
Villela lembra que Walderez é uma das grandes damas do teatro brasileiro, mestra do rigor e da dedicação ao ofício. A jovem artista Luciana tem rompantes “que lembram a luminosidade de Marília Pêra”, diz ele. O instrumentista Dagoberto toca bem. E o modo como ele atua, na borda dos acontecimentos, cria forte imagem da morte nos espreitando, elogia o diretor.
“Tenho fascínio por atores. Entrei no teatro devido à admiração por eles. Considero a carreira mais gloriosa que se pode oferecer a um ser humano”, afirma Gabriel Villela. A trama de As rainhas do Orinoco traz as loucuras de Mina e Fifi, atrizes de teatro musical que ganham a vida com shows pela América Latina, viajando em um barco pelo Rio Orinoco, que corta a Venezuela e a Colômbia.
saiba mais
Morre em São Paulo aos 89 anos o crítico de teatro Sábato Magaldi
Aos 72 anos, Mick Jagger vai ser pai pela oitava vez
Netflix vai produzir série sobre mulher que luta pela legalização da maconha
Até dia 30, seis peças infantis ficarão em cartaz no Teatro Alterosa
Parque das Mangabeiras recebe Rico Dalasam, Chico Chico, Vanessa da Mata e Mart'nália
Com cores que vão se transformando ao longo do espetáculo, a peça, inspirada na festa dos mortos, traz um retrato da América Latina profunda. “É uma região muito esquecida, que maltrata muito seus filhos, gente simples e de anonimato coletivo. Está no palco a dimensão trágica do esquecimento da cultura latina, abandonada e que vive à deriva neste mundo globalizado”, observa.
A opção pela comédia, protagonizada por atriz conhecida por papéis dramáticos, foi uma provocação de Gabriel a Walderez de Barros, parceira em vários projetos. “A grande comédia latino-americana, apesar da aparência bagaceira, é intensamente reflexiva”, ressalta o diretor.
Villela continua fiel a elementos que fizeram dele referência do teatro contemporâneo brasileiro, sobretudo ao realismo mágico. “Somos assim”, garante. Tal abordagem é autorizada pelo sol, a mata exuberante, a riqueza cultural e contrastes chocantes. “Como o mundo anda feio, persigo a beleza. Talvez essa seja a viga mestra de todas as artes. Não a beleza burguesa, mas aquela inaugurada pelos deuses gregos na poesia, na literatura... Pelas musas”, diz. Os deuses, lembra, encontraram repouso nas artes. Por isso, ele cultua as forças apolíneas e dionisícacas. “Não tenho como abandonar os traços harmônicos de Apolo e nem como escapar do domínio e do total desequilíbro e da embriaguez de Dionísio.”
Para Gabriel, o olhar desconfiado em relação ao naturalismo, sem perder a verossimilhança com o real, é traço comum a todos os diretores contemporâneos brasileiros. “Somos filhos de Bertolt Brecht. Trabalhamos o princípio da contradição – tese, antítese e síntese. Às vezes por meio do plástico, em outros momentos considerando o social, mas sempre procurando pensar o ser humano no contexto”, explica. A dimensão política é fundamental. “Faz-se teatro de ideias de grande sentido humanista, que gera prazer, pela fruição estética, e também reflexão”, conclui, citando o grupo mineiro Galpão como exemplo.
AS RAINHAS DO ORINOCO
Direção: Gabriel Villela. Com Walderez de Barros, Luciana Carnieli e Dagoberto Feliz. Teatro Bradesco. Rua da Bahia, 2.244, Lourdes, (31) 3516-1360. Amanhã, às 21h, domingo, às 19h. Inteira: R$ 70 (setor 1) e R$ 50 (setor 2). Classificação: 10 anos.
Três perguntas para...
Walderez de Barros
Atriz
Como é trabalhar com Gabriel Villela?
Admiro sua exuberante criatividade, a capacidade de se superar sempre e de surpreender o espectador a cada momento de seus espetáculos. Trabalhar com ele é um encantamento, é viajar pelo mundo mágico dele. Fazer teatro é brincar, acreditar no faz de conta. Um fiozinho de lantejoulas pode se transformar no Rio Orinoco, uma caixa de papelão é um barco. Basta que sejam tratados ritualisticamente. O que ele pede aos atores? Não pensem!
Como é a sua relação com o teatro e a TV?
Minha atividade primordial sempre foi o teatro. Ele me permite exercitar melhor o ofício de atriz, trabalhar em profundidade, me aperfeiçoar, desenvolver meu talento. Só o teatro propicia isso. Mas gosto de trabalhar em televisão também, gosto de qualquer veículo no qual possa exercer meu ofício. Não dá para comparar teatro e televisão, são veículos completamente diferentes. Gosto dos dois. Só não faço mais dois trabalhos ao mesmo tempo, é muito cansativo. Se estou fazendo teatro, não faço televisão.
Depois de mais de 50 anos de atividades, o que se aprende sobre ser atriz?
Aprendemos a lição básica de todo artista: ainda não sabemos nada, ainda temos um infindável aprendizado. Cada trabalho é um começo, a bagagem que carregamos pode ajudar, se for leve. Se for grande e pesada demais, só vai atrapalhar na descoberta de novos caminhos.