Em março, quando a vereadora Marielle Franco era assassinada no Rio de Janeiro, a Cia dos Atores ensaiava em sua sede, na Lapa, região central da capital carioca, seu novo espetáculo. “Até agora (seis meses mais tarde), não houve respostas para este crime. A peça traz um reflexo disto, com uma cena que faz uma alusão a um assassinato”, comenta o ator Marcelo Olinto.
Ainda que pautado por uma reflexão sobre as questões sociais do mundo contemporâneo, o espetáculo não busca a literalidade. Insetos, montagem que comemora os 30 anos do grupo carioca, estreia em BH nesta quinta (20), no Centro Cultural Banco do Brasil. Com texto de Jô Bilac e direção de Rodrigo Portella, a peça traz, como o próprio título indica, insetos como personagens.
A partir do desaparecimento das abelhas, o caos se instaura. Baratas rebeldes são pisoteadas, enquanto tentam fugir ao domínio de um louva-a-deus com pecha de ditador. Gafanhotos, também temerosos diante da nova ordem imposta pelo ditador, tentam destruir tudo. “Com personagens insetos, tivemos a possibilidade de não sermos maniqueístas ou panfletários. O espetáculo é uma fábula com temas contemporâneos, pois trata de hierarquia, política, violência, mas de uma forma bem-humorada e leve”, continua Olinto.
A peça não traz uma narrativa convencional, com início, meio e fim. Doze quadros que dialogam entre si – alguns personagens retornam entre um quadro e outro – compõem a montagem, “em que o público é convidado a montar este quebra-cabeças”, acrescenta o ator.
O texto não chegou pronto para a companhia. Jô Bilac, que voltou a escrever para o grupo após Conselho de classe (2014), montagem que ficou quase cinco anos em cartaz, entregou os quadros por etapas – 19 quadros, sendo que 12 foram levados ao palco. “Muitos estão na íntegra, outros foram adaptados, o que é uma característica da Cia. dos Atores. Buscamos ‘antropofagizar’ o material que nos chega em mãos. Com isso, o Rodrigo Portella, que também é autor, foi amalgamando o texto na sala de ensaio.”
Em cena estão os atores Cesar Augusto, Leonardo Netto, Susana Ribeiro, além de Olinto. Este último se desdobra em sete personagens, entre eles gafanhoto, louva-a-deus, borboleta, cupim e besouro. Olinto, além de atuar, também assina os figurinos. “O mundo dos insetos é um mundo de riqueza e diversidade de cores. Para reproduzir isso eu teria que ter milhões no orçamento”, conta.
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CONQUISTAS A história da Cia dos Atores teve início em 1988 com Enrique Diaz, André Barros, Susana Ribeiro e Olinto. Nestas três décadas, houve trocas de integrantes, mas a essência permanece: uma linguagem autoral com uma equipe de atores à qual se reúne, eventualmente, um dramaturgo ou um diretor.
Desde 2006, o grupo conta com sua sede, na Lapa. “Mesmo sem nenhum apoio financeiro, hoje bancamos e gerenciamos a casa com recursos próprios. É um esforço hercúleo, mas é muito saudável, já parte do nosso espaço é utilizado para outros grupos ensaiarem”, continua Olinto, ressaltando que a hora é de lembrar das conquistas e não das muitas dificuldades. “Afinal, a companhia é muito importante na vida de todos nós, pois nos traz a possibilidade de renovação e reflexão no teatro.”
INSETOS
Com a Cia dos Atores. Texto de Jô Bilac e direção de Rodrigo Portella. Estreia nesta quinta (20), às 20h, no CCBB-BH, Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400. Temporada até 15 de outubro. Apresentações de quinta a segunda, às 20h. Após a sessão desta sexta (21), elenco e diretor vão conversar com o público. Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia).