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Estado de Minas

Ópera 'O holandês errante' estreia sábado no Palácio das artes

Produção traz navegador que tem direito a uma única noite em terra firme a cada sete anos, a menos que seja salvo pelo amor


16/10/2018 09:00 - atualizado 16/10/2018 09:21

Na encalorada noite do feriado de 12 de outubro, um grupo de pessoas trabalha ativamente no Grande Teatro do Palácio das Artes. O diretor cênico Pablo Maritano dá instruções ao tenor Gustavo Eda. Durante a cena, ele deve subir uma escada, pegar o cobertor, se enroscar nele e dormir. Do fosso, o maestro Silvio Viegas diz a Eda: “Esqueça do maestro, não olhe para mim”. No fundo do palco, no alto de uma escada, o baixo Hernan Iturralde acompanha tudo no escuro.

O argentino Hernan Iturralde interpreta o Holandês, em seu primeiro trabalho para a Fundação Clóvis Salgado. A soprano brasileira Tati Helene vive Senta, a mulher com quem ele tenta se casar(foto: THAMIRIS REZENDE/DIVULGAÇÃO)
O argentino Hernan Iturralde interpreta o Holandês, em seu primeiro trabalho para a Fundação Clóvis Salgado. A soprano brasileira Tati Helene vive Senta, a mulher com quem ele tenta se casar (foto: THAMIRIS REZENDE/DIVULGAÇÃO)

Algum tempo mais tarde tem início o primeiro ato de O holandês errante. Primeira montagem da ópera de Richard Wagner (1813-1883) em Minas Gerais, estreia neste sábado (20), no Palácio das Artes. Até 28 deste mês, serão apresentadas cinco récitas em três atos, sem intervalos. O Estado de Minas acompanhou a prova técnica, com os solistas sem orquestra.

Primeira das grandes óperas wagnerianas, O holandês errante (também chamada O navio fantasma e O holandês voador) estreou em 1843 na Ópera Semper, em Dresden, Alemanha. A narrativa acompanha a existência de um homem condenado pelo diabo a navegar por toda a eternidade. De sete em sete anos, ele pode passar uma única noite em terra firme. Sua única possibilidade de redenção é encontrar uma mulher capaz de amá-lo até a morte.

O que o primeiro ato relata é o encontro do Holandês (Iturralde) com Daland (o baixo Savio Sperandio) em um fiorde na Noruega. Após uma tempestade, Daland determina que seus marinheiros descansem e diz para seu timoneiro (Gustavo Eda) ficar atento, pois há um risco de piratas aparecerem. Só que ele acaba adormecendo.

NAVIO

E é neste momento que o imenso navio do Holandês atraca. O capitão desce com uma maleta cheia de ouro e pedras preciosas. Ao ver as riquezas que ele carrega, Daland oferece sua casa para passar a noite. O capitão holandês pede a ele, em troca, a mão de sua filha, Senta (a soprano Tati Helene), a única que poderá lhe salvar.

“O que você está olhando agora no primeiro ato permanece invisível. Ele só fica visível no segundo, que ocorre em terra firme”, explica o argentino Pablo Maritano, que assina sua terceira ópera na Fundação Clóvis Salgado. A situação é assim porque o mar representa “a incerteza, a angústia, que tem muito a ver com a figura arquetípica do Holandês”. Nesta ópera, conforme comenta o diretor cênico, Wagner trabalha pela primeira vez com a figura do pária. “E a figura do Holandês é metade fantasia, metade realidade.”

A montagem conta com dois corpos estáveis da Fundação Clóvis Salgado: A Orquestra Sinfônica e o Coral Lírico de Minas Gerais. “A escolha por Wagner foi natural e demonstra um amadurecimento da casa. Já regi essa ópera na Argentina, então sabia do tamanho que ela tem e tinha a certeza de que temos capacidade para realizá-la. Há óperas de Wagner muito grandiosas, em que existem coisas que nossa estrutura atual não teria condições de realizar. Mas O holandês errante tem o tamanho de uma ópera tradicional”, comenta Viegas.

