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Estado de Minas

Caio Blat é Riobaldo em versão de 'Grande sertão: veredas' que vem a BH

Espetáculo-instalação de Bia Lessa oferece novo olhar sobre a obra de Guimarães Rosa. Projeto instiga o espectador a criar o seu próprio universo roseano


19/06/2018 08:10 - atualizado 19/06/2018 12:37

(foto: Marcela Garbo/Divulgação)
(foto: Marcela Garbo/Divulgação)
“O sertão está dentro da gente.” A diretora Bia Lessa partiu dessa não-localização geográfica para montar o espetáculo-instalação Grande sertão: veredas, que chega a BH no fim de semana. “Essa é uma das frases mais importantes (de Guimarães Rosa). Não localizo esse sertão. Pode estar no interior do Brasil ou no Norte de Minas. A ideia não é criar imagem, a imagem do sertão é complementada pelo espectador. Não queria cenografia ligada ao sertão, um figurino que ligasse ao jagunço”, explica a diretora.


Lançado em 1956, o romance Grande sertão: veredas, do escritor mineiro João Guimarães Rosa, revela a saga do jagunço Riobaldo por um mundo em guerra. Nessa travessia, ele se vê atormentado pelo diabo e às voltas pela paixão por Diadorim. O ator Caio Blat interpreta Riobaldo e contracena com Luiza Lemmertz, que dá vida à paixão e ao tormento do jagunço. “Não podemos estar a serviço do Guimarães Rosa. Ele é um gênio. Nós não somos, mas estamos lado a lado”, afirma Bia.

Os atores dizem os trechos originais do romance. “Guimarães é inadaptável. Isso foi desesperador pra mim, mas acabou se tornando um trunfo. Trabalhei diretamente com o texto do livro”, explica Bia Lessa. A diretora assumiu o desafio dialogar com uma das obras mais complexas da língua portuguesa.

“Meu primeiro contato com Grande sertão foi quando montava uma exposição no Museu da Língua Portuguesa. Na época, entrevistei (o crítico literário) Antonio Candido. Disse a ele que estava muito triste porque faltavam oito páginas para terminar o livro. Estava tão triste de perder aquele negócio. Dizia que não conseguia acabar. Então, ele me aconselhou: ‘Bia, tenho uma coisa genial pra te dizer. Lê de novo’. Tão óbvio... Ele me deu a chave de uma coisa deslumbrante. O caminho, Guimarães indica sutilmente. Acabei a travessia e emendei na nonada.”

Nonada aparece repetidamente em Grande sertão. Essa palavra-chave inicia e encerra o romance, mas não finaliza a história. Nonada aparece como antônimo do símbolo do infinito, o último sinal gráfico do livro. “Você tem o sinal do infinito no final – o travessão e a nonada. Não tem fim”, destaca Bia Lessa.

A diretora chama a atenção para a dimensão do ser humano diante da natureza. Para Guimarães, ele não é mais importante do que plantas e pedras. “O homem se relaciona com plantas, animais, com a terra e a aridez. Guimarães é o primeiro autor que, de fato, pensa na ecologia de forma contemporânea”, observa. Atores interpretam tanto os personagens quanto bichos, cactos e pedras. “Os animais são tão importantes quanto Riobaldo. Isso nos leva a ampliar a questão teatral”, explica ela.

GAIOLA Não há representação, no sentido literal, mas um jogo cênico que exige do espectador. Não basta só olhar, é preciso querer ver – e é essa brincadeira entre olhar e ver que Bia busca em Guimarães. Para criar o formato híbrido entre espetáculo e instalação, ela recorreu a vários elementos cênicos. Os personagens aparecem em uma gaiola, potencializando o exercício do espectador de se posicionar para ver o que ocorre.

“A gaiola dificulta a visualização. Não deixa livre o olho do espectador, ele deve procurar e ver. Guimarães dizia: ‘Mire e veja’”, adianta a diretora.

A paisagem sonora é outro elemento fundamental da instalação. Há quatro camadas de sonoridades: o ruído que amplia o espaço, o som vindo de lugares amplos; a música autoral composta por Egberto Gismonti; as cantorias e rezas ligadas ao inconsciente coletivo; e, finalmente, o timbre das vozes do elenco. “A instalação invade a plateia. Não tem o lá e o cá”, resume Bia Lessa.

