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Fernanda Montenegro e Otávio Müller estreiam neste domingo quadro no Fantástico

Rio de Janeiro – A admiração e o respeito de Fernanda Montenegro por Nelson Rodrigues (1912-1980) ficam claros em cada frase que ela diz sobre o mais notório dramaturgo brasileiro. “Minha geração de teatro sempre soube que ele era um gênio”, afirma a diva do teatro nacional, refutando as críticas de que Nelson foi alvo ao longo de sua carreira. “Certa vez, Carlos Drummond de Andrade disse que o teatro dele era podre. Um teatro podre. Veja bem o que esse homem aguentou”, comenta, com ar de desapontamento.

Fernanda sempre foi defensora do dramaturgo. “Era também um grande memorialista, como Pedro Nava. Peguem as crônicas de A vida como ela é... É o Brasil, somos nós, seres humanos, ali.

Como cronista esportivo, tinha seu reconhecimento”, pontua.

Os olhos de Fernandona brilham quando ela fala sobre o novo trabalho que ela e Otávio Müller estreiam hoje à noite no Fantástico, Nelson por ele mesmo, título do livro homônimo organizado por Sonia Rodrigues, filha do dramaturgo, com depoimentos do pai. “Quando li o livro, quis fazer alguma coisa sobre essas crônicas, que são tocantes”, conta ela, que se debruçou sobre o projeto por um ano. Chegou a convidar Otávio Müller, que, na época empenhado em novela e teatro, não aceitou a empreitada – e a ideia ficou só no pensamento de ambos. Até que, um dia, o assunto foi parar na direção artística da Globo, que gostou da proposta.

A Fernanda e Otávio uniram-se Geraldo Carneiro, responsável pela adaptação, João Jardim, diretor dos seis episódios, Walter Carvalho, que assina a direção de fotografia, e Rafael Dragaud, o diretor artístico. O quadro foi sendo construído aos poucos, a partir dos encontros da equipe. “O processo foi muito simples, com o registro de tudo que estava sendo feito, desde os ensaios na casa da Fernanda, as reuniões do grupo. No estúdio, Fernanda efetivamente dirigiu Otávio.
Tentamos registrar da maneira mais iluminada e brilhante possível esse encontro. Fernanda dirigindo, e Otávio trazendo um Nelson que ele sempre desejou fazer”, explica João Jardim.

Muito do que irá ao ar não estava no roteiro. “As falas de Fernanda são pensamentos dela, que ocorreram nos dias de gravação. O quadro tem a parte roteirizada com o texto do Nelson, dito por Otávio, e outra documental sobre como aquilo foi feito”, explica o diretor. A atriz acrescenta: “No fundo, no fundo, é uma grande reportagem desse homem extraordinário que é Nelson Rodrigues, que, depois de morto, o Brasil conceituou como gênio”.

Fernandona conviveu por 10 anos, “nas priscas era da mocidade”, com o autor de Os sete gatinhos. Juntos, trabalharam em duas novelas; ela atuou na peça O beijo no asfalto (1961) e no longa A falecida (1965), que marcou sua estreia no cinema. Fernanda aponta Geni, de Toda nudez será castigada, e Alaíde, de Vestido de noiva, como as personagens mais emblemáticas. “As mulheres de Nelson são mais poderosas cenicamente do que os homens.
Em sua dramaturgia, há um espaço muito traumático para as mulheres, assim como loas a esse feminino estertorante diante do que a vida lhes reserva”.

CRÍTICO VORAZ Nelson seria uma figura importante para os dias de hoje? Para Otávio Müller, ele seria um crítico voraz, venenoso. “Seria interessante o ponto de vista dele em um momento tão estranho do Brasil”, opina. “Não podemos falar por ele, mas tenho a impressão de que ele não defenderia, porque não tem como defender, o momento que a gente vive. Não sabemos o terror que estamos atravessando. Sempre havia alguma reserva, que poderia nos trair, mas deste vazio não me lembro. Não tenho como duvidar que Nelson estaria no mesmo estupor que nós. Aliás, ele era o homem do estupor. Toda a obra dele é um estupor. Por isso era tão brasileiro”, diz Fernanda.

Mesmo num cenário tão obscuro, Otávio é otimista. “Temos que ser (otimistas), mas pode ser que, por pensarmos assim, caia uma bomba na nossa cabeça.
Talvez até por não ter outra saída, temos que ter esperança”, afirma. “Por outro lado, devemos continuar trabalhando, mesmo com situações tão sombrias e desesperadoras como vive o teatro no Rio de Janeiro. Está cada vez mais difícil manter um espetáculo em cartaz, as casas fechando... Mas continuaremos trabalhando.”

Sobre a situação política atual, Fernanda Montenegro diz: “Esses homens que estão lá foram postos por nós, pelos nossos votos. E fizeram um país dentro de um país. Colonizaram o Brasil. É um governo que não nos pertence. Há um país, em Brasília, colonizando o Brasil. Pior do que os portugueses, que tiveram que atravessar o Atlântico, esses estão dentro do país e, por incrível que pareça, são brasileiros”.

Ela também lamenta o descaso com a cultura, que, na visão da atriz, tem uma abrangência global. “Tudo é um ato cultural.
Você ter saneamento básico, boas escolas, bons hospitais é um tipo de cultura. O que a gente come é cultura, o que a gente lê é cultura. A cultura é o próprio país. Todo país que tem respeito à sua cultura nos diversos espaços é um país. Enquanto o Brasil não entender isso, não teremos um país.”

No encontro com jornalistas, nos Estúdios Globo, para falar sobre o programa, Fernanda apareceu com um visual diferente do que se verá no quadro do Fantástico, com os fios brancos. Bem-humorada, explicou a razão da mudança. “Estou a caminho do cabelo absolutamente branco de uma velhinha, como se eu já não fosse uma velhinha”, observou, provocando risos. Fernanda está escalada para a próxima novela de Walcyr Carrasco, O outro lado do paraíso.

*O repórter viajou a convite da TV Globo


Três perguntas para...
Sonia Rodrigues
Escritora e jornalista

Nelson por ele mesmo, o livro que inspira o quadro homônimo no Fantástico, ganha uma segunda edição, que já está nas livrarias. Lançado há cinco anos, durante as comemorações do centenário de nascimento do dramaturgo, o livro reúne depoimentos selecionados por sua filha, Sonia Rodrigues.

Fernanda Montenegro lembrou que, certa vez, Carlos Drummond de Andrade definiu como “podre” a obra de Nelson Rodrigues. Como seu pai reagiu não só à opinião de Drummond como também a de outros críticos?
Meu pai reagiu escrevendo um artigo na revista Dionísio respondendo ao Drummond. Esta resposta está no livro Nelson por ele mesmo. (...“Infelizmente minhas peças não são obras-primas. Se o fossem, teriam direito de ser podres.”)

Hoje a obra de Nelson Rodrigues tem o reconhecimento que merece?
Hoje, existe o reconhecimento da importância de Nelson Rodrigues. O que falta é as pessoas lerem mais a obra – as crônicas, os contos, as peças.

O que mais marcou no seu trabalho ao organizar o livro Nelson por ele mesmo?

O mais marcante em Nelson por ele mesmo é a “voz” do meu pai. Como ele pensava bem o Brasil e o ser humano. Organizar as entrevistas em forma de autobiografia póstuma me ajudou a repensar muita coisa do momento pelo qual passa o Brasil..