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Estado de Minas

Gisberta, peça dedicada à brasileira cruelmente assassinada em Portugal, chega a BH

Luis Lobianco lança mão de poesia, humor e lágrimas para mobilizar a sociedade contra a transfobia


01/01/2018 12:49

 

O ator Luis Lobianco ficará em cartaz no CCBB até fevereiro(foto: Elisa Mendes/Divulgação)
O ator Luis Lobianco ficará em cartaz no CCBB até fevereiro (foto: Elisa Mendes/Divulgação)
Ano passado, 196 pessoas trans foram assassinadas no Brasil, de acordo com monitoramento realizado pela Rede Transbrasil. Os país ocupa o primeiro lugar no ranking mundial de violência contra cidadãos LGBTs. O trágico cenário mobilizou o ator Luis Lobianco, que decidiu dar visibilidade a essa vergonhosa realidade por meio da peça Gisberta, com texto de Rafael Souza-Ribeiro e direção de Renato Carrera. Sexta-feira (5), o espetáculo estreia no CCBB de Belo Horizonte.


Integrante do coletivo de humor Porta dos Fundos, Lobianco, de 35 anos, procurava um texto para encenar nos palcos. “Estava lendo muitas coisas em busca de algo que me emocionasse. Antes de atuar no Porta dos Fundos, onde fiquei conhecido, fazia teatro”, conta o ator, que tem 23 anos de profissão. O encontro com a personagem ocorreu em 22 de fevereiro de 2016. De férias em Teresópolis (RJ), ele ouviu Balada de Gisberta, canção do português Pedro Abrunhosa interpretada por Maria Bethânia.


“Não tinha parado para pensar quem foi Gisberta. Por coincidência, estavam se completando 10 anos do assassinato dela no Porto”, relembra. Aos 18 anos, a brasileira que inspirara a canção de Abrunhosa se mudou de São Paulo para Paris. Pretendia fugir da violência que atingia amigas que, como ela, optaram pela mudança de gênero.
Na Europa, Gisberta passou por tratamento hormonal. Seguiu da França para Portugal com o objetivo de trabalhar como atriz e cantora, mas enfrentou dificuldades por ser transexual. No Porto, encontrou a morte. Aos 45 anos, foi assassinada por jovens atendidos por uma instituição religiosa.


“Na hora em que ouvi a canção, acabaram as minhas férias. De imediato, liguei para jornalistas que acompanharam o caso, ativistas LGBT. Encontrei muito material em Portugal sobre a morte dela, mas não havia quase nada aqui no Brasil”, recorda o ator.


Lobianco convidou o dramaturgo Rafael Souza-Ribeiro, o diretor Renato Carrera e a produtora Cláudia Marques para seu novo projeto. “Como o trabalho foi feito de modo colaborativo, todos nós somos agentes do texto. Eu improvisava e Rafael transformava em texto. O contrário também ocorreu. Eu trabalhava em cena o texto que ele levava. Formamos uma colcha de retalhos de células de arte. O espetáculo é música, poesia, história real, personagens fictícios, personagens reais, depoimentos dos familiares e nossas histórias”, explica.

humorista  Apesar do destino dramático da brasileira assassinada no Porto, a proposta transita entre o humor e o drama. “Renato teve a sensibilidade de não me negar como humorista. É uma história trágica contada com humor”, diz Lobianco. “Isso tem a ver com minha busca. O humor pode ser crítico, pode ser poético. Você pode ver uma poesia linda e sorrir. Também é empatia.”


O processo de imersão levou o ator até os familiares de Gisberta, em São Paulo, que a descreveram como uma pessoa alegre, de bem com a vida. “Descobri que ela tinha muitas histórias engraçadas”, comenta Lobianco. Porém, era necessário revelar a forma cruel como sua vida foi interrompida.


 O espetáculo se inicia com os pontos em comum entre a infância de Lobianco e Gisberta. “Se começasse de forma dura, eu me distanciaria do público. As pessoas riem muito. Quanto mais riem, mais choram no final. É uma história humana composta de riso e choro”, diz o ator.

Marilyn Lobianco diz ter vários elementos em comum com a personagem: “Ela era artista da noite. Gostava de cantar, era fã de Fafá de Belém, Vanusa e Marilyn Monroe”. Além do coletivo Porta dos Fundos, o ator participa do Buraco da Lacraia, ocupação cultural realizada no Centro do Rio de Janeiro. “É um cabaré bem-humorado e político que atrai o público LGBT, um oásis de convivência da diversidade. Gisberta trabalhava em um ambiente assim no Porto”, explica.


A discussão suscitada pelo espetáculo chega em momento oportuno, enfatiza Lobianco. O debate “saiu do armário” e passou a ser público. “Sou otimista. Dá desespero quando parece que estamos retrocedendo. Por muito tempo, a discussão foi adiada. Hoje, conseguimos colocar essas questões. Os LGBTs não vão parar”, avisa.


Lobianco comenta que um dos reflexos desse avanço é a visibilidade conquistada por Pabllo Vittar, cantora drag queen. “Ela e Anitta estão movimentando a cena pop brasileira. Ter uma drag nesse lugar de tanto sucesso pode ser o indicativo de que alguma coisa está mudando”, conclui.

 

Vítima do desamor

Em 22 de fevereiro de 2006, Gisberta Salce Júnior, de 45 anos, foi assassinada por 14 jovens na cidade do Porto, em Portugal. Por vários dias, foi violentada pelo grupo. O corpo foi jogado num poço. Nascida em São Paulo, a brasileira se transformou em símbolo da luta LGBT em Portugal. Sua morte violenta ampliou o debate sobre a transfobia no país europeu.


O ator Luis Lobianco diz que Portugal conseguiu reduzir a violência contra pessoas trans, facilitando a elas a obtenção do nome social. O assassinato de Gisberta expôs as péssimas condições da instituição religiosa que atendia os jovens criminosos. “Eles não tinham sequer escova de dentes, eram abusados pelos padres. Essa história revela o que o desamor traz. Os rapazes reproduziram o que viviam no dia a dia”, diz o ator.
Os assassinos de Gisberta cumpriram penas socioeducativas. “O sentimento de impunidade deu força ao movimento por busca de direitos em Portugal”, reforça Lobianco.


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