PROJETO ROSA ENCENADO

. Palestra
Com Bia Lessa, Oskar Metsavaht e Flora Sussekind. Quinta-feira (21), às 19h30. Entrada franca, com retirada de ingressos a partir das 18h30

 

. Espetáculo-encenação
Grande sertão: veredas. Direção: Bia Lessa. Com Balbino de Paula, Caio Blat, Daniel Passi, Elias de Castro, José Maria Rodrigues, Leonardo Miggiorin, Lucas Oranmian, Luisa Arraes, Luiza Lemmertz e Clara Lessa. Sábado (23), às 20h; domingo (24), às 16h e às 20h.
R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada)


>> Palácio das Artes. Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro. Informações: (31) 3236-7400 e www.fcs.mg.gov.br

(foto: Chico Lima/Divulgação)
(foto: Chico Lima/Divulgação)
Entrevista: Caio Blat

 

Encarregado de interpretar Riobaldo, Caio Blat diz que Grande sertão: veredas inovou ao discutir o amor do jagunço por um homem. Para ele, Diadorim é um homem trans.

 

O que atormenta mais Riobaldo: a dúvida sobre a existência do demônio ou a paixão por alguém que ele julga ser outro homem?
As duas coisas juntas. A tentação, o desejo, é como se o amor proibido fosse armação do mistério. O próprio mistério do mundo. Riobaldo é homem espantado diante do mistério da vida. Diante da escassez, miséria e da guerra, ele tem sensibilidade absurda. Sempre à flor da pele. Homem espantado diante da vida. Acredita que é o mundo agindo para ensinar pra ele. Trabalha com o conceito da culpa pelo fato de o amor não se realizar. O tempo todo vive se perguntando se a culpa foi dele, como na lei do carma. Fez escolhas erradas, entrou na guerra de cabeça, matou muita gente. Tudo de ruim que ele vive é fruto de suas escolhas. Vive atormentado sobre se foi ele quem destruiu a possibilidade de amor.

Na atualidade, ainda é muito complexa a discussão sobre gênero. Com Diadorim, Guimarães já coloca essa questão. Sob as lentes da contemporaneidade, seria Diadorim um homem trans?
Tenho certeza disso. É um romance premonitório ao falar do amor sem gênero. Diadorim tem traços femininos, delicadeza e, ao mesmo tempo, a loucura e a violência masculina. Não tem gênero. Riobaldo fica louco, atraído e apaixonado por esse ser andrógino. Gênero é conceito antigo, e o amor não o respeita. Guimarães escreveu o romance há 50 anos e o país (ainda hoje) desrespeita e violenta os gays. Não aceita o amor livre. A proibição e o tabu são muito atuais.

Como se preparar para a fala do sertão, para esse dizer roseano? É um desafio dizer o texto de Grande sertão: veredas?

Um enorme desafio. Partimos de que o sertão é em toda parte. É metafísico. Pode ser o sertão de Minas, sertão da Bahia, periferia das grandes cidades ou o centro das grandes cidades, onde as pessoas estão em guerra e sozinhas. Estamos falando dos presídios, onde as pessoas estão abandonadas. Estamos falando das favelas. Temos respeito absoluto à palavra do Rosa. Não buscamos regionalismo. Buscamos a prosa do Rosa, que induz à melodia mineira, aos termos que não terminam, o próprio nome Diadorim. Existem termos e frases que exigem melodia mineira, é difícil fugir disso. Mas muitos trechos fazemos sem sotaque, o mais limpo, para dar a dimensão de que o sertão é qualquer lugar. O sertão é dentro de nós.

É muito disruptiva a ideia de que o ser humano tem o mesmo valor que animais, minerais e plantas. Vocês também interpretam seres inanimados, digamos assim. Como foi essa experiência?
Vi trabalhos anteriores da Bia com cenários lindos, terra e areia. Para o sertão, ela parte para o vazio, opta pelo vazio. A gente evoca o sertão, não o representa. O sertão é essa ecologia. O homem está sendo comido pelo bicho, comido pela terra, pelo vento. Tem uma cena muito bonita: Riobaldo comprova a existência do diabo quando um canivete cai no poço. No dia seguinte, ele vê que o poço roeu o canivete. O diabo está na água parada, que o corroeu. Estão na água os medos e angústias. Precisávamos evocar esses elementos sem representá-los. A terra, as plantas, os peixes e a água, sem usar (tais) elementos. Em outra cena linda, Diadorim e Riobaldo seguem na canoa. Só os corpos dos atores fazem o rio.

Imersão no SESC
Em 27 de junho, comemoram-se os 110 anos de nascimento do escritor João Guimarães Rosa. Para lembrar a data, o Sesc Palladium promove o projeto Imersão Grande Sertão, idealizado pelo músico e poeta Makely Ka. O evento será aberto hoje, às 18h, com o Café do sertão. O público stá convidado a degustar produtos de cooperativas da região do Mosaico Veredas/Peruaçu. A programação será encerrada no domingo (24). O Sesc fica na Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro.


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