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Estado de Minas

Denise Fraga é puro rancor em 'A visita da velha senhora', peça que estreia em BH nesta quinta

Espetáculo gira em torno dos planos de vingança de uma mulher que fica bilionária e volta a sua cidade disposta a acertar as contas com o homem que a abandonou


24/04/2018 07:00 - atualizado 24/04/2018 10:27



(foto: CACÁ BERNARDES/DIVULGAÇÃO)
(foto: CACÁ BERNARDES/DIVULGAÇÃO)
A visita da velha senhora, peça escrita pelo suíço Friedrich Dürrenmatt em 1956, sobreviveu ao tempo abordando sentimentos universais e atemporais. Levado para o atual contexto político e social brasileiro, é como se o texto tivesse acabado de ser concebido. Esse é o consenso a que chegaram os atores Denise Fraga e Tuca Andrada, que encenam a clássica tragicomédia nesta semana em BH.

Com a montagem, Denise completa uma trilogia de adaptações centradas no contraponto entre os valores éticos e o poder do dinheiro. Seus últimos trabalhos nos palcos foram A alma boa de Setsuan e Galileu Galilei, textos do alemão Bertolt Brecht com abordagens semelhantes, mas muito diferentes de A visita em seus desenvolvimentos. A atriz entende que Brecht desconstrói as ilusões humanas propondo possíveis transformações, ao passo que Dürrenmatt traz uma visão não tão otimista no destino de seus personagens.

“O Dürrenmatt expõe, em um de seus ensaios, que não existem culpados ou inocentes, somos todos pecados e vítimas nesse ‘manicômio labiríntico’ – como o autor define a forma de vida louca que o ser humano inventou”, observa a atriz. “Para ele, essa abordagem no palco só é possível com a comédia. O humor, afinal, traz a possibilidade de reflexão ao mesmo tempo em que diverte. As pessoas vão ao teatro à procura de um momento de lazer, mas saem transformadas de alguma maneira”, afirma ela.

Denise Fraga interpreta Claire Zachanassian, uma bilionária com sede de vingança que retorna a Güllen anos após ser expulsa da cidade. Ao encontrar a população na miséria, ela oferece uma grande quantia em dinheiro a quem se dispuser a matar Alfred Krank (Tuca Andrada), o homem por quem foi apaixonada e que a abandonou grávida no passado.

“Quando Claire faz essa proposta louca à cidade, todos, a princípio, se negam. Mas ela diz: ‘Eu posso esperar’. A partir daí, Dürrenmatt cria uma obra-prima de dramaturgia, com uma sucessão de cenas hilárias sobre as reações daquelas pessoas na iminência de receber o bilhão que ela oferece”, diz Denise.

A trama desencadeia uma série de questionamentos sobre a flexibilidade dos valores humanos diante da necessidade de sobrevivência ou da pura ganância. “Citando Brecht, ‘que ética resiste à fome’? Até onde a gente se vende para poder comprar? Nós somos tentados, todos os dias, a sair de quem somos e ter atitudes contrárias aos nossos princípios. O texto trata dessa letargia e propõe como essa omissão possa virar ação”, analisa.

Com mais de 30 anos de carreira, Denise Fraga leva as reflexões da peça para a sua vida. “Parece que a regra é nunca deixar de ganhar mais, mesmo que você esteja feliz no lugar que ocupa. Escolhi ganhar menos, fazendo o teatro em que eu acredito. O dinheiro é importante, claro, mas ele não pode determinar a minha vida.”

JUSTIÇA A atemporalidade do texto de Dürrenmatt surpreende os atores de A visita da velha senhora. Algumas passagens, em especial, soam como referências diretas ao noticiário político e social brasileiro. “Há quatro anos  eu já queria montar a peça e, com tudo o que aconteceu nesse meio-tempo, além de atemporal ela foi ficando assustadoramente propícia. Em algumas ocasiões, nos ensaios, as falas pareciam ‘cacos’ adicionados ao texto, porque tinham tudo a ver com as manchetes, de tão perfeita e justa que é a parábola da peça”, observa a atriz.

