Preto Amparo encena 'Violento' no Galpão Cine Horto

Peça é uma tentativa de construção de uma identidade autônoma e uma viagem lírica em busca da ancestralidade africana

Cecília Emiliana
O ator propõe desnudar o racismo e evidenciar, com gestos e movimentos, as marcas do corpo negro. - Foto: Pablo Bernardo/Divulgação

Das chibatadas herdadas dos longos séculos de escravidão no Brasil às coronhadas da polícia, várias cicatrizes cobrem o corpo negro do ator mineiro Preto Amparo. Igualmente entranhadas na carne, ele carrega profundas marcas simbólicas. Da hipersexualização – face “aceita” do racismo que objetifica as pessoas negras –, ao rótulo de trabalhador braçal, o homem negro é cercado de estereótipos tão arraigados que, por vezes, o desconectam de sua própria humanidade.

Violento, peça que Amparo estreia nesta sexta-feira, 20, no Galpão Cine Horto, em Belo Horizonte, é uma tentativa de construção de uma identidade autônoma, liberta da chancela opressora da “branquitude”. Dirigido por Alexandre Sena, o espetáculo busca não só apontar o racismo que fere os corpos negros, como também explorar todas as possibilidades que lhe são negadas. Para tanto, se vale de uma linguagem centrada em gestos e movimentos. O roteiro tem apenas uma frase. “Começo fora do teatro, numa área performática fora de cena. E daí, a gente vai entrando junto com o público, fazendo essa transformação.
Saímos do espaço urbano, impregnado de todas as referências que, para nós, são desumanizadoras, até chegar no palco, onde eu me desnudo, troco de roupa, para me conectar com a ancestralidade. O figurino e cenário foram construídos com elementos mais orgânicos, como tecidos naturais, por exemplo, para mostrar esse movimento de reconexão com as raízes da negritude. A única frase que compõe o texto é dita no meio da peça, tanto para reforçar o lugar de fala do homem negro hoje, como tudo aquilo que o corpo dele é capaz de dizer”, diz Preto Amparo.

Formado em artes cênicas pela UFMG, é a primeira vez que o artista participa de uma peça como ator – em que pese sua longa experiência teatral como iluminador. Segundo Amparo, o próprio fato de ele ter saído das coxias para o centro do palco diz muito sobre os lugares reservados à negritude em todas as searas de produção e conhecimento, incluindo as artes. “É interessante porque essa peça nasceu de uma performance que apresentei, a princípio, na Escola de Belas-Artes. A cena começou a atrair as pessoas, o público chegou a se aproximar e, temendo ‘baderna’, a diretora da unidade mandou fechar as portas. Ou seja: isso é muito revelador sobre o que é ser ator negro no contexto brasileiro. Mesmo carregando uma chancela institucional importante como a da UFMG, o meu trabalho carrega um certo estigma de ‘passeata’. Tem um bando de negros ali no palco, então, para muita gente, aquilo é ‘protesto’ ou qualquer coisa do gênero”, reflete Amparo.

Nascido em Patrocínio, no Triângulo Mineiro, ele faz questão de pontuar que Violento é, antes de tudo, uma proposta estética, uma experiência lírica – não um discurso social ou simples catarse de suas vivências enquanto afrodescendente. “A gente desnuda o racismo para o público, fala sobre as violências sofridas pelo corpo negro, porque isso é inerente ao tema da apresentação. Somos, afinal, negros em busca de identidade, de narrar nossa própria história, de dizer quem somos, de onde viemos, aonde queremos chegar. Mas estamos propondo, para além disso, uma linguagem estética, estamos ali fazendo teatro que pensa roteiro, estética, iluminação. Quero entrar no diálogo das artes, o que, de modo geral, é o que os artistas negros querem.
E se a nossa arte leva o selo de panfletária, não é porque nós produzimos panfleto, isso reflete um olhar social preconceituoso em relação a nós”, conclui o ator.

VIOLENTO

Direção: Alexandre Sena, com Preto Amparo.  Sexta (20) e sábado (21), às 20h, domingo (22), às 19h. Galpão Cine Horto (Rua Pitangui, 3.613, Horto, (31) 3481-5580). Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada), à venda no site Sympla e na bilheteria do teatro.
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