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Estado de Minas SEM MURMÚRIOS

Em musical, sete atrizes contam a história de vida de Elza Soares

Com roteiro de Vinicius Calderoni, o musical é um grande caleidoscópio, em que a trajetória de Elza não segue uma ordem cronológica, mas temática


(foto: Luiza Villarroel/divulgação)
(foto: Luiza Villarroel/divulgação)

Não foi em apenas uma, duas ou três vezes que Elza Soares precisou esconder as lágrimas – foram inúmeras: quando o estômago urrava de fome, quando seu Mané Garrincha se foi e virou passarinho, ou quando seu único filho, Garrinchinha, morreu, aos 9 anos, no momento em que pretendia visitar o túmulo do pai. Mas, quanto mais pedras pipocavam no caminho, mais Elza erguia a cabeça, temendo perder a postura de vencedora. “Essa mulher batalhadora, que jamais se entregou, foi nossa inspiração”, comenta Larissa Luz, cantora e atriz, uma das sete protagonistas de Elza – O musical, em cartaz em São Paulo desde a última quinta-feira (18).

Não se trata, porém, de mais um espetáculo biográfico – graças ao bem tramado roteiro de Vinicius Calderoni, o musical é um grande caleidoscópio, em que a trajetória de Elza não segue uma ordem cronológica, mas temática. É a mulher pobre, a negra, a cantora, a esposa, a mãe, a artista, enfim, que enfrenta o tempo e se renova. Para isso, a produtora Andrea Alves, idealizadora do projeto, e Calderoni fizeram a aposta certa: não haveria apenas Larissa no papel de Elza, mas também outras seis atrizes (Janamô, a mineira Júlia Dias, Késia Estácio, Khrystal, Laís Lacôrte e Verônica Bonfim). Ainda mais radical, decidiram também que não haveria nenhum intérprete masculino, nem na banda.

“Era fundamental fugir do caráter episódico e estritamente realista e focar na dimensão mítica da existência de Elza e ter mais atrizes era a opção perfeita para esse propósito”, conta Calderoni. “Era preciso também ter a sensação de que o espetáculo deveria dar voz à mulher negra brasileira sem distrações ou interposições como intérpretes masculinos.”

SETE ATRIZES

No comando, outra mulher, Duda Maia, que já trabalhara com Andrea Alves em dois outros projetos, Gonzagão (preparação corporal) e Auê (direção). Segundo ela, distribuir o papel de Elza entre as sete atrizes possibilita alinhar sua biografia e transformar isso em teatro. “É uma fala política, feminina. E, por meio da história de Elza, mostramos a trajetória de outras mulheres, famosas ou não, que sofreram como ela”, diz Duda.

De fato, aos 81 anos (ou 88, há controvérsias), Elza veste cicatrizes como estigmas – menina pobre, foi obrigada a se casar cedo e, em casa, sofria violência sexual. Teve o primeiro filho aos 12 anos e, para sustentá-lo, decidiu participar de um programa de calouros na rádio, comandado por Ary Barroso, autor de Aquarela do Brasil. A cena é reproduzida com emocionante exatidão no musical: “De que planeta você veio, minha filha?”, perguntou Barroso, ao ver aquela garota desmilinguida, que não pesava mais que 40 kg . “Do planeta Fome, seu Ary”, disparou Elza.

Aos poucos, mais que uma arte, a música tornou-se para ela uma energia, uma ferramenta para mudar seu conturbado mundo. Desde então, as canções de Elza Soares traduzem, nas entrelinhas, a desesperada necessidade humana de colocar ordem no caos, para dar sentido a um universo violento, por vezes irracional.

Em cena, Larissa impressiona pela forma perfeita como personifica Elza, trazendo uma economia generalizada de gestos que se confronta com o instrumento maravilhoso que é sua voz. Tanto em Larissa como em Elza, não há murmúrio – o som rasgado tem um encantamento mágico, o som melodioso de um trompete, urgente, de vogais esganiçadas e consoantes estraçalhadas – e de onde jamais brotam sílabas contidas. 


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