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Estado de Minas

Nova peça do Grupo Galpão aborda o momento angustiante que o Brasil atravessa

Texto é inspirado na troca de ideias dos atores com o cidadão nas ruas de Belo Horizonte e São Paulo


19/10/2018 08:00 - atualizado 19/10/2018 17:23

“Toda estreia precisa de pelo menos mais 15 dias.” O ator Paulo André pega emprestada a frase de Praxedes, personagem de Antônio Edson em Um trem chamado desejo (2000), para falar sobre Outros, o 24º espetáculo do Grupo Galpão, que estreia nesta sexta-feira (19), em Belo Horizonte.

Atores ensaiam no Galpão Cine Horto, onde Outros ficará em cartaz de hoje a 18 de novembro(foto: TÚLIO SANTOS/EM/D.A PRESS)
Atores ensaiam no Galpão Cine Horto, onde Outros ficará em cartaz de hoje a 18 de novembro (foto: TÚLIO SANTOS/EM/D.A PRESS)

Segunda montagem consecutiva da trupe mineira dirigida por Márcio Abreu, fundador da Companhia Brasileira de Teatro, de Curitiba, Outros nasce não como sequência, mas como consequência de Nós, peça encenada pelo Galpão em 2016.

Se na montagem anterior o grupo olhava para si próprio, propondo uma reflexão sobre as relações interpessoais, partilhando angústias e esperanças, desta vez o olhar se alonga.Outros fala sobre este momento à beira do abismo que estamos vivendo, da ruína, da exaustão e de certa falência de um sistema”, comenta Eduardo Moreira. “É sobre o fim de uma coisa e a passagem para outra, que ainda não sabemos o que é”, acrescenta Paulo André.
Márcio Abreu diz que a estrutura da peça é bastante plural, porém mais radical do que a de Nós. “Aqui, a palavra é sonora, o corpo é quase narrativo e a música é performativa. Há o deslocamento das linguagens, que se encontram em uma estrutura bastante ligada à performance.”

ENSAIO

Estamos no Cine Horto, na tarde de quarta-feira, 17 de outubro. A dois dias da estreia, a ansiedade é latente. Há três semanas, os 10 atores, diretor e equipe técnica ensaiam de domingo a domingo. Ainda que em dezembro de 2017 o grupo tenha realizado com Abreu o primeiro encontro para a montagem, ela começou a ganhar corpo há dois meses, por causa das agendas do diretor e do grupo. A própria dramaturgia – que Abreu assina com Paulo André e Eduardo Moreira – foi concebida nesse período. Geralmente, o Galpão leva três meses ensaiando um novo espetáculo.

No início do ensaio, os 10 atores, com figurino negro, estão posicionados no linóleo branco com fundo infinito igualmente branco (a cenografia é de Marcelo Alvarenga). Vê-se um tronco de árvore no meio do cenário.

Abreu anuncia a cena da barricada. Alguns trazem objetos. Beto Franco, Simone Ordones, Inês Peixoto e Eduardo Moreira carregam cadeiras, simulando se proteger de algo. Paulo André segura um bolo de aniversário, enquanto Antônio Edson traz um extintor de incêndio.

A cena começa.“Vem cá”, diz um. “Melhor não chegar perto”, fala outro. “O que houve?”, pergunta alguém. “Vai parecer que tá tudo normal”, comenta um ator. “Beber?”, alguém questiona. “Ela não pode beber”, responde outro. “Gente, a gente pode tudo, pelo menos por enquanto”, afirma alguém.

Vindas a cada momento de um ator, frases soltas vão se sobrepondo em meio à correria. Parece caótico, mas não é. Todos sabem sua marcação, a hora de entrar e de sair – o diretor vai fazendo pequenas mudanças durante o ensaio. Quando a cena termina, os 10 vão para a parte de trás da cena. O fundo infinito se abre, revelando uma banda.

Sim, o Galpão sempre cantou em cena, mas não da maneira como fará em Outros. Além de assinar as seis canções apresentadas na montagem, os atores tocam instrumentos. Lydia Del Picchia assume a bateria, Fernanda Vianna o baixo. Beto Franco e Júlio Maciel tocam guitarra. O naipe de metais é responsabilidade de Simone Ordones, Eduardo Moreira, Inês Peixoto e Teuda Bara. Completando a banda, Paulo André assume a escaleta e Antônio Edson, a flauta.