Tuca Andrada atribui parte do sucesso da montagem ao diálogo da história com assuntos contemporâneos. “Que justiça é essa que se adapta às conveniências da sociedade? Até onde você é capaz de ir para sobreviver? Qual é o seu limite ético?” Questionamentos como esses, apontados pelo ator, caem como uma luva nesta época assolada pela crise institucional brasileira.

“O texto dialoga com qualquer parte do mundo, mas parece que foi escrito especialmente para o Brasil de hoje. Além de justiça, aborda ética, empoderamento feminino, linchamento popular, entre outros assuntos tão latentes”, cita.

Os atores entendem que parte da riqueza do texto está na complexidade de cada personagem. Apesar de ter atitudes controversas e, por vezes, hediondas, todos são movidos por sentimentos comuns a todos nós e não se encaixam em uma dicotomia entre o bem e o mal. “Não há vilões na história, todos foram levados pelas circunstâncias. O que Alfred fez foi terrível, mas a solidão que ele encontra nos momentos finais, sem qualquer escuta para sua defesa, revela um personagem totalmente humano”, analisa Tuca Andrada.

“Dürrenmatt é muito pessimista, ao contrário de Brecht. Para ele, a humanidade não deu certo. Meu personagem não se redime do que fez no passado, mas entende que não há fuga possível, a não ser refletir e aceitar que foi ele quem construiu toda aquela história. Ele reúne todas as características de um personagem trágico: arma o seu próprio destino, tenta fugir dele, mas percebe que não há outra saída senão aceitá-lo”, descreve o ator.

Denise Fraga destaca o auxílio do diretor Luiz Villaça (com quem é casada), para a composição de sua Claire. “Dürrenmatt escreveu que nada atrapalharia mais essa tragédia do que não ser levada como uma comédia. Ao mesmo tempo em que tem um quê de vilã, Claire é um emblema do poder econômico e, debochada, se diverte manipulando a cidade. Seria muito fácil fazer uma malvada, mas ela é safa, tem savoir-faire”, diz Denise.

CLÁSSICO A trajetória artística de Friedrich Dürrenmatt é marcada pelo humor sarcástico e por romances policiais. A visita da velha senhora se tornou um clássico, servindo como base para o argumento de diversas obras para cinema e TV. Tuca enxerga no passado do dramaturgo como escritor de radionovelas de suspense a razão de sua desenvoltura para construir uma peça nos mesmos moldes. “É fantástica a capacidade desse texto de envolver o espectador. Boa parte do público já sabe como é o final da história e, mesmo assim, a tensão se mantém até o fim”, aponta o ator.

“Antes de tudo, a peça tem uma história ótima. O folhetim e os clichês não existem por acaso. Logo no fim do primeiro ato, vejo a plateia abrir a boca, literalmente, tamanho o grau de surpresa”, conta Denise. Além de interpretar a protagonista, ela participou da adaptação do texto original, ao lado de Maristela Chelala e da tradutora Christine Röhrig.

“Não fizemos nenhuma grande alteração, só alguns cortes, porque a peça era longa e tinha 20 atores. Reduzimos para 13, unindo alguns personagens em um só, porque seria inviável fazer a montagem com um elenco tão grande”, diz Denise, que afirma ter conseguido reunir o elenco de seus sonhos.


FIGURINO DE FRAGA

O estilista mineiro Ronaldo Fraga assina o figurino de A visita da velha senhora. “A peça tem esse ponto altíssimo que é o figurino. Adoro o trabalho dele e sempre disse que nós precisávamos trabalhar juntos. Muito mais que estilista, o Ronaldo é um artista e um pensador. Ele dá show, como sempre”, elogia Denise Fraga.


A VISITA DA VELHA SENHORA
De quinta-feira (26/4) a sábado (28/4), às 20h; domingo (29/4), às 18h. Teatro Sesiminas (Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia; (31) 3241-7181). Ingressos a R$ 70 (inteira) e R$ 35 (meia-entrada), à venda na bilheteria do teatro ou pelo site www.tudus.com.br.


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