Uai Entretenimento

Ópera 'O holandês errante' estreia sábado no Palácio das artes

Na encalorada noite do feriado de 12 de outubro, um grupo de pessoas trabalha ativamente no Grande Teatro do Palácio das Artes. O diretor cênico Pablo Maritano dá instruções ao tenor Gustavo Eda. Durante a cena, ele deve subir uma escada, pegar o cobertor, se enroscar nele e dormir. Do fosso, o maestro Silvio Viegas diz a Eda: “Esqueça do maestro, não olhe para mim”. No fundo do palco, no alto de uma escada, o baixo Hernan Iturralde acompanha tudo no escuro.


"A música acaba se tornando muito familiar, mesmo para quem não conhece ópera. O ouvinte absorve de maneira natural, a ópera vai entrando em seu ouvido e ganha uma unidade" (Silvio Viegas,maestro) - Foto: THAMIRIS REZENDE/DIVULGAÇÃO
Algum tempo mais tarde tem início o primeiro ato de O holandês errante. Primeira montagem da ópera de Richard Wagner (1813-1883) em Minas Gerais, estreia neste sábado (20), no Palácio das Artes. Até 28 deste mês, serão apresentadas cinco récitas em três atos, sem intervalos. O Estado de Minas acompanhou a prova técnica, com os solistas sem orquestra.

Primeira das grandes óperas wagnerianas, O holandês errante (também chamada O navio fantasma e O holandês voador) estreou em 1843 na Ópera Semper, em Dresden, Alemanha. A narrativa acompanha a existência de um homem condenado pelo diabo a navegar por toda a eternidade. De sete em sete anos, ele pode passar uma única noite em terra firme. Sua única possibilidade de redenção é encontrar uma mulher capaz de amá-lo até a morte.

O que o primeiro ato relata é o encontro do Holandês (Iturralde) com Daland (o baixo Savio Sperandio) em um fiorde na Noruega. Após uma tempestade, Daland determina que seus marinheiros descansem e diz para seu timoneiro (Gustavo Eda) ficar atento, pois há um risco de piratas aparecerem. Só que ele acaba adormecendo.


NAVIO

E é neste momento que o imenso navio do Holandês atraca. O capitão desce com uma maleta cheia de ouro e pedras preciosas. Ao ver as riquezas que ele carrega, Daland oferece sua casa para passar a noite. O capitão holandês pede a ele, em troca, a mão de sua filha, Senta (a soprano Tati Helene), a única que poderá lhe salvar.

“O que você está olhando agora no primeiro ato permanece invisível. Ele só fica visível no segundo, que ocorre em terra firme”, explica o argentino Pablo Maritano, que assina sua terceira ópera na Fundação Clóvis Salgado. A situação é assim porque o mar representa “a incerteza, a angústia, que tem muito a ver com a figura arquetípica do Holandês”. Nesta ópera, conforme comenta o diretor cênico, Wagner trabalha pela primeira vez com a figura do pária. “E a figura do Holandês é metade fantasia, metade realidade.”
A montagem conta com dois corpos estáveis da Fundação Clóvis Salgado: A Orquestra Sinfônica e o Coral Lírico de Minas Gerais. “A escolha por Wagner foi natural e demonstra um amadurecimento da casa. Já regi essa ópera na Argentina, então sabia do tamanho que ela tem e tinha a certeza de que temos capacidade para realizá-la. Há óperas de Wagner muito grandiosas, em que existem coisas que nossa estrutura atual não teria condições de realizar. Mas O holandês errante tem o tamanho de uma ópera tradicional”, comenta Viegas.