Fazer uma montagem com os atos juntos, sem intervalos, como Wagner a concebeu, permite que o público assista ao espetáculo como se fosse “um filme”, diz Maritano. “O que Wagner começa a fazer de forma sistemática nesta obra são os leitmotivs, ou seja, os motivos condutores. São 10, 12 motivos que, a cada vez que aparece um personagem, um sentimento igual, o tema volta. Às vezes, retorna transformado, mais rápido ou mais lento, em uma tonalidade maior ou menor. É por isso que a escrita rebuscada, mais densa que Wagner tem, não se torna maçante. A música acaba se tornando muito familiar, mesmo para quem não conhece ópera. O ouvinte absorve de maneira natural, a ópera vai entrando em seu ouvido e ganha uma unidade”, afirma Viegas.

Assim como o Holandês, Senta é uma personagem que foge dos padrões, pois não se encaixa na ideia da mulher que fica à espera do homem. Prometida ao caçador Erick (o tenor Paulo Mandarino), a jovem sempre foi fascinada pela lenda do capitão do navio que é obrigado a passar a vida no mar. Quando conhece o Holandês, ela entra em um dilema que vai culminar em uma tragédia.


"A música acaba se tornando muito familiar, mesmo para quem não conhece ópera. O ouvinte absorve de maneira natural, a ópera vai entrando em seu ouvido e ganha uma unidade" (Silvio Viegas,maestro) (foto: THAMIRIS REZENDE/DIVULGAÇÃO)

 

FUGA

Estreando em uma montagem da Fundação Clóvis Salgado, a paulista Tati Helene já tem familiaridade com a personagem wagneriana – interpretou Senta no Festival de Ópera do Theatro da Paz, no Pará. “É uma personagem interessante, pois vive em uma sociedade que lhe impõe o jeito que vai viver e busca na lenda do holandês errante uma fuga da realidade”, diz ela.

A soprano entra em cena no segundo ato e permanece até o fim da ópera. “Senta é uma personagem difícil, pois, mesmo sendo uma menina, ela tem muita intensidade vocal. Além disso, é um papel de resistência, dramático. Canto praticamente sem parar. E Wagner pede cantores com intensidade. Não há um momento de calma e outro de pico. É intenso o tempo inteiro, o que acaba sendo mais difícil para um cantor”, comenta Tati Helene.

Já o argentino Hernan Iturralde é estreante tanto na FCS quanto no papel-título da ópera wagneriana (anteriormente interpretou Daland). “Musicalmente, é bem difícil, por causa da tessitura vocal. Tenho que cantar o tempo inteiro de forma bastante aguda. E há outra dificuldade: os duos do Holandês com a Senta são de longa duração. Então tenho que ter resistência para passar o tempo todo na mesma tessitura.”

 

Tempestade inspirou Wagner a compor
O holandês errante é a quarta ópera composta por Wagner. Nasceu a partir de um acontecimento ocorrido em 1839 com o próprio compositor. Em 1836, atolado em dívidas, Wagner deixou a Alemanha. Com sua primeira mulher, a atriz Minna Planer, foi para a Letônia, onde se tornou maestro na Ópera de Riga. Seu período em Riga foi também conturbado, com brigas pessoais e profissionais com o diretor da ópera, Karl von Holtei.

No verão de 1839, o casal Wagner partiu clandestinamente de Riga em direção a Paris, via Londres. A travessia marítima pelo Báltico e pelo Mar do Norte foi dificílima, em razão de uma tempestade que os atingiu. O incidente inspirou Wagner a compor O holandês errante. O ponto de partida do compositor foi o poema de Heinrich Heine.

Richard e Minna Wagner viveriam na capital francesa até 1842. Tampouco foi um período fácil para o músico. Em outubro de 1840, com dívidas acumuladas, ele acaba sendo preso. Quando sai da prisão,  decide regressar à Alemanha. Muda-se para Dresden, onde ocupa o cargo de maestro da Corte Real da Saxônia. Ali estreiam três de suas óperas: Rienzi (1842, que o compositor posteriormente rejeitou), O holandês errante (1843) e Tannhäuser (1845)

 

O HOLANDÊS ERRANTE
Ópera em três atos de Richard Wagner. Récitas 20/10, 22/10, 24/10 e 26/10, às 20h, e dia 28/10, às 19h. Duração: 2h15. Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. Ingressos: R$ 60 e R$ 30 (meia). Mais informações: www.fcs.mg.gov.br.


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