(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Comemorando 25 anos, Grupo Armatrux estreia a peça Nightvodka em BH

Espetáculo dirigido por Eid Ribeiro é baseado em Vozes de Tchernóbil, de Svetlana Aleksiévitch


25/10/2017 08:00 - atualizado 25/10/2017 08:53

Bruno Magalhães/Divulgação(foto: Bruno Magalhães/Divulgação)
Bruno Magalhães/Divulgação (foto: Bruno Magalhães/Divulgação)
No ano em que a Revolução Russa completa 100 anos, o Grupo Armatrux traz um pouco da ambiência, da cultura e dos costumes das ex-repúblicas soviéticas. Sem abordar os aspectos ideológicos, o espetáculo parte da música, poesia e literatura que os países atrás da Cortina de Ferro deram ao mundo. Nightvodka, peça dirigida por Eid Ribeiro, estreia na quinta-feira (26) a temporada que se estende até 20 de novembro, no Teatro 1 do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). A montagem começou a ser preparada em 2016, tendo como ponto de partida o livro Vozes de Tchernóbil (1997), da bielorrussa Svetlana Aleksiévitch, que reconstitui a maior tragédia nuclear da história a partir dos relatos das pessoas que a experienciaram. “Foi um processo longo. Muito artesanal. Mergulhamos nas obras de Svetlana. Estudamos os livros A guerra não tem rosto de mulher e Vozes de Tchernóbil. Na virada de 2015 para 2016, formos arrebatados por Vozes”, pontua a atriz Tina Dias.

Svetlana reconta a história de pessoas que, depois do desastre em abril de 1986 e diante da ameaça da radiação, deixaram os lares sem levar qualquer objeto nem mesmo os de uso pessoal. “Chernobil é uma metáfora para mostrar como a humanidade é vulnerável”, diz Tina. Como uma ameaça invisível, a radiação se alastrou para outras regiões, fazendo com que pequenos proprietários deixassem lavoura e criação. Os animais foram sacrificados. “A radioatividade não tem cor nem cheiro. As pessoas não entendiam o motivo de ter que abandonar as casas e deixar para trás a história e perder a identidade”, pontua.

Além de ficar sem a referência geográfica ao ser desterrados, os atingidos pela radiação adoeceram, muitos morreram e os que sobreviveram tiveram que lidar com o preconceito. “Temos os relatos das mulheres dos bombeiros, que trabalharam nos primeiros dias sem roupas adequadas e, depois, morreram em consequência da radiação. Temos casos de amor que não puderam continuar, o casal teve que se separar. O sexo era proibido e muitas pessoas ficavam com medo de ter filhos, porque as crianças nasciam com aberrações genéticas.”

Diante de histórias tão densas apresentadas no livro, a opção da dramaturgia foi trabalhar com “estados psicológicos”. No lugar de personagens, ganharam vidas personas. Esse recurso permitiu o uso de diversos depoimentos e relatos. A construção dessas personas também passa pela noção de força. Para isso, convidaram o coreógrafo Mário Nascimento, que retrata a força dos bailarinos para criar movimentos. “São corpos abalados que demonstram a força de estar resistindo. É um teatro físico, quase coreografado”, diz Tina sobre a parceria com o fotógrafo.

Em cena, Tina, Cristiano Araújo, Eduardo Machado e Raquel Pedras tiveram que superar diferentes desafios: corporal, musical e linguístico. Na preparação corporal, construíram movimentos que dialogam com a dança. Na parte musical, se aproximaram do cancioneiro russo. Tarefa nada fácil, uma vez que, ligado ao grupo de línguas eslavo-orientais, o idioma russo tem fonemas bem diferentes das línguas latinas. “Tem que estudar todos os dias. Os fonemas são muito diferentes dos nossos. Foi o maior desafio”, afirma Tina. Os artistas também tiveram que aprender a tocar ou se aprimorar em instrumentos. “Não são músicos. Estudaram para executar bem em cena”, afirma Eid. O elenco também contou com Marina Machado para a preparação musical.

O nome da peça, Nightvodka, vem de uma trilogia que está sendo escrita por Eid Ribeiro, em que aborda o Brasil no primeiro número, a Rússia no segundo, e os Estados Unidos no terceiro. O espetáculo estabelece relação com a tragédia ocorrida em Mariana com o rompimento da Barragem de Fundão, que completa dois anos em 5 de novembro. Quando o desastre completou um mês, foi recontada pelo Estado de Minas na reportagem multimídia “Vozes de Maria”, que também se inspirou no livro de Svetlana. Tina destaca que há muitos aspectos em comum entre as duas tragédias, em especial o desterramento dos atingidos.


NIGHTVODKA
Com Grupo Armatrux. Direção: Eid Ribeiro. Com Tina Dias, Cristiano Araújo, Eduardo Machado e Raquel Pedras. Estreia quinta (26/10). De quinta a segunda, às 20h, até 20/11. Teatro 1 do CCBB-BH. Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9503. R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).


três perguntas para...
Eid Ribeiro
Diretor e dramaturgo

Vocês buscaram inspiração no livro Vozes de Tchernóbil. O que motivou a aproximação com a escritora bielorrussa Svetlana Aleksiévitch?
A catástrofe em Chernobil está sujeita de ocorrer em qualquer lugar do mundo. Temos aí o exemplo de Mariana, da Amazônia. As riquezas do planeta estão se exaurindo: o petróleo, a água, o minério. Chernobil é uma metáfora para várias situações. Fala do nosso consumismo desenfreado. Olha o que o homem faz com o planeta e agora está pensando em ir para Marte. Não basta ter exaurido o planeta Terra. Estamos caminhando para uma hecatombe e ninguém faz nada. Outro fator que me motivou foi o interesse pela cultura russa. Temos Fiódor Dostoiévski (1821-1881), Leon Tolstói (1828-1910), Vladimir Maiakóvski (1893-1930).

Svetlana narra a história de pessoas que foram “desterradas”, perderam todos os bens e elementos que ativam a memória. Como contar essas histórias? Trata-se de um mergulho psicológico?
Não temos personagens. Trabalhamos esses estados psicológicos. Um só depoimento daria um espetáculo. Mas fizemos um apanhado com os trechos filosóficos e existenciais. É muito forte o sentimento de não pertencimento. As pessoas não puderam levar nada. Tudo ficou contaminado pela radiação. Portanto, é grande a situação de vazio existencial. Também abordamos os poetas russos, como Maiakóvski, Marina Tzvietáieva (1892-1941) e Anna Akhmátova (1889-1966). Buscamos referência na maravilhosa pintura de Marc Chagal (1887-1985) e no cinema de Andrei Tarkovski (1932-1986). Em 1976, Tarkovski dirigiu Stalker, filme que é uma premonição do que aconteceria com Chernobil (o filme fala de uma região que ficou conhecida como zona depois da queda de meteoritos). Você começa a dar valor ao voo da borboleta. A radioatividade destrói tudo. A gente passa a ter sentimento forte pela essência da vida.

Em seus espetáculos, o Armatrux faz importante uso cênico de objeto. Como isso ocorre em Nightvodka?
Em cada espetáculo, damos existência para os objetos. O copo não é apenas um copo. Adquire vida e sentido próprios. Imagina uma cadeira. Uma pessoa sentava ali. Pensa numa bengala de um velho. Os objetos têm energia e significados.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)