Curiosamente, Plínio brincava ao desdenhar da importância de sua escrita. Acreditava que não era a força de suas peças que faria dele um clássico, mas o fato de o Brasil não evoluir. “Mas tal força está no domínio extraordinário que ele tem do seu ofício”, comenta o crítico e professor de literatura Alcir Pécora, responsável pela organização dos volumes. Pécora instituiu classificação tão eficiente para o legado de Plínio quanto a criada por Sábato Magaldi para a obra de Nelson Rodrigues. “É isso que o torna capaz de representar questões e contradições agudas do Brasil, nas quais, como na piada que você menciona, ele via um caráter crônico, que as tornava mais ou menos as mesmas desde o início da sua produção, no final dos anos 1950.
VIRULÊNCIA
De fato, Plínio criou um universo dramático sem concessões fáceis ao bom sentimento. Dois perdidos, por exemplo, montada pela primeira vez em 1966, revelou-se uma obra de virulência até então desconhecida. “Impressionou o teatro brasileiro por fora, por dentro, para trás e para a frente”, observa Pécora. “Por fora, porque a violência, o palavrão, a gíria eram algo inédito até então em palcos brasileiros, e mesmo em termos mundiais. Por dentro, porque essa contundência exterior se articulava a uma profundidade psicológica igualmente incomum no Brasil. Para trás, porque ajudou o teatro militante de esquerda a encarar o seu idealismo esquemático e condescendente no tratamento da gente do povo e do proletariado. Para a frente, enfim, porque abriu passagem para toda uma geração, aquela da chamada Nova Dramaturgia, de extração classe média e universitária, que tratou de pensar a política também em sua dimensão pessoal, psicológica, comportamental”, afirma o professor.
Pécora selecionou 29 peças concluídas por Plínio (10 são publicadas pela primeira vez) a partir da última revisão feita pelo autor. Procurou ainda não unir clássicos em volumes separados, mas espalhados pela coleção e unidos com textos com uma linha temática principal.
Muitas peças, como Navalha na carne e Dois perdidos, foram censuradas pelo regime militar. Como curiosidade, o sexto volume reúne o teatro musical (como O Poeta da Vila e seus amores, de 1977) e também as peças infantis de Plínio.
Fotos, cartazes, imagens de textos escritos a mão pelo dramaturgo e outras curiosidades, como ingressos de espetáculos, ilustram a obra, cuja iconografia é assinada por Ricardo Barros, filho de Plínio. A atriz Walderez de Barros, ex-mulher do dramaturgo e mãe de seus três filhos, estabeleceu a versão final das peças.
CADEIA
Plínio era um artista de mente livre, despojada, mas profundamente atento ao que o cercava. Sua primeira peça, Barrela, de 1958, sobre a tensa relação entre homens na cadeia, foi inspirada em uma notícia de jornal sobre a curra ocorrida em um presídio masculino. No texto, aliás, o que provoca a explosão na relação dos encarcerados é um cigarro, o que comprova a coerência técnica de Plínio em relação à importância que os objetos assumem para detonar a situação-limite.
Enquanto um par de sapatos é motivo de uma briga mortal em Dois perdidos numa noite suja, a luminária quebra a tênue convivência de O abajur lilás.
O afilhado de Pagu
Peças de Plínio Marcos, com diálogos marcantes, palavrões e gírias criadas nas periferias e favelas, foram censuradas pelo governo militar. Ao retratar a gente do povo, o dramaturgo sabia do que falava – foi camelô, vendedor de álbuns de figurinhas, funileiro, palhaço de circo e quis ser jogador de futebol.
Influenciado pela escritora e ativista Pagu, musa do Modernismo, Plínio se envolveu muito jovem com o teatro amador em Santos, sua terra natal. Em 1967, na capital paulista, estreou o clássico Navalha na carne, depois da pressão de artistas para que o texto fosse liberado. Foi, mas para maiores de 21 anos.
Uma ano depois, a montagem carioca, dirigida por Fauzi Arap, deu novo impulso à carreira de Tônia Carrero, a prostituta Neusa Suely, que contracenou com Nelson Xavier, o gigolô Vado, e Emiliano Queiroz, o gay Veludo.
Entre filmes inspirados em suas peças estão A Rainha Diaba (1974), dirigido por Antônio Carlos da Fontoura; Barrela (1990), de Marco Antonio Cury; Navalha na carne (1997), de Neville de Almeida; Dois perdidos numa noite suja (2002), de José Joffily; e Querô (2007), de Carlos Cortez. Aos 64 anos, o dramaturgo morreu de infecção pulmonar, depois de sofrer dois derrames cerebrais.
PLÍNIO MARCOS – OBRAS TEATRAIS
. Organização: Alcir Pécora
. Editora Funarte
. Seis volumes
. R$ 35 (cada livro).