Fazer uma montagem com os atos juntos, sem intervalos, como Wagner a concebeu, permite que o público assista ao espetáculo como se fosse “um filme”, diz Maritano. “O que Wagner começa a fazer de forma sistemática nesta obra são os leitmotivs, ou seja, os motivos condutores. São 10, 12 motivos que, a cada vez que aparece um personagem, um sentimento igual, o tema volta. Às vezes, retorna transformado, mais rápido ou mais lento, em uma tonalidade maior ou menor. É por isso que a escrita rebuscada, mais densa que Wagner tem, não se torna maçante. A música acaba se tornando muito familiar, mesmo para quem não conhece ópera. O ouvinte absorve de maneira natural, a ópera vai entrando em seu ouvido e ganha uma unidade”, afirma Viegas.

Assim como o Holandês, Senta é uma personagem que foge dos padrões, pois não se encaixa na ideia da mulher que fica à espera do homem. Prometida ao caçador Erick (o tenor Paulo Mandarino), a jovem sempre foi fascinada pela lenda do capitão do navio que é obrigado a passar a vida no mar. Quando conhece o Holandês, ela entra em um dilema que vai culminar em uma tragédia.


 

FUGA

Estreando em uma montagem da Fundação Clóvis Salgado, a paulista Tati Helene já tem familiaridade com a personagem wagneriana – interpretou Senta no Festival de Ópera do Theatro da Paz, no Pará. “É uma personagem interessante, pois vive em uma sociedade que lhe impõe o jeito que vai viver e busca na lenda do holandês errante uma fuga da realidade”, diz ela.

A soprano entra em cena no segundo ato e permanece até o fim da ópera. “Senta é uma personagem difícil, pois, mesmo sendo uma menina, ela tem muita intensidade vocal. Além disso, é um papel de resistência, dramático. Canto praticamente sem parar. E Wagner pede cantores com intensidade. Não há um momento de calma e outro de pico. É intenso o tempo inteiro, o que acaba sendo mais difícil para um cantor”, comenta Tati Helene.


Já o argentino Hernan Iturralde é estreante tanto na FCS quanto no papel-título da ópera wagneriana (anteriormente interpretou Daland). “Musicalmente, é bem difícil, por causa da tessitura vocal. Tenho que cantar o tempo inteiro de forma bastante aguda. E há outra dificuldade: os duos do Holandês com a Senta são de longa duração. Então tenho que ter resistência para passar o tempo todo na mesma tessitura.”

 

Tempestade inspirou Wagner a compor
O holandês errante é a quarta ópera composta por Wagner. Nasceu a partir de um acontecimento ocorrido em 1839 com o próprio compositor. Em 1836, atolado em dívidas, Wagner deixou a Alemanha. Com sua primeira mulher, a atriz Minna Planer, foi para a Letônia, onde se tornou maestro na Ópera de Riga. Seu período em Riga foi também conturbado, com brigas pessoais e profissionais com o diretor da ópera, Karl von Holtei.

No verão de 1839, o casal Wagner partiu clandestinamente de Riga em direção a Paris, via Londres. A travessia marítima pelo Báltico e pelo Mar do Norte foi dificílima, em razão de uma tempestade que os atingiu. O incidente inspirou Wagner a compor O holandês errante. O ponto de partida do compositor foi o poema de Heinrich Heine.


Richard e Minna Wagner viveriam na capital francesa até 1842. Tampouco foi um período fácil para o músico. Em outubro de 1840, com dívidas acumuladas, ele acaba sendo preso. Quando sai da prisão,  decide regressar à Alemanha. Muda-se para Dresden, onde ocupa o cargo de maestro da Corte Real da Saxônia. Ali estreiam três de suas óperas: Rienzi (1842, que o compositor posteriormente rejeitou), O holandês errante (1843) e Tannhäuser (1845)

 

O HOLANDÊS ERRANTE
Ópera em três atos de Richard Wagner. Récitas 20/10, 22/10, 24/10 e 26/10, às 20h, e dia 28/10, às 19h. Duração: 2h15. Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. Ingressos: R$ 60 e R$ 30 (meia). Mais informações: www.fcs.mg.gov.br.