 

O Galpão é exemplo único de coexistência. Isso deveria ser exemplar para a sociedade brasileira, sobretudo neste momento funesto
O Galpão é exemplo único de coexistência. Isso deveria ser exemplar para a sociedade brasileira, sobretudo neste momento funesto" (Márcio Abreu,diretor) (foto: TÚLIO SANTOS/EM/D.A PRESS)
 

 

IDADE

A música instrumental alta vai sendo interrompida aos poucos, quando alguns atores deixam o fundo do palco e voltam para o centro, com movimentos performáticos – ora dançam, ora rolam em cena. Os corpos vão se encontrando, e Teuda vai para o centro do palco. “A idade é uma piada/ A dor é um martírio/ Tô cansada/ Tô cansada”, são alguns dos versos apresentados pela atriz, com boa carga de dramaticidade.

Assim como Nós, Outros traz muito da experiência do elenco. O processo que culminou na estreia desta sexta-feira conta com uma série de performances levadas a público ao longo deste ano. Cada um dos 10 atores criou sua performance individual. Paulo André, por exemplo, concebeu um jogo da memória a partir do lixo que reuniu e fotografou na Praça Raul Soares. Eduardo Moreira levou um varal de roupas para a escadaria do Edifício Sulacap, no Centro, e trocou vestimentas com pessoas que estavam ali.

“Os trabalhos nos possibilitaram ouvir as pessoas, o outro”, diz Moreira. Em abril, o Galpão fez em sete pontos da Avenida Afonso Pena a performance coletiva que ganhou o nome Rolê da mesa. Os atores levaram para a rua a mesa do grupo, convidando os passantes a sentar, conversar, tomar um café. Ali, puderam colher relatos da vida real – em setembro, a performance foi repetida no Parque da Independência, onde está o Museu do Ipiranga, em São Paulo.

CARTAS

Teuda Bara não pôde participar das performances, devido à cirurgia para colocar uma prótese no joelho – processo doloroso que ela explicita em seu número de canto. Diante disso, Abreu propôs que os atores escrevessem cartas para ela.

“Todas as ações realizadas no processo estão consubstanciadas na experiência da peça. Você não vê no palco o que viu na rua, mas os princípios que articulam a dramaturgia”, explica Abreu.

Outros é uma peça política, mas não é panfletária. “De alguma maneira, ela reflete sobre o momento atual”, diz Eduardo Moreira. “Nós estreou bem na época do impeachment da Dilma. Nunca pensei que a cena da expulsão da (personagem de) Teuda pudesse se conectar com aquele momento. Ela não foi criada para aquilo, mas são coisas incontroláveis. A uma semana das eleições, certamente (o momento político) estará na percepção que o espectador terá da peça”, completa Paulo André.

O trabalho do Galpão com Márcio Abreu já soma quatro anos. Atuar com o diretor e dramaturgo tirou o elenco da zona de conforto. “Somos atores com mais de 50 anos. Como renovar o grupo? Trocar o ator de 50 por um de 20? Aposentá-lo? Ou encontrar outras maneiras de fazer teatro? A gente não pode mais pegar a perna de pau, ir para a rua e bater tambor. (O trabalho com Márcio Abreu) Foi uma maneira de renovar a linguagem do grupo e repensar o teatro”, comenta Paulo André.

O diretor acredita ter interferido no Galpão, “na atuação ainda mais do que no pensamento dramatúrgico.” De acordo com Abreu, além de os atores trazerem experiências distintas tanto no campo coletivo quanto individual, eles estão abertos para o novo. “Nesse grupo, há um campo de convivência e de coletivo que é muito forte. O Galpão é um exemplo único de coexistência. Isso deveria ser exemplar para a sociedade brasileira, sobretudo neste momento funesto que estamos vivendo, da negação das diferenças”, conclui o diretor.



OUTROS
Direção: Márcio Abreu. Com Grupo Galpão. Estreia nesta sexta-feira (19), às 21h. Galpão Cine Horto, Rua Pitangui, 3.613, Horto, (31) 3481-5580. De quarta-feira a sábado, às 21h, e domingo, às 19h. Sessões de quarta em libras. Até 18 de novembro. Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada), à venda na bilheteria (duas horas antes da apresentação) ou no site www.sympla.com.br/grupogalpao


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