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Estado de Minas

Bailarino mineiro Oscar Capucho mostra que a cegueira não é uma limitação na dança

Mesmo antes de perder a visão, aos 9 anos, ele aprendeu com a mãe que eram infinitas suas chances de criar


21/03/2018 08:23 - atualizado 21/03/2018 10:53


“Mãe, é para a senhora!” Com esse grito, o bailarino Oscar Capucho iniciou o pas de deux com a bailarina Renata Mara no Maracanã em 7 de setembro de 2016. Naquela quarta-feira, os olhos de milhares de pessoas em todo o mundo estavam voltados para abertura dos Jogos Paralímpicos no Rio de Janeiro. De lá pra cá, Oscar se dedicou cada vez mais à dança e credita o sucesso no caminho percorrido à mãe, Irene Capucho, que já “não está entre nós”. Foi ela quem o ensinou que era preciso guardar na memória tudo o que não pudesse pegar, quando, aos 9 anos, o problema de visão se agravava, dando sinais de que o filho não contaria com o sentido por muito tempo.

'Em geral, as pessoas me olham ou como um pobre coitado ou como um herói. Quero ser visto como uma pessoa comum', conta Oscar. (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
'Em geral, as pessoas me olham ou como um pobre coitado ou como um herói. Quero ser visto como uma pessoa comum', conta Oscar. (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)


Vestido de preto, Oscar e Renata fazem duo em que demonstram muita intimidade. “Temos bailarinas cegas no Brasil. Mas não temos bailarinos cegos. Sou um dos poucos”, lembra. Oscar passou por audição para ser escalado para o papel, integrando o elenco da cerimônia, que contou com nomes como o maestro João Carlos Martins. A cerimônia teve a direção do jornalista e escritor Marcelo Rubens Paiva, o designer Fred Gelli e o artista plástico Vik Muniz. Atualmente, Oscar está circulando pelo interior de Minas com o espetáculo E a cor a gente imagina, criado por ele e pelo bailarino Victor Álves, e tem diversos espetáculos de teatro e dança no currículo.

A visão de Oscar se foi na infância, mas os conselhos de dona Irene fizeram com que ele se abrisse para o mundo da imaginação, o que lhe garantiu possibilidades profissionais e pessoais. Onde o menino de Vespasiano, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, poderia encontrar mais possibilidade para as invencionices do que na arte? Oscar recorda o primeiro contato com os palcos, quando a visão ainda era um dos sentidos para apreender o mundo. Aos 4 anos, assistiu à peça Brincando na terra dos gigantes, no Teatro Clara Nunes. Aprendeu com quem estava no palco que, naquele universo, tudo era possível. A falta dos “faróis”, como Oscar se refere aos olhos que ficam cerrados todo o tempo, não impediria que ele adentrasse no mundo das artes e experimentasse todas as linguagens: domina as artes dramatúrgicas, técnicas circenses, a dança contemporânea e se arrisca até no balé clássico, embora não tenha essa formação desde a infância.

Oscar anda de perna de pau, equilibra-se no tecido, cria coreografias, atua. “É muito bom ficar livre em suspensão no ar. Na perna de pau, eu só dependo de mim. De cima delas, fico de pé por conta da técnica e do que sei fazer”, afirma. Não tem medo de se colocar em risco, sejam os oferecidos por calçadas esburacadas por onde tem que passar diariamente para ir aos ensaios de um dos espetáculos em que integra o elenco, seja na aventura de se dedicar à nova linguagem artística. “Vivo no risco para saber até onde dou conta. Encontro um caminho”, diz, ciente de que a limitação não o incapacita para nada. “Em geral, as pessoas me olham ou como um pobre coitado ou como um herói. Quero ser visto como uma pessoa comum”, pontua.

Para a cerimônia de abertura das Paralimpíadas, Oscar se preparou por nove meses. “Quando me convidaram, pediram segredo. Não poderia contar nem para a minha família. Mas foi difícil. Sou artista e gosto de contar tudo o que estou fazendo nas redes sociais”, revela. Foram nove meses de trabalho e também de algumas privações, como a mudança na alimentação. Cortou açúcar, bebida, e passou a comer alimentos integrais para estar em forma. “Quando me fizeram o convite, pesava 69 quilos. No dia da cerimônia, estava com 63.” Ao longo dos ensaios, veio a dúvida se ele daria conta do desafio e, mais uma vez, a voz de dona Irene o colocou para frente: “Você não chegou até aqui para parar agora, não é meu filho?”, diria a mãe.

A experiência de conhecer os bastidores, quando na infância assistiu a Brincando na terra de gigantes, nunca foi esquecida. Mesmo contrariando o desejo do pai, que sonhava que o filho se tornasse fisioterapeuta, Oscar resolveu que seria ator. A trajetória começou em curso de teatro em Vespasiano. Depois de fazer cursos livres, prestou vestibular para o Teatro Universitário (TU), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Quando passei, pensei: agora é pra valer”, recorda-se. Na primeira aula, o professor pediu aos alunos para reconhecer o espaço e fazer a técnica da triangulação, quando os atores olham e interagem entre si. Oscar não se intimidou, porque entende que olhar para o outro é algo além da visão. Dez anos depois de formado, Oscar voltou à UFMG como professor convidado para a disciplina de dança e necessidades especiais, a convite da professora Ana Carvalho.

O bailarino mora sozinho e mantém rotina como qualquer outra pessoa: trabalha, paga contas, tem relacionamentos, vai ao cinema. Mas a forma como muitas pessoas lidam com a cegueira o incomoda. “Às vezes, estou no ponto de ônibus e uma criança fala: ‘Mãe, ele está com os olhos fechados’. A mãe pede que o menino se cale, que não fale isso. Perde a oportunidade de falar que estou com os olhos fechados porque sou cego, mas que tenho a guia. Falar de forma natural sobre a cegueira.” Para ele, essa abordagem é um erro. Quando a criança cresce, vê o cego como “um coitado”.

PESQUISA E DESAFIOS Oscar Capucho nasceu em 23 de maio de 1983. Há 10 anos, comemora o seu aniversário nos palcos. Para a comemoração deste ano, pretende estrear espetáculo com os poemas de Carlos Drummond de Andrade. O espetáculo, ainda sem título, é codirigido por ele e Anamaria Fernandes. “A ideia é fazer os poemas falados e dançados na língua brasileira de sinais (Libras) e na língua dos sinais imaginários.”

Em seus trabalhos, Oscar convida o público para o universo das pessoas que não podem ver. Essa é a proposta de Olhos meus, da Cia. Corpos Mistos, formada por Oscar, Anamaria e Duda Dias. O espetáculo ficou em cartaz na Funarte, em Belo Horizonte, de 2 a 9 de dezembro de 2017. “Trazemos o espectador para o mundo da não visão. O espectador assiste de olhos vendados”, diz. Ao longo de 50 minutos, o público experimenta os outros sentidos. Atualmente, prepara a versão infantil do espetáculo. “Como é para criança, faremos uma versão menor, mas todos os elementos sensoriais serão explorados.”

Em todas as linguagens artísticas, Oscar se atenta para a sinestesia. O artista codirigiu com Lenise Moraes o espetáculo Memória de Ana, espetáculo criado a partir da pesquisa de Dinalva Andrade e apresentado na 43ª edição da Campanha de Popularização Teatro e Dança, em fevereiro do ano passado.


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