou dizendo. Há sempre um entendimento e uma percepção diferente, pois passo a observar o texto de novo ângulo. A depender de como se forma, a poesia permite outra sacação.”

RÉDEAS Completamente entregue ao espetáculo, ela diz que a opção de “tomar as rédeas” da montagem – atuando, adaptando e dirigindo – é uma necessidade. “Venho de uma história bonita com grupos de teatro em que trabalhei por muitos anos e aprendi muito. Mas chegou a hora em que precisei colocar em prática, à minha maneira, todo esse aprendizado. Já não bastava estar em cena, era preciso fazer da minha forma.”

Além de adaptar o texto de Bonder, Clarice assumiu a direção da montagem e chamou o experiente Amir Haddad para ajudá-la. “A supervisão do Amir consistia em levantar questões que me desafiavam e checar se era aquilo mesmo que eu queria dizer”, observa.

A bem-sucedida parceria deu origem a outras peças – À beira de um abismo me cresceram asas (2013), que contou com Maitê Proença, e A lista (2014). Em 2019, a dupla vai encenar A esperança na caixa de chicletes Ping Pong, texto de Clarice Niskier inspirado na obra poética do músico Zeca Baleiro.

 

Amir Haddad supervisionou o trabalho de Clarice Niskier(foto: Ana Paula Migliati/Divulgação)
Amir Haddad supervisionou o trabalho de Clarice Niskier (foto: Ana Paula Migliati/Divulgação)
"Vá ver para o seu próprio bem"
Defensor da renovação do teatro e tido como mestre de gerações, Amir Haddad colaborou com a atriz Clarice Niskier na concepção da montagem de A alma imoral. O Estado de Minas pediu a Haddad um comentário sobre essa experiência. A seguir, o depoimento do diretor:

"Faz tanto tempo, é uma coisa impressionante. Tenho na memória que a Clarice chegou para mim e disse: ‘Tenho um texto aqui que ninguém acha que dá teatro e só tenho R$ 4 mil para fazer o espetáculo’. Ela leu, aqui no terraço da minha casa. Falei: ‘Clarice, acho tão interessante’. Mas não sabia direito o que achava interessante. O texto falava em personagens bíblicos. Tinha a sensação de um tapete árabe no chão, e ela fazendo em cima daquele tapete. O tapete nunca entrou em cena, ela tirou a roupa. E aí não parou mais.

A peça fala o tempo todo da nossa perplexidade, da nossa dificuldade, do nosso pecado, da nossa culpa e da nossa absolvição, principalmente. É um tipo de pensamento que nos absolve de toda culpa – pior é mentir do que trair; fingir que obedece e desobedecer. É um texto contra qualquer falsidade, a favor da verdade. Quando vejo, me sinto absolvido. Acho que a plateia também se sente absolvida.

É muito transgressor para um texto religioso. Gosto de como ele (Nilton Bonder) pensa, de como ele coloca as coisas. Gosto muito de termos uma afinidade semita. Ele é filho da Sarah; e eu, da Agar.

É um espetáculo cuja longevidade é difícil de explicar, inesperada. Clarice parece cada vez mais nova, cada vez mais forte, e cada vez mais sucesso. Não tem peripécia neste espetáculo. Tem uma reflexão interessante. Muitos já viram muitas vezes e continuam querendo ver. É um lugar de reabastecimento, de reflexão.

Estamos precisando de um pensamento de qualidade, de profundidade, de reflexão, de nos sentir seres humanos superiores, no momento em que uma mediocridade enlouquecida se espraia sobre nossas cabeças. Que as pessoas não deixem de ir ver Clarice, para o seu próprio bem."


A ALMA IMORAL
Nesta sexta-feira (9/11), às 21h. Grande Teatro do Cine Theatro Brasil Vallourec. Praça Sete, Centro, (31) 3201-5211. R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia-entrada). Vendas antecipadas pelo site eventim.com.br.


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