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Estado de Minas

'Guanabara Canibal' discute extermínio indígena e a antropofagia no Brasil

Peça d'Aquela Cia., que estreia nesta sexta-feira, 24, em BH, no CCBB, e vai até 18 de dezembro


23/11/2017 09:52 - atualizado 23/11/2017 10:03

Aquela Cia. discute a violência em Guanabara canibal, que estreia amanhã, no CCBB.(foto: Júlio Ricardo/Divulgação)
Aquela Cia. discute a violência em Guanabara canibal, que estreia amanhã, no CCBB. (foto: Júlio Ricardo/Divulgação)

Antes da chegada dos portugueses à Baía da Guanabara, no século 16, os tupinambás realizavam rituais em que comer carne humana tinha finalidade espiritual, fazia parte do ethos daquele povo. Cinco séculos separam o Rio de Janeiro selvagem, com milhares de indígenas, do urbano, com 6,32 milhões de habitantes. Para quem pensa que essa prática ficou no passado, Guanabara canibal, com direção de Marco André Nunes e dramaturgia de Pedro Kosovski, mostra que o Rio continua antropofágico.

Montada pelo grupo Aquela Cia., a peça estreia na sexta-feira (24) em BH, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). A temporada vai até 18 de dezembro. “A cidade devora a si própria. Linda, maravilhosa, mas profundamente violenta, administrada por sucessivos governos que tratam a população com descaso absoluto. Veja o preconceito racial, cultural e social. A violência está no dia a dia”, afirma o diretor Marco Nunes.

A montagem chama a atenção para o extermínio da população indígena no Rio de Janeiro. Vestígios das antigas tribos se encontram apenas na linguagem, em palavras como maracanã, ipanema, guanabara. Carioca, aliás, vem do tupi – significa casa do homem branco. Guanabara canibal encerra a trilogia da Aquela Cia, que montou Cara de Cavalo e Caranguejo overdrive, ambas em 2012.

 

 

“Tinha interesse em falar sobre o Rio, sobre o Brasil. Antes, meus trabalhos estavam focados em questões mais universais, em autores canônicos”, pontua Marco Nunes. Durante a pesquisa, ele recuou na história do Brasil até chegar à fundação da capital fluminense.

Marco Nunes despertou para a urgência de tratar do desaparecimento da cultura indígena ao ler O povo brasileiro, de Darcy Ribeiro. Deparou-se com o trecho de um poema de Mem de Sá, que narrava a campanha de extermínio dos tupinambás como um feito histórico.

“Ele contava o morticínio numa elegia”, lembra. “Toda uma etnia foi dizimada. A cidade do Rio de Janeiro, como tantas outras no Brasil, foi fundada a partir do extermínio de um povo. Quem não se sujeitava e se rebelava era exterminado”, afirma. No início do século 16, havia pelo menos seis aldeias, cada uma com 3 mil indígenas, no território onde hoje fica o Rio. “Pelo menos 20 mil índios foram mortos”, comenta o diretor.

A literatura quinhentista foi o ponto de partida para a peça, com relatos dos cronistas franceses Jean de Léry e André Thévet. Outra referência é o poema De gestis Mendi de Saa (Feitos de Mem de Sá), do padre José de Anchieta, narrativa da ofensiva portuguesa contra os tupinambás e a ocupação francesa da região. Durante o espetáculo, são projetadas litografias com imagens dos índios. A escolha do elenco partiu da diversidade étnica do Brasil.

RITUAL
A abordagem do canibalismo vai de encontro ao senso comum. “Não se tratava de alimentação. Eles não saboreavam (carne humana). Era o ritual espiritual fundante da cultura tupinambá. Você matava alguém da outra tribo que matou um dos seus”, explica o diretor. O ritual era totalmente codificado: o capturado se inseria nos costumes da aldeia e passava a conviver ali por períodos que poderiam ser longos.

“O capturado usava os adornos de quem o havia aprisionado. Participava de caçadas, passava a ser um ‘dos meus’. Ele sabia que seria devorado, mas não fugia. O guerreiro tinha que seguir seu destino. Como havia se transformado num dos que o capturaram, seria desonra voltar à aldeia com os símbolos do inimigo”, diz Nunes. A coragem era valor basilar daquela civilização.

Marco Nunes optou por se distanciar do realismo para trabalhar a representação cênica do canibalismo. O caminho seguido foi construir um espetáculo poético. “Chego a esse lugar pela força da cena, que conta com projeções, sons e afetos estéticos”, resume.

GUANABARA CANIBAL
Texto: Pedro Kosovski. Direção: Marco André Nunes. Com Carolina Virguez, Matheus Macena, Reinaldo Júnior, João Lucas Romero e Zaion Salomão. Em cartaz até 18 de dezembro. Sessões de sexta a segunda-feira, às 20h. CCBB. Praça da Liberdade, 450, Funcionários. Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada). Informações: (31) 3431-9400